segunda-feira, 1 de agosto de 2011

O Cidadão Carioca


Por Sergio Porto

Claro, eu nasci ali, na primeira transversal à esquerda como, aliás, todos os meus irmãos.

Mudei-me para aqui e aqui fiquei.

Sou, portanto, um caso raro – só me mudei uma vez em toda a minha vida.

Sou carioca e tenho diversos amigos cariocas, nesta cidade de tantos brasileiros.

Vinicius de Moraes nasceu na Gávea, Lúcio Rangel na Tijuca, Di Cavalcanti em São Cristóvão – que naquele tempo era Chistovam –, Haroldo Barbosa, como Noel, é da Vila, Millor Fernandes do Meier, Anna, minha babá, que ontem aqui esteve de visita, nasceu, batizou-se em Copacabana.

Somos todos cariocas, nascidos Porto, Morais, Rangel, Cavalcanti, Barbosa ou Fernandes, como provam nossas respectivas carteiras de identidade e, no entanto, muitas vezes me tenho perguntado se seremos tão cariocas quanto Lanfranco Rosetti Vaselly Rossi-Rossi, natural de Firenze, criado em Montevidéu, formando em Buenos Aires e que, neste momento, pode ser encontrado em algum lugar de Santa Tereza.

Segundo o escritor Luiz Jardim – que sinal é de Garanhuns – todo brasileiro que vem para o Rio carioquiza-se e todo brasileiro que não vem não sabe o que perde.

Nós – os de casa – não nos preocupamos muito em conhecer nossa cidade (e se vocês prometem não contar pra ninguém eu lhes confesso que nunca subi ao Pão de Açúcar).

Às vezes nos tomamos de amores por ela, ficamos líricos, fazemos um verso, uma crônica, e os que vêm de Pernambuco, de Alagoas, Acre ou Paraná são, quase sempre, mais apaixonados do que nós ou, pelo menos, mais exuberantes em sua paixão.


Nada disso, porém, acontece com Lanfranco Rosetti Vaselly Rossi-Rossi.

Ele não nasceu aqui e nem descobriu o Rio – era um carioca predestinado.

Um dia confessou-me que, desde menino, pensava em poder morar no Rio, falar português (hoje ele não fala português, fala carioca), mergulhar nas ondas de Copacabana, subir o Morro da Mangueira, dançar um samba na “Estação Primeira”.

Perdeu-se pela música.

Principalmente pela música.

Quando menino, em Montevidéu, aguardava o dia inteiro um programa do rádio local, onde somente tocavam sambas.

Chamava-se – e ele nunca mais esqueceu – “Ritmos Cariocas”.

Lanfranco Rosetti Vaselly Rossi-Rossi voltou para a Itália, reviu Florença, passou por Milão e surpreendeu-se a comparar a Baia de Nápoles com a Guanabara que ele nunca tinha visto.

E era preciso conhecer.

Lanfranco voltou para a América, trabalhou em Buenos Aires e quando a oportunidade chegou, saltou na Praça Mauá perguntando onde morava o Cartola.

Que Cartola? – indagaram.

E Lanfranco Roserri Vaselly Rossi-Rossi, admirado de não saberem, explicava que Cartola era o grande sambista de Mangueira, o mesmo que era exaltado toda hora nas letras dos sambas modernos.

Uns não sabiam, outros diziam que já morrera e houve quem dissesse que Cartola enlouquecera.

O que fora sempre um entusiasta do samba não acreditou.

Quis ver para crer.


Subiu o morro, conheceu muitos sambistas, ficou amigo de todos, e acabou descobrindo Cartola – o Angenor de Oliveira, de quem ouvia os sambas lá em Montevidéu, com o ouvido pregado no rádio.

Lanfranco Rosetti Vaselly Rossi-Rossi tem um leve sotaque, mas sabe todas as gírias, assobia qualquer samba do falecido Geraldo Pereira e eu duvido que Mangueira não abra seu salão, quando por lá aparece.

Lanfranco conhece todas as ruas de Copacabana, passeia pela Zona Sul como eu, que aqui nasci.

Morou no Leme e na Rua do Riachuelo.

Agora este em Santa Tereza, mas vai mudar-se para Paquetá.

Se ele estiver parado numa esquina do Leblon e você perguntar onde fica Mangueira, ele explica direitinho: toma-se o “Estrada de Ferro-Leblon”, salta-se na cidade, pega-se o “Mauá-Inhaúma”, mas que seja Via Jacaré, etc., etc.


Mas se você estiver em Portela e quiser ir ao “Sacha’s”, pergunte ao rapaz loiro e de óculos, que está a um canto desenhando num papel os passos das cabrochas.

Ele explica direitinho.

A cidade não tem segredos para Lanfrenco, de família Rossi-Rossi.

Se é verdade que todos somos cariocas, até mesmo os prefeitos que antecederam ao atual, se é verdade o que diz o escritor Luiz Jardim, então – caramba! – mais de nós todos é Lanfranco ou, se preferem, o Lan, caricaturista notável, cidadão carioca.

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