domingo, 30 de janeiro de 2011

Carnaval 2000 - Alvará pra Imprensa, Mordaça pra Corrupção


No dia 5 maio de 1999, a Agência Senado divulgou uma matéria intitulada “Advogado denuncia desembargador por venda de alvará de soltura”, que foi repercutida em vários jornais locais:

Um esquema de venda de alvarás de soltura no Amazonas foi denunciado nesta quarta-feira (dia 5), à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apura irregularidades no Poder Judiciário, pelo advogado Abdalla Isaac Sahdo Júnior.

Ele acusou o desembargador Daniel Ferreira da Silva, do Tribunal de Justiça do estado, de estar por trás do esquema. Para o advogado, trata-se de “um desembargador corrupto”.

O advogado afirmou que um cliente seu, o traficante Firmino Vicente Caldas, tentou intermediar a soltura de dois traficantes colombianos, Carlos Escobar e Ramiro Arango. A intermediação teria ocorrido porque ambos não falavam bem o português.

Segundo Abdalla, Firmino orientou-os a pagar R$ 30 mil ao chefe da Divisão Judiciária do TJ/AM, Antonio Carlos Santos Reis.

Conforme o relato do advogado, o dinheiro foi pago, mas o alvará saiu em nome de outro preso, o também traficante Altamiro Câmara Filho, motivo pelo qual Firmino é agora cobrado pelos traficantes.

Sempre de acordo com seu relato, o dinheiro foi entregue a Santos Reis pela irmã de Firmino, Gerita Carvalho Caldas.

Abdalla ressaltou que o alvará foi expedido em 22 de abril de 1998. Menos de duas semanas depois, porém, o desembargador expediu mandato de prisão contra o mesmo Altamiro, a quem mandara soltar pouco antes.

Segundo o advogado, Daniel Ferreira da Silva acusou Santos Reis de ter falsificado sua assinatura, acusação desqualificada através de exame grafotécnico.


De acordo com o advogado, todos os alvarás foram expedidos por solicitação da advogada Maria José Menescal, esposa do juiz da 4ª Vara Criminal de Manaus, José Carlos Menescal. Todos foram concedidos apesar do parecer contrário do Ministério Público.

Abdalla citou também a carta do traficante Charles Rodrigues, endereçada, mas nunca entregue (por motivos que não especificou), ao chefe da Procuradoria da República no Amazonas, Sérgio Lauria. Conforme o advogado, o preso relata que a advogada lhe cobrou R$ 21 mil por sua liberdade.

Segundo Abdalla, a esposa e a tia do preso foram, no carro da advogada, até a casa do desembargador, de onde saíram com o alvará, posteriormente cassado pelo tribunal.

Outros alvarás, de acordo com o advogado, foram concedidos pelo desembargador Daniel aos traficantes Edmilson Cruz e José Juraci Lucas.

Abdalla afirmou que, em relação a este último, o alvará foi concedido três dias antes do pedido para a soltura do preso.

O advogado relatou ainda o caso de um açougueiro que tentou três habeas corpus. Os dois primeiros, feitos por um advogado de Manaus e outro de São Paulo, foram negados.

O terceiro, impetrado por Maria José Menescal, foi atendido pelo desembargador Daniel.

“O único fato novo foi o de ter sido defendido pela advogada Maria José”, afirmou Abdalla.


Em agosto daquele ano, os jornais A Crítica, Diário do Amazonas e Amazonas em Tempo tiveram acesso a um relatório do Ministério Público Federal, que denunciava o desembargador de envolvimento na venda de alvarás de soltura e liberação, em benefício principalmente de presos por tráfico internacional de drogas, e produziram várias matéria sobre o assunto.

No geral, o desembargador Daniel Ferreira da Silva havia sido notificado pelo Superior Tribunal de Justiça a apresentar sua defesa num prazo de 15 dias.

Ele foi denunciado pela prática de crimes de concussão (extorsão praticada por funcionário público) e prevaricação (omissão para obtenção e vantagem) em inquérito conduzido pelo ministro do STJ, Sálvio de Figueiredo.

O ministro mandou notificar também a advogada Maria José Rodrigues Menescal de Vasconcellos e o servidor do Tribunal de Justiça do Amazonas, Antonio Carlos Santos Reis, acusados de agir em conjunto com o desembargador na liberação de traficantes.

O inquérito foi aberto em maio pelo STJ atendendo solicitação do Ministério Público, que apresentou a denúncia formal contra o desembargador e ex-corrgedor geral de Justiça do TJ/AM.

Na denúncia, a subprocuradora-geral da República, Yedda de Lourdes Pereira, afirma que o desembargador Daniel Ferreira e a advogada Maria José Menescal acertaram um esquema de venda de alvarás de soltura, através de habeas-corpus e correições parciais para progressão do regime fechado para o aberto, para atendimento, em grande parte, de traficantes, mediante pagamento de quantias que variavam de R$ 20 mil a R$ 40 mil.

A advogada Maria José Menescal é denunciada por concussão e exploração de prestígio, pelo fato de ter atuado junto ao desembargador na obtenção, em 1998, de alvarás de soltura de 16 presos, brasileiros, colombianos e peruanos, a maioria sob jurisdição federal, respondendo por tráfico internacional de Drogas.

O funcionário do TJ/AM Antonio Carlos Santos Reis, então chefe da Divisão Judiciária do Tribunal, é acusado de estelionato, falsidade ideológica e falsificação de documento público também para liberar presos em penitenciárias amazonenses, acusados de tráfico de entorpecentes.

A denúncia do Ministério Público ressalva, em relação ao funcionário, que uma perícia afastou sua autoria na falsificação de documentos. Mas salienta: Há toda evidência de que Antonio Carlos Santos Reis sabia do esquema e dele se aproveitou, embora rechaçado por Daniel Ferreira da Silva, logo no início, o que não exclui sua participação nos fatos.

Com base nas peças do inquérito relatado pelo ministro Sálvio de Figueiredo, a denúncia do Ministério Público sugere o enquadramento do desembargador Daniel Ferreira da Silva nos artigos 316 (concussão) e 319 (prevaricação) do Código Penal.

No primeiro caso (art. 316), que pune os crimes de extorsão ou exigência de vantagem ilícita por funcionário público, a pena prevista é reclusão de dois a oito anos, e multa.

No que se refere ao artigo 319, a pena prevista é detenção de três meses a um ano, e multa, quando é configurada a prática de omissão para obtenção de vantagem indevida.

A subprocuradora-geral da República Yedda de Lourdes Pereira pede também o indiciamento da advogada Maria José Menescal por crimes de concussão (art. 316) e exploração de prestígio (art. 357).

Por exploração de prestígio, entende-se o fato de a advogada ter sido autora das solicitações dos habeas-corpus a traficantes brasileiros e colombianos presos no Amazonas, em conluio com o desembargador.

A pena prevista nesse caso pelo Código Penal varia de um a cinco anos, e multa.

Para o funcionário Antonio Carlos Santos Reis, o Ministério Público pede a aplicação do artigo 171 do Código Penal, que pune a fraude e o estelionato com penas de um a cinco anos.


Não se sabe como, mas o certo é que o desembargador Daniel Ferreira da Silva conseguiu obter no Tribunal de Justiça do Amazonas uma liminar para que seu nome não fosse citado em nenhum dos jornais locais.

A pena para quem desobedecesse a liminar seria a punição com a prisão dos diretores de jornais e multa diária de R$ 100 mil.

Em termos práticos, era uma censura prévia e os jornais ficaram amordaçados.

A BICA não ia deixar barato a presepada e escolheu seu tema para o carnaval de 2000: “Alvará pra Imprensa, Mordaça pra Corrupção”.

No dia 24 de fevereiro de 2000, o poeta Simão Pessoa escreveu no Amazonas em Tempo o seguinte texto:

Nesta quinta-feira, a partir das 20 horas, a Banda Independente Confraria do Armando (BICA) realiza no Bar do Armando, ali na praça São Sebastião, o seu aguardado ensaio geral para o portentoso e monumental carnaval de rua que vai rolar no próximo sábado, no centro da cidade.

Rompendo uma tradição de 12 anos, a banda vai ocupar as ruas da cidade com a cara e a coragem.

Explica-se: o José do Patrocínio da BICA (um moreno alto, bonito e sensual, chamado Odilon Andrade), ex-diretor da Cervejaria Antarctica, tirou o time de campo e hoje se dedica a criar cadornas em Tabatinga, no alto Solimões.

Os atuais diretores da empresa, simplesmente, odeiam carnaval e cortaram todas as cotas de patrocínio.

Entre os biqueiros, a sensação é que, de uma hora para outra, a banda ficou órfã de pai e mãe.

“A falta de sensibilidade dos atuais diretores da cervejaria tira qualquer um do sério”, reclama Francisco Cruz, atual comandante-chefe da BICA, depois que o presidente Jomar Fernandes solicitou seu afastamento por ter contraído malária.

“O Bar do Armando é, disparado, o maior vendedor de cervejas Antarctica do centro da cidade e a BICA faz um carnaval de graça para quase 20 mil foliões. Nada mais lógico do que a cervejaria investir uma parte do lucro auferido durante o ano nesse único dia de folia”.

Os custos para colocar uma banda na rua estão estimados em R$ 15 mil.

Até o ano passado, um terço desse valor vinha do “direito de arena” ou da “exclusividade de patrocínio” da cervejaria escolhida.

Outro terço, era oriundo da venda de camisas e CDs, e o restante das contribuições voluntárias no Livro de Ouro.

O fim das cotas de patrocínio abriu um “rombo” nas finanças das bandas.

Das quase setenta, que desfilaram ano passado, apenas dez estão confirmadas este ano: a BICA, a Difusora, a Cuiu-Cuiu, a Bhaixa da Hégua, a do Jacaré, a das Piranhas, a do Clube Hype, a do Cinco Estrelas, a da Caixa Econômica e a da Jovem Pan. As demais tomaram chá de sumiço.

Especula-se no Bar do Armando que essa pisada de bola das cervejarias seja reflexo das garrafadas que estão sendo trocadas entre a AmBev, nascida da fusão de Brahma e Antarctica, e a Kaiser.


“O dinheiro que seria gasto com as bandas está sendo desviado para compra de votos dos integrantes do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), que deverá dar sua palavra a respeito da criação da AmBev até o final do mês, podendo sacramentar ou inviabilizar a fusão”, dispara Deocleciano Souza, atual presidente do Sindicato dos Jornalistas do Amazonas.

O jornalista parece ter razão. Segundo a revista Veja desta semana, as empresas resolveram jogar pesado para fazer a cabeça da população e influenciar a decisão dos burocratas.

“Reservamos 3,6 milhões de reais só para a campanha”, diz Pandolpho, da Kaiser.

“Já autorizamos uma verba publicitária extra de 5 milhões de reais. Até onde eles forem, nós vamos”, contra-ataca Marcel Talles, co-presidente da AmBev.

Quer dizer, só com a dinheirama que está sendo gasta nesta troca de ofensas diária entre as duas cervejarias daria para patrocinar 2 mil bandas do tamanho da BICA.

Apesar dos pesares, a banda promete um carnaval inesquecível.

O grupo Demônios da Tasmânia, formado por experimentados músicos da banda da Polícia Militar, resolveu aceitar um cachê simbólico para participar da fuzarca.

A bateria da escola de samba Reino Unido também vai estar presente na folia, assim como os grupos de pagode Toco Cru Pegando Fogo, Só Preto Com Preconceito e Academia do Samba do Crioulo Doido.

As novidades ficam por conta dos músicos Abílio Farias, Nunes Filho e Teixeira de Manaus, que vão fazer uma participação especial cantando músicas-brega em ritmo de carnaval, e do “combo” multimídia Dente de Dragão, que acaba de chegar de uma excursão vitoriosa pelas praias do Caribe.

As camisas da BICA estão sendo vendidas no Bar do Armando ao preço de R$ 10 e o CD com a marchinha “Alvará pra Imprensa, Mordaça pra Corrupção” pode ser encontrado em qualquer banca de camelô ao preço simbólico de R$ 5.

Sob a acusação de que tinha um “traço muito acadêmico”, o artista plástico Jorge Palheta foi deletado da comissão artística da banda e não assina a camiseta deste ano.

É outra tradição que também foi pras cucuias. Ô raça !


Dona Lourdes e Armando querendo saber qual é o pó....

Na sexta-feira, 25 de fevereiro a coluna “Sim & Não”, de A Crítica, publicou a seguinte nota:

BICA

Admirador da irreverência da Banda da BICA, o secretário estadual de Segurança Pública, Klinger Costa, espera que ele não tenha de cumprir nenhuma ordem para proibir o mais tradicional grupo de carnaval de Manaus. “É bem melhor que a policia vá a praça São Sebastião apenas para manter a segurança dos cidadãos”, diz ele.

No sábado, 26 de fevereiro, o jornalista Mário Adolfo escreveu o seguinte texto no Amazonas em Tempo:

Um sábado sem lei. É o que promete a diretoria da Banda Independente da Confraria do Armando, a escrachada BICA, que sai neste Sábado Magro, garantindo colocar 30 mil malucos no território do boteco mais famoso da cidade, tendo como testemunha o Teatro Amazonas e como santo protetor São Sebastião (que ninguém se lembre de casar nesse dia).

De fato, a BICA vai precisar de proteção. Seu enredo ironiza até mesmo o dono do bar, o português Armando, que foi chamado às falas no ano passado, porque resolveu conceder asilo a algumas tartarugas e não soube explicar ao Ibama o que as bichinhas estavam fazendo lá no seu tanque.

“Armando! Meu querido português/ Vende x-porco e quelônio pro freguês/ A banda não que ser presa, caspite/ Aqui na BICA todo mundo cheira vick”, diz a bem-humorada letra da marchinha, que este ano foi composta por Tim Maia, Rosendo Lima, Celeste Pereira e Silvério Tundis e psicografada por nada menos que Dr. Fritz, com revisão de Paulo Graça.

Com o enredo “Alvará pra Imprensa, Mordaça pra Corrupção”, o Núcleo de Criação do Bar do Armando encontrou dificuldade para explicar a alguns de seus membros que a BICA não quer abafar ninguém, só quer mostrar que faz samba também.

A idéia é criticar a situação do País que foi bombardeado de CPIs, entre elas a do Judiciário.

Por conta disso, muito juiz que costuma sair na BICA resolveu pegar febre amarela, dengue, malária e outras pragas tropicais para tirar o dele da reta, já que quando o assunto é banda todos são iguais perante a BICA.

Esta semana o português Armando recebeu a visita de um oficial de Justiça para explicar o refrão da marchinha: “Alvará, alvará/ A minha BICA dessa vez vai levantar!”

– O senhor quer insinuar o quê, sêo Armando?...

O português que estava cortando o pernil para fazer um sanduba, coçou as costas com a faca e saiu pela tangente:

– Seu doutore, me desculpe, mas esses meninos que se metem a fazer música na BICA são um bando de analfabeto. Na verdade, o enredo é uma homenagem a Álvara, irmã gêmea do Álvaro, que faleceu no carnaval passado. Só que na hora de escrever o nome, os burros em vez de acentuar o primeiro “A”, acentuaram o segundo. Ai, Jisus!!!

O oficial de Justiça tentou falar alguma coisa e Armando tascou uma fulepa de pernil na boca do cidadão, calando-o para sempre.

Dois dias depois, passou lá o fiscal do Ibama querendo saber mais sobre a letra, que tem dado um trabalhão danado.

– Sêo Armando, o senhor pode me explicar o que significa “Armando!/ Meu querido português/ Vende x-porco e quelônio pro freguês”... Que história é essa de quelônio?...

– Seu doutore, um pilantra chegou comigo e solicitou: “Posso guardar uns quelônios lá no teu tanque?” Como era terça-feira e eu só lavo minhas cuecas na quinta, eu deixei. Mas doutore, eu lhe juro, eles brincaram com a minha boa-fé. Quando que eu ia imaginar que quelônio e tartaruga são a mesma coisa. Ô língua!

E logo em seguida, como tinha outras pessoas que precisavam ser atendidas, solicitou ao fiscal do Ibama:

– Dá pro senhor entrar na bicha?...

– O quê?!! – berrou indignado o homem.

– Calma, doutore... Bicha lá em Portugal é fila. Ô língua!

A BICA começa a se concentrar a partir das 13 horas. Às 15, a diretoria recepciona Petronila, a venerada senhora que, mesmo aos 83 anos, carrega o pau (da bandeira) da BICA até o final do desfile.

O boneco do Armando, que em 97 foi seqüestrado, permanecerá algemado por todo o desfile no pé do palanque.

Frei Fulgêncio já avisou que este ano não casa ninguém no Sábado Magro de carnaval e já mandou até passar a tranca na porta da igreja.

Na última vez que um casal maluco resolveu casar no dia da saída da BICA foi um deus-nos-acuda.

O coronel Orleilson Guimarães, que era o comandante da PM à época, foi lá conversar com os anarco-cachaceiros do Armando.

Com o vozeirão de Kirk Douglas e aqueles olhos de Tony Curtis, o oficial falou:

– Dá pra vocês beberem daqui pra lá e deixar a área da entrada da igreja livre? – sugeriu.

– Que dá, dá! – concordou Armando. “Agora tente explicar isso pra mais de 10 mil malucos, com mais de uma grade de cerveja na cabeça, coronel...”.

O dia do casamento foi um vexame. Os biqueiros esqueceram por uns minutos que estavam ali para brincar carnaval e passaram a fazer torcida para o casamento.

Quando surgiu o noivo a canalha começou a cantar:

– E dá-lhe noivo! E dá-lhe noivo! Olé, olé, olá!!!

O noivo apressou o passo e por pouco não entrou na sacristia pra se esconder.

Quando surgiu a noiva, então, foi um deus-nos-acuda.

O coro de biqueiros não perdoou:

– A noiva é esquisita/ Vai entrar na BICA!/ A noiva é esquisita/ Vai entrar na BICA!

A noivinha corou de vergonha e dizem que naquela noite não quis entrar na BICA de jeito nenhum.

A grande polêmica deste ano ficou por conta do qüiproquó armado pelo editor do Maskate, Miguel Mourão, que depois de sofrer um atentado queria que a BICA saísse com um boneco mamulengo em sua homenagem.

Armando não topou porque só para encenar o sangue na cabeça do maskateiro seriam mais de cinco vidros de catchup.

– Tá louco, gajo! Desse jeito eu vou falir! –, explicou.

Mourão não gostou da falta de solidariedade e a manchete do Maskate esta semana foi assim: “Porco do Armando entra em Manaus sem pagar ICMS”. Égua do Mourão!


Simão Pessoa, Mário Adolfo e Simas Pessoa

Tô com a toga solta

Autores: Tim Maia, Rosendo Lima, Celeste Pereira, Silvério Tundis e Antonio Paulo Graça, psicografada por Dr. Fritz
Médiuns: Mário Adolfo, Afonso Toscano e Paulo Mamulengo

Eu hoje tô com a toga solta
Nem CPIada vai me segurar
Tô vendendo hábeas-corpus
Que compra cinco
Tem de graça um alvará

Alvará, alvará!...
A minha BICA dessa vez
Vai levantar! (Bis)

Doutora, ai, doutora!
O seu diploma foi roubado
Em Portugal

O preço do alvará tá muito alto
“Não, tá bom! Não, tá bom!”
Segue a tabela ou vou direto
Pro Procon

Alvará, alvará!...
A minha BICA dessa vez
Vai levantar! (Bis)

Armando!
Meu querido português
Vende x-porco
E quelônio pro freguês

A banda não quer
Ser presa, caspite,
Na BICA todo mundo
Cheira vick

Alvará, alvará!...
A minha BICA dessa vez
Vai levantar! (Bis)


Baretta, Davi Almeida, Mário Adolfo, Simão Pessoa, Amecy Souza, Rogelio Casado e Fredinho

No domingo, 27 de fevereiro, a coluna “Claro e Escuro”, do jornal Diário do Amazonas, publicou as seguintes notas:

Sem greve (1)

O presidente da Associação dos Magistrados do Amazonas, Jomar Fernandes, garante que os juízes do Estado não aderirão à greve que os juízes federais estão convocando. Motivo: a situação aqui é muito diferente e até mais confortável para os magistrados.

Sem greve (2)

O próprio Jomar acredita que a greve será evitada com uma atitude do governo federal, que pode anunciar alguma medida que esfrie os ânimos entre os magistrados federais, que realmente ganham muito pouco para tamanha responsabilidade.

Tô fora (1)

Ainda falando de Jomar Fernandes, ele se afastou este ano da Banda da BICA, da qual é um dos expoentes. Tudo porque a irreverente banda resolveu brincar com o desembargador Daniel Ferreira da Silva, que é tema este ano.

Tô fora (2)
Jomar explica que não ficaria bem para ele, presidente da Associação que congrega todos os magistrados, inclusive Daniel, ironizar uma situação que envolve um associado. O presidente não critica, entretanto, os integrantes da BICA, até porque conhece a filosofia e a democracia que reina na banda.


Simão Pessoa, Gracionei Medeiros, Davi Almeida e Rogelio Casado

Na terça-feira, 29 de fevereiro, o poeta Simão Pessoa escreveu o seguinte texto no Amazonas em Tempo:

As duas bandas mais animadas da Zona Centro-Sul (a Banda Independente da Confraria do Armando, no sábado, e a Banda da Bhaixa da Hégua, no domingo) mantiveram a tradição, firmada nos últimos anos, de arrastar milhares de pessoas atrás de si e realizaram um carnaval pra ninguém botar defeito.

O carioca Antônio Sérgio De Mello, atual superintendente da Suframa, era um dos mais empolgados. Ele dividiu uma mesa no camarote VIP da BICA com a jornalista Menga Junqueira, diretora do Em Tempo, e com o advogado Félix Valois, secretário de Estado de Cidadania e Justiça.

“No próximo ano vou exigir que a Suframa patrocine o carnaval de rua de Manaus”, avisou.

Patrocínio, aliás, é uma palavra que a banda mais polêmica do planeta quer esconjurar.

No sábado, depois de observar os quase 30 mil foliões dançando sem parar na praça de São Sebastião, o presidente em exercício da BICA, Francisco Cruz, desabafou:

“Nunca mais a BICA vai aceitar o patrocínio de cervejaria ou fábrica de refrigerantes. Essas empresas agora são persona non grata na banda”, resumiu.

E para mostrar que não estava brincando, mandou jogar no lixo 20 caixas de cervejas em lata que a AmBev havia enviado graciosamente para o camarote VIP da banda, erguido ao lado do Bar do Armando.

As únicas bebidas toleradas no camarote VIP eram uísque escocês 18 anos, champanhe Dom Perignon, vinho do Porto e água mineral Perrier.

Proibido de beber por recomendação médica (estava com dengue), limitei-me a administrar o bufê de pratos quentes do camarote.

Os canapés, o fogareiro de fondue e os potinhos de caviar ficaram sob a guarda do empresário Armando Loureiro.

Dos quase dezoitos tipos de pratos diferentes patrocinados pelo juiz Jorge Álvaro (desconfio de que a grana saiu do fundo de greve dos juizes federais), pelo menos quatro estavam de se sentar no chão na posição de lótus e recitar mantras à sua Divina Graça, a Gula: o lagostim à Provençal, o guisado de cutia com feijão tropeiro, a cascata de camarões gigantes e a paca no leite de castanha.

O jornalista Mário Adolfo reclamou que haviam colocado alfavaca demais no sarapatel de tartaruga, mas não cheguei a confirmar.

Este ano, o enredo da BICA (“Alvará pra Imprensa, Mordaça pra Corrupção”) acabou provocando uma série de mal-entendidos.

O secretário de Finanças do município e ex-biqueiro Aloísio Braga, por exemplo, cismou que o enredo era com ele e convenceu o prefeito Alfredo Nascimento a dar um desconto de 90% em qualquer alvará do município que fosse pago antes do dia do desfile da banda.

O juiz Jomar Fernandes, atual presidente da Associação dos Magistrados do Amazonas, também achou que o enredo era com ele e passou duas semanas tomando banho de cacimba às seis horas da tarde num sitio da AM-10. Só sossegou o facho depois que foi picado por um mosquito anofelino e contraiu malária.

O diabo é que os sintomas da doença arrefeceram dois dias antes da saída da banda e o juiz teve encarar o desfile.

A música, produzida pela ala de compositores desencarnados da BICA, na verdade, ironizava a venda de tartarugas praticadas pelo português Armando Soares e miseravelmente descoberta pelos ficais do Ibama.

Desconfia-se de que a denúncia anônima tenha partido do compositor Américo Madrugada, magoado com a concorrência desleal do Armando. Até então, o compositor tinha exclusividade no fornecimento de quelônios para os freqüentadores do bar.

O general da banda, jornalista Deocleciano Souza, comandou o desfile da BICA pelas ruas da cidade, no trajeto 10 de Julho, Getúlio Vargas, Sete de Setembro e rua Barroso, apesar da forte chuva que caía.

Cerca de 500 pessoas participaram do desfile, que foi coreografado pelo badalado Carlinhos de Jesus, mas a banda não pôde subir a Eduardo Ribeiro porque, no mesmo horário, um grupo de boi estava ensaiando as toadas de Parintins, em frente ao edifício Palácio do Comércio, para uma platéia sonolenta estimada em quase trezentas pessoas.

“Deve ter sido retaliação do Pop da Selva, o tal de Arlindo Jr.”, avaliou Deocleciano. “Ele andou se oferecendo para cantar de graça na BICA, mas ninguém quis, daí ele resolveu atrapalhar o nosso desfile”.

Aliás, três coisas são terminantemente proibidas na BICA: execução de toadas de boi e de música baiana, e desfile de mulher feia.

“Esses ingredientes ficam para essas bandas BO, que querem imitar a BICA”, resumiu Afonso Toscano, da ala de compositores dos biqueiros.

“Anota aí que BO tanto pode ser ‘Bom pra Otário’ como ‘Baba-Ovo’”, esclareceu Davi Almeida, também da ala dos compositores, se referindo a Banda da Difusora, que mais uma vez atrapalhou o desfile da BICA.

A festa da BICA prosseguiu por todo o dia de ontem, com a celebração do aniversário do português Armando e farta distribuição de cervejas em lata para os transeuntes. No próximo ano tem mais.



Jô Almeida, Davi Almeida e Petronila


Petronila e Chicão Cruz


Joana Meireles, Simão Pessoa, Jomar Fernandes e Petronila


A zorra dos biqueiros no protesto contra a falta de liberdade de imprensa


Felix Valois e Simão Pessoa


Rogelio Casado em cena de assédio sexual explícito a Petronila, para espanto da Vera Macuxi


Caio Almeida, Nega Cleide, Edu do Banjo, Marcel Almeida, Davi Almeida, Simão Pessoa e Marco Gomes


A parada estratégica do BregArmando


Na quinta-feira, dia 20 de julho de 2000, o poeta Simão Pessoa publicava a seguinte matéria no jornal Amazonas em Tempo:

Nesta quinta-feira, a partir das 20 horas, o Bar do Armando vai reviver os áureos tempos da extinta boate Shangri-Lá, com a apresentação dos cantores amazonenses Afonso Toscano, o Rei do Partido Alto, e Aluisio Aguiar, o Rei do Bolero.

Será a última apresentação do badalado projeto BregArmando antes da eleição municipal.

É que para não se comprometer com nenhum dos oito candidatos, o comerciante Armando Soares programou passar três meses em Portugal.

Depois, se tudo correr bem, ele deve emendar e “conhecer a Europa propriamente dita”, como gosta de esclarecer o confrade Luís Saraiva, no programa semanal “Portugal Sem Passaporte”.


Como todo mundo sabe, o festejado cantor e compositor Afonso Toscano, autor dos principais hits da BICA, sofreu um acidente doméstico há três anos, ficando impossibilitado de tocar violão.

Depois de muita fisioterapia, ele vai fazer sua reestréia na noite tendo como parceiro Américo Madrugada e um repertório calcado no melhor do partido alto (Fundo de Quintal, Zeca Pagodinho, Almir Guineto, Lecy Brandão, Jorge Aragão e outras feras).

O grupo Demônios de Tasmânia vai fazer o acompanhamento musical, sob a regência do maestro Manuel Batera.


Chicão Cruz, Armando e Aluisio Aguiar

Conhecido como o Rei do Bolero, o ex-investigador de Polícia Aluísio Aguiar se notabilizou na década de sessenta quando fazia parte do trio de ferro conhecido como “Esquadrão Argos”, a elite da Polícia Civil.

Ao lado de Geraldão e Salu Omar, Aluízio era responsável pelo combate à contravenção (jogo do bicho, jogo da pretinha, briga de galos) tendo, inclusive, num Domingo de Ramos, prendido uma perigosíssima quadrilha de empinadores de papagaio, liderada pelo famosa Russo, o inventor do cerol-navalha (linha oito com vidro moído de bolas de árvore de Natal).

Sempre usando terno de giz riscado com colete de gabardine, sapato bicolor impecavelmente lustrado e um inseparável chapéu estilo Nat King Cole, Aluísio era a própria distinção em pessoa, e seus dois parceiros não ficavam atrás.

Durante cinco anos seguindos, o falecido colunista Nogar, do venerando Jornal do Comércio, os elegeu “os três mais elegantes da Polícia Civil”.

O vozeirão afinado do cantor logo chamou a atenção do radialista Clodoaldo Guerra, que o contratou para ser a principal atração do programa “Confusão na Taba”, que rolava nas tardes de sábado, no Cine Ipiranga, na Cachoeirinha.

Com a experiência adquirida no palco, Aluísio Aguiar passou a abrir shows de Waldick Soriano, no Acapulco, no Selvagem e na União Esportiva de Constantinopla, em Educandos.

Hoje, trinta anos depois dessa fase heróica, Aluísio contabiliza já ter participado de shows com Miltinho (seu padrinho musical), Cauby Peixoto, Nelson Ned, Ângela Maria, Márcio Greick, Agnaldo Timóteo e Nelson Golçalves, entre outros.

Com quatro LPs e três CDs já lançados, Aluísio Aguiar é expert no gênero bolero, um dos avôs do mambo, do chá chá chá e da salsa.

O ritmo nasceu na Inglaterra, passando pela França e Espanha com nomes variados (dança e contra-dança).

Mais tarde, um bailarino espanhol, Sebastião Cerezo, fez uma variação baseada nas Seguidillas, bailados de ciganas, cujos vestidos era ornados com pequenas bolas (as boleras), daí surgindo o nome que se popularizou com Bienvenido Granda, Lucho Gatica e Gregorio Barrios.

Muito popular entre o final dos anos 40 e a metade da década de 60, época do sucesso dos musicais de Hollywood, o bolero caiu em desgraça com a chegada do rock.

Foi quando essa história de homem segurar a mulher pela cintura e rodopiar pelo salão virou coisa de mané.

Naquela época, adolescente não curtia rádio. Rádio era acompanhamento musical de pelada na rua, antes da matinê.

Rádio era o que as nossas mães ouviam na cozinha, enquanto líamos gibis ou jogávamos futebol de botão.

Tínhamos a maior simpatia pelo fato de a porta do barraco de Silvio Caldas não ter trinco, mas – o que é que a gente tinha a ver com isso?...

Cauby Peixoto se descabelava todo procurando por uma certa Conceição, e isso era ótimo se você estivesse fantasiado de pirata pulando com uma havaiana no baile da Kamélia, intoxicado de lança-perfume até a alma, mas – e em junho?...

Melhor mesmo era suspirar pela Conceição, essa sim, minha vizinha, então na exuberância dos seus treze anos, e repetir, aos berros “deixe essa boneca, faça-me o favor, deixe isso tudo e vem brincar de amor, de amor, de amor”. Oh, yeah!

Quem queria saber de “perdóname si alguna vez sin quererlo te engañé...” se podíamos cantar “vinha voando no meu carro quando vi pela frente, na beira da calçada um brotinho inocente”?

Tá certo que alguns boleros diziam que “uma mujer deve ser soñadora, coqueta y ardiente...” e a gente, no escurinho do cinema, bem que gostaria que as Zenaides, Lucianas e Silvinhas fossem um pouco mais “coquetas y ardientes..”, mas não era bem melhor o ufanismo de “cabelo na testa, sou o dono da festa, pertenço aos dez mais, ai, ai, ai”?...

De qualquer forma, Aluísio Aguiar promete contar e cantar em duas horas o que foi e como foi que houve essa – sejamos cruéis, a vida é cruel –, essa cafonália, essa breguice, essa kitscheria embolorada, que vem lá de Ernesto Lecuona, Agustín Lara, Mario Clavel, Maria Grever, Armando Manzanero, até dar nas finas estampas de Caetano Veloso. Eu, hein, Rosa!

Carnaval 2001 - Cuscuz, pupunha e tucumã na Mansão do Tarumã


Na quinta-feira, 1.º de fevereiro de 2001, o poeta Simão Pessoa escreveu no Amazonas em Tempo o seguinte texto:

A Banda Independente Confraria do Armando (BICA) faz um novo ensaio carnavalesco logo mais, a partir das 19h, no famoso Bar do Armando, com a presença dos grupos Demônios da Tasmânia e Raízes do Samba.

Durante a fuzarca, os trinta diretores vitalícios da banda vão discutir e definir a estratégia da BICA para o desfile no próximo dia 17, durante o Sábado Magro. A polêmica da vez, entretanto, não está na escolha do enredo, mas no fato de que, ultimamente, a banda não está fazendo o tradicional desfile pelas ruas do Centro.

“O pessoal começa a encher a cara por volta do meio-dia e quer fazer o desfile às oito horas da noite, quando todo mundo já está cheio de truaca, com neguinho chamando Jesus de Genésio e urubu de meu louro”, explica Chicão Cruz, comandante-em-chefe da banda e atual subsecretário estadual de Justiça e Cidadania. “O resultado é que apenas o Deocleciano e mais meia dúzia de pessoas estão participando do desfile. Assim não dá!”

Marechal-de-campo da BICA e atual presidente do Sindicato dos Jornalistas do Amazonas, Deocleciano Souza também não está nada satisfeito com a situação vexatória de comandar meia dúzia de pés inchados pelas ruas escuras do centro da cidade, num horário em que até mesmo as duplas de Cosme e Damião só vão patrulhar as ruas com proteção policial.

“No ano passado uma galera de cheira-cola tentou nos atacar no cruzamento da Saldanha Marinho com a Barroso e se não fosse a Petronila distribuir uns rabos-de-arraia e o Lamego dar uns tiros pro alto, teria acontecido uma tragédia”, recorda.

Para evitar novas surpresas, o jornalistas vai comandar o desfile deste ano munido de uma escopeta com cano serrado, privativo das forças armadas do Morro do Borel.

General-quatro-estrelas da banda e atual presidente da Associação dos Magistrados do Amazonas, Jomar Fernandes acha que alguns diretores estão fazendo tempestade em copo d’agua.

“A Constituição brasileira não obriga ninguém a desfilar no Sábado Magro sob uma chuva torrencial. A gente tem atrasado o horário do desfile por causa disso, para aguardar a chuva diminuir de intensidade e garantir o direito constitucional dos biqueiros de não morrerem de pneumonia nem de uma dessas doenças de veiculação hídrica que estão fazendo a festa na cidade”, argumenta.

“De qualquer forma, como sou um democrata convicto e, acima de tudo, um legalista militante, vou aceitar a decisão do colegiado. Mas adianto mais uma vez que não desfilo embaixo de chuva forte nem levando o choque elétrico”, avisou.

Intendente-para-assunstos-de-música-brega e presidente do Coletivo Gens da Selva, o poeta Marco Gomes endossa as palavras do Neguinho da BICA.

“Esse negócio de desfilar de qualquer jeito, mesmo enfrentando um temporal diluviano, é a maior roubada. Como é que a ala dos Inteirados vai fazer pra proteger aqueles elementos perecíveis que a gente carrega no bolso, tipo carteira de identidade, chaveiro, mutuca, ingresso para o show do Alceu Valença, espelhinho do Botafogo e pó de mico?”, questiona.

“Aliás, a maioria dos diretores nem coloca os pés na rua. Eles ficam o tempo todo biritando no camarote anexo ao Bar do Armando, onde nunca chove, comendo do bom e do melhor, contando piadas de português, azarando as gatinhas desacompanhadas e discutindo se tem 15 ou 20 mil pessoas tomando banho de chuva. Pra cima de muá?...”, detonou Marquinhos.

Para o artista plástico Jorge Palheta, ex-ajudante-de-ordens-para-assuntos-de-camisetas da banda, o que está havendo é um processo de estrelismo dos diretores, que desvirtuaram os objetivos da banda.

“Agora, pro sujeito ser diretor de destaque e ter acesso a camarote VIP, ele tem de acumular outra função pública notória. Ou isso ou o cara está ferrado. Por exemplo, como não sou presidente de nada, no ano passado eles me escalaram para empurrar o segundo carro de som. Disseram que só tinha vaga de diretor praquela função. Eu só aceitei por causa da camisa grátis, que a minha velha mãe coleciona. O Manuelzinho Batera, que também não é presidente de nada, tinha sido escalado para levar água pros músicos. Ai, nós dois acabamos trocando de função, porque ele sabe que sofro de hérnia escrotal e não quis que eu me prejudicasse ainda mais”, reclama.

“E isso depois de eu ter feito os desenhos das camisetas da BICA durante 12 anos seguidos sem ganhar um tostão. Esses caras, além de elitistas, são uns escrotos”, afirmou o artista plástico.

Eleito há duas semanas presidente da Associação dos Ex-Funcionários da Emops, Manuelzinho Batera garante que este ano vai assistir ao bloco passar de dentro do camarote, mas defende que o desfile se inicie por volta das duas da tarde, “com chuva ou sem chuva”.

Até segunda-feira passada, Jorge Palheta ainda não havia conseguido a adesão do Arnaldo Garcez para criar a Associação dos Artistas Plásticos do Bar do Armando (Aplasba) e corre o sério risco de ser novamente escalado para empurrar o segundo carro de som, aliás, o mais pesado. Haja hérnia, quer dizer, arre égua!


No dia 8 de fevereiro , o poeta Simão Pessoa, também no jornal Amazonas em Tempo, abordaria de novo o assunto:

Nesta quinta feira, a partir das 19h, no Bar do Armando, acontece o momento mais aguardado da Banda Independente Confraria do Armando (BICA): a exibição pública da marchinha que vai contagiar os foliões. É a partir do forte conteúdo da letra que os biqueiros sabem se a banda vai ser autorizada (ou não) a sair pelas ruas do centro da cidade.

Comandada pelo ex-presidente da OAB, general-de-divisão-para-questões-de-jurisprudência-da-banda e futuro desembargador Alberto Simonetti, uma equipe de trinta advogados vai entrar em regime de plantão permanente, praticamente morando dentro do boteco, para iniciar a batalha jurídica pelo direito sagrado de ir e vir dos 20 mil cachaceiros que estão sendo aguardados no Sábado Magro.

Além de receberem cópias da letra, os biqueiros vão ter oportunidade de apreciar a brilhante música composta em regime de mutirão pelos escritores Anthístenes Pinto, padre Nonato Pinheiro, Antonio Paulo Graça e Rosendo Lima, durante uma mesa branca realizada na casa da Mãe Joana, ali perto da casa do Chapéu, no Zumbi dos Palmares 17.

O poeta Ernesto Penaforte foi o grande ausente: ele pegou uma linha cruzada e acabou “baixando” num fiel da Igreja Universal, causando o maior pandemônio. O poeta só concordou em deixar o local depois de recitar 144 vezes o “Soneto do Azul Geral”.

Para quem não sabe, a maneira encontrada pela banda de não deixar cair no esquecimento os biqueiros que fizeram a grande travessia é recorda-los todo ano como letristas das marchinhas. Freu explica, né não, Silvério Tundis?...

Este ano, a BICA conta apenas com o apoio cultural do jornal Amazonas Em Tempos e com o patrocínio exclusivo do empresário Cícero Brasiliano de Moraes, dono do Café do Norte. As cervejarias só não vão ser excomungadas de vez porque o café, em vez de dar barato, corta a onda.

De qualquer forma, o líder da Al Fatah em Manaus e assessor-da-banda-para-assuntos-de-aditivos-químicos-e-similares, Saleh Kitkat, já está experimentado um drinque feito de café gelado, cibalena moída, diazepan, casca de jurubeba e vick vaporub que, dizem, tem o poder de fogo de dois tabletes de LSD em jejum.

Segundo a revista High Times, bíblia dos malucos do planeta, o referido drinque está fazendo o maior sucesso nas danceterias de Amsterdam.

Na quinta-feira passada houve uma prévia do que vai rolar hoje. Cerca de cem malucos comemoraram o aniversário de dois diretores da BICA (coronel Benfica e jornalista Mário Adolfo), consumindo 1.500 latas de cerveja, um recorde na temporada pré-carnavalesca.

As bandas Demônios da Tasmânia e Revolução do Samba fizeram um show altamente esculachado, onde houve de tudo, menos violência. O destaque ficou por conta das mulheres solteiras, presentes em ótimo número e enterrando de vez (no bom sentido) a velha fama do bar de ser um “covil machista intransponível”.


Abílio Farias e Armando: o rei das fodas encontra o rei dos fados

Novo horas em ponto, um pistão em surdina anunciou a chegada do rei do brega, Abílio Farias, que sapecou um bolero das antigas, plangente, pungente, chamamento e grito de guerra: “Perfume de gardênia/ Que tens em tua boca/ Perfume de gardênia/ Perfume de amor”.

Aí, ele enfiou uma seqüência impressionante de canções sobre paixões incendiárias, amores impossíveis, chifres convincentes, vingança, vingança e vingança, levando todo mundo às lagrimas.

Saudades do Ângelus (o prefeito não, o outro), Acapulco, Lá Hoje, Sangrilá, Verônica, Piscina, Floresta, Saramandaia, Poços de Caldas, Tia Chica, Maria dos Patos e tantos outros lupanares inesquecíveis.

Dolorosas, viscerais, verticais, as letras do bolero entraram no País pela década de 40, tiveram seu apogeu em 50 e ressoaram até os anos 60, nos pespegando em cheio um sentimentalismo latino-americano que nos irmanou, com um certo melaço, é verdade, mas também com sua dose de generosidade humana, os corações mexicanos e brasileiros.

Boleros românticos e sensuais, cujas letras cantavam o amor dos vagabundos pelas mulheres burguesas (e a recíproca era verdadeira): “Passarão mais de mil anos...”. Ou que falavam do desejo eterno: “Sonhar contigo/ Por toda a vida/ Sonhar contigo/ Meu amor, minha querida”. Ou que imprensavam contra a parede as chamadas mulheres difíceis: “Siempre que ti pergunto/ Que, quando, como e donde?/ Tu sempre mi respondes/ Quizás, quizás, quizás”.

Ciente do seu ofício de menestrel da banda, Abílio Farias começou a borboletar pelo salão, indo de mesa em mesa, posando para os fotógrafos, beijando a mulherada na boca e a macharada no rosto, um Velho Guerreiro comandando a malta, exibindo aquele bigode que nos sugere uma virilidade tropical tão próxima da gente.

Foi uma senhora aula de interpretação. “Besame/ Besame mucho/ Como si fuera esta noche/ La ultima vez...” A condição amorosa remoendo a alma em grande nível. Amar, verbo vulcãnico, ocupação extremada, que o bolero rezou, definitivo: amar como pela última vez.

Não, não são letras melosas. Retratam conflitos humanos, simplesmente. São letras da dignidade mexicana, latina, universal. Algumas têm a nossa cara. Bolero não é lero-lero. Abílio Farias sabe das coisas.

Depois da sessão de autógrafos (Abílio estava lançando seu 15.º CD, “Eu, Abílio Farias”, distribuindo pela Stora Music, com tiragem inicial de 500 mil cópias), o grupo Papa Loves Mambo assumiu o controle da situação e os biqueiros vararam a madrugada cantando “Guantanamera”, “Cielito Lindo”, “Vaya Com Dios”, “La Bamba” e outras pérolas do cancioneiro caribenho.

O que tem de nego querendo “sair do armário” assim que ouve os primeiro acordes de “La Bamba” não está no manual de instrução do povo GLS. Deus que te livre quando escutarem “La Dura!”...

Hoje também deverá ser batido um novo recorde de consumo de cervejas. Explica-se. Para evitar aporrinhações, o Armando vende primeiro as fichas plásticas (quatro por R$ 5, um assalto!), que depois são trocadas pelas latinhas. São aquelas fichas vagabundas, usadas em jogos de pôquer nos bairros da periferia.

Acontece que o Armando não identificou nenhuma ficha e elas estão todas novinhas em folha. O bonequeiro Paulo Mamulengo descobriu que no Sukatão uma caixa contendo duzentas fichas iguais às do Armando custa apenas R$ 16.

No test drive que realizamos quinta-feira passada, com apenas uma caixa, o golpe não foi percebido. Duzentas latinhas acredito por R$ 16, acredito que seja um preço razoável e mais próximo de nossa realidade.

Ontem, fizemos uma nova cota e o Paulo comprou cinco caixas de fichas. Nossa estratégia será chegar no meio da fuzarca, quando o Armando já tiver perdido o controle do picadeiro, e arrebentar a banca. Que venga los toros!


Jorge Palheta, Simão Pessoa, Cícero de Moraes e José Klein

Na sexta-feira, dia 9 de fevereiro, a coluna “Sim & Não”, de A Crítica, publicava as seguintes notas:

Peraltice

Menos de duas semanas antes de seu carnaval de rua, a BICA sofre a primeira grande polêmica. A letra divulgada ontem não teria passado pelo crivo democrático dos freqüentadores. Duas outras letras foram lançadas. Uma delas, creditada aos ex-biqueiros Paulo Graça e Erasmo Linhares, traz a seguinte estrofe: “Mas fui crescendo/ E fiquei muito peralta/ Dei cambalhota/ No boto navegador”.

Confirmação

Tema do samba-enredo da BICA, o governador Amazonino Mendes confirmou para um de seus coordenadores que vai comparecer à praça São Sebastião, no próximo dia 17.


Deocleciano Souza ensinando os Demônios da Tasmânia a soprar direito

No sábado, dia 10 de fevereiro, o poeta Simão Pessoa, no Amazonas em Tempo, publicou a seguinte matéria:

A cidade não estava preparada para a festa que rolou na ultima quinta-feira, no Bar do Armando, dia oficial do lançamento da música da Banda Independente Confraria do Armando, a famigerada BICA.

Quem me garantiu isso foi o superestimado Klinger Costa, nosso supersecretário de Segurança, que mandou apenas duas viaturas para o local.

“É para ninguém ficar enchendo o saco do Félix Valois, querendo ser solto antes do Carnaval”, garantiu. Os soldados ficaram na frente do boteco apenas organizando o trânsito.

Pelo número de luminosas (ok, Baby, você venceu!) que começou a entrar na BICA, imaginei que estava acontecendo alguma coisa no Teatro Amazonas. Com duas garrafas de uísque na cabeça, nem tive vontade de averiguar. Coisas do chamado “new journalism”, disciplina obrigatória na maioria das faculdades de Comunicação existentes em Manaus. O fotógrafo que dê seu jeito, claro. E o editor que arranque os últimos fios de cabelos para fazer uma legenda à altura da importância do fato.

Mas já que falamos em fatos (“paletós”, lá na terrinha), vamos relatar os fados (“música brega”, lá na terrinha) que rolaram no bar do português. O recinto virou, literalmente, um inferno de Dante, com mais de 200 biqueiros cantando a música a plenos pulmões.

A experimentada banda Demônios da Tasmânia, formada por músicos da banda da Policia Militar, deu outro show de competência. Bastou ouvir uma passagem do CD com a música (que vai tocar adoidado nas melhores rádios de Manaus) para aprender a melodia e executar, ao vivo e em cores, a marchinha “Cuscuz, pupunha e tucumã na mansão do Tarumã”.

De quebra, os Demônios da Tasmânia ainda fizeram um pequeno desfile, acompanhados de vários malucos, pela praça São Sebastião, deixando os capuchinhos de orelha em pé. O refrão da música é inesquecível, e deve ter sido “soprado” para o Paulo Graça pela Celeste Pereira, que nunca deixou de ser um piadista militante.

Lamentável, mesmo foi a atitude revanchista do Armando, que resolveu suspender a venda de fichas plásticas usadas na troca pelas latinhas “furando”, desavergonhadamente, o nosso plano infalível. Para estar tão bem informado assim, esse português deve andar lendo o Amazonas Em Tempo.

Resultado: o paneleiro (“mestre-cuca”, lá na terrinha) nos deixou num mato sem cachorro. A sorte é que Renato Pitanga e Almir Graça haviam acabado de chegar da Top Lojas abastecidos com uma dúzia de Joãozinho Marchador, rótulo vermelho, o último uísque dos verdadeiros comunistas.
Foi o bastante para a alegria fazer morada em nossa mesa.

O quase-desembargador Alberto Simonetti ficou conversando sobre a falência dos serviços públicos em Autazes até a chegada da advogada Waldenira Thomé, irmã do novo prefeito de Autazes, José Thomé Filho, e o papo, claro, acabou michando. Eles lá, que são advogados nascidos em Autazes e querem o melhor pro município, que se entendam.

O sempre bem-humorado Serafim Corrêa aportou no pedaço, conferiu a letra, e, com o “fairplay” que lhe é peculiar, não achou nada de mais. Ficou conversando com Félix Valois, Chicão Cruz e Jomar Fernandes, e depois se mandou, garantindo que vai participar da fuzarca no próximo sábado.

Eu estava tentando explicar para o compositor Davi Almeida as diferenças entre concretismo, poesia práxis e poema-processo, utilizando os chavões mais recentes da Teoria da Recepção, quando chegou o Carlos Osmar Pastoriza, um jornalista argentino que eu não via há pelo menos 25 anos.

Explicou que estava fazendo uma matéria no rio Ariaú, sobre um hotel de selva, e que resolveu passar no Bar do Armando, porque sabia que ia me encontrar. Não falou (nem perguntei) porque, ao longo destes anos, não tinha usado o telefone, muito mais prático (e mais barato, se a gente acreditar na Ana Paulo Arósio ou na privatização da Embratel).

Conversamos sobre isso e aquilo outro. Tanto isso quanto aquilo outro dizendo respeito a cantores e músicos mortos. O papo de sempre. Todos trágica e precocemente desaparecidos. Pelo menos no meu entender. Subiu para o andar de cima há mais de dois anos e tinha menos de 60 anos, é trágica e precocemente desaparecido. Joaquim Marinho e H. Dias dizem a mesma coisa. Deve ser medo da morte.

Carlos Pastoriza mencionou um artigo que escreveu para o El Clarín sobre o vocalista da banda Soulfull Dynamics (do hit “Mademoiselle Ninete”), que desapareceu há mais de 20 anos, deixando apenas alguns singles e três elepês, e que agora estava com quatro CDs no mercado internacional.

A matéria, segundo Pastoriza, fez vender em Buenos Aires 500 CDs do Williams Magnoni, o tal vocalista. Comentei então que eu, que costumo comprar CD desse tipo de cantor no “sebo” Arqueólogo, ali em frente ao bar do Charles Cinco Estrelas, tenho encontrado cada vez menos discos daqueles a quem chamo, na intimidade, de “minha turma”.


Em outras palavras, os velhos discos, que já foram um dia bolachões em goma laca de 78 rotações, viraram depois LPs e, finalmente, em sua reencarnação final, surgiram como CDs, esses discos acabaram ou estão acabando. Não há mais o que reciclar. Não há mais o que encontrar perdido num teipe ou acetato num estúdio, numa discoteca, armário ou garagem de colecionador. Quer dizer: o passado acabou.

A trilha sonora do passado das pessoas de uma certa idade – eu, Aldisio Filgueiras, Menga Junqueira, Alberto Simonetti, Félix Valois, Serafim Corrêa, Carlos Pastoriza -, essa trilha sonora acabou. Não tem mais. Digitalizou-se, napsterizou-se, virou ficção virtual no buraco negro chamado Web.

O jornalista se despediu, dizendo que ia me escrever da Argentina, e eu, no meu canto, “garrei a matutar”, dois verbos que só velhinhos – e caipiras – usam. Generalizei o fim do passado. Os filmes da minha época acabaram. Aquilo que foi visto e apreciado da quarta fila do Cine Ypiranga, num sábado de chuva, é hoje examinado e mostrado em ciclo retrospectivo ou festival de cinemateca.

As histórias em quadrinhos que eu colecionava já há muito foram devoradas e cuspidas fora por semiólogos e todo tipo de acadêmico franco-italiano. Foi-se um certo tom. Acabou uma determinada maneira. Não há mais um certo jeito. Para os outros, os jovens, o passado acaba de começar. Que coisa para se pensar no meio do ensaio da BICA, né não?

Três da madrugada, fim da farra. Estamos parados, eu e minha mulher, perto do Teatro Amazonas, esperando um táxi, quando se aproxima de mim um travesti. Pede fogo. Passo o isqueiro, meio a contragosto. Não costumo ser amistoso com esse tipo de gente. Fazendo caras e bocas, a bichinha agradece e tenta entabular um comecinho de papo: “Mas afinal de contas, o que será que o magro ouviu?...”

E, antes que eu abra a boca, ele/ela ri escandalosamente, sacudindo as madeixas louras num volteio de 45 graus, que quase lhe desloca o pescoço.

Com aquele ar sinistro que somente três garrafas de uísque na cabeça podem proporcionar, eu examino a figura, uma espécie de Marilyn Monroe da periferia, e finjo que não entendi a ironia.

Minha mulher se aboleta no primeiro táxi que aparece e me puxa pra dentro, meio irritada. A pergunta (e o riso escandaloso) do boiola continuava martelando no meu cérebro.

Eu estava invocado. Pela primeira vez na vida não soubera reagir a uma pergunta com uma resposta demolidora. O que será que o magro ouviu?...

E, no frigir dos ovos babados, quem é, afinal de contas, esse magro, digamos assim, ouvinte?

No próximo sábado, vou lá na BICA. Alguém vai ter que responder essa minha nova dúvida existencial. Minha e da Marylin Monroe da Cidade Nova. O Klinger não sabe o que não está perdendo.


Pedro Paulo, Mauricio, Antenor, Deocleciano, Jomar, Cícero e Matulão discutindo os detalhes da nova presepada

No domingo, dia 11 de fevereiro, a coluna “Sim & Não”, de A Crítica, publicava as seguintes notas:

Baba-ovos

O mês de fevereiro, tradicionalmente morno em política, vai esquentar o Carnaval. O enredo da Banda da BICA é um verdadeiro primor. As suas primeiras estrofes: “É tanto baba-ovo/ Levando tucumã/ Vai ter banquete/ Na mansão do Tarumã”.

Baba-ovos (2)

A segunda estrofe do samba é impublicável, envolvendo os nomes identificados como Robério e Azize. O restante publicável da letra: “A gente não quer fazer futrica/ Mas eles puxam o saco/ E o povo entra na BICA/ Alfredo vai chupar caju/ Volta para Natal e abre o cofre pro Dudu/ Armando, o que será de mim?/ Eu vou comprar pitomba/ E arrochar no Serafim”.

No domingo, dia 11 de fevereiro, o anarquista semanário Maskate, na coluna “Cidade dos Malucos”, publicava as seguintes notas:

Batalha de confetes


A inspiração aparentemente começou com a denúncia incômoda do candidato Eduardo Braga no debate com o prefeito Alfredo Nascimento na disputa pela prefeitura de Manaus em outubro do ano passado.

Segundo Braga, Alfredo é um puxa-saco daqueles profissionais que chegam ao cúmulo de adivinhar os desejos do Chefe. E que costumava levar tucumã, farinha de tapioca e pupunha todos os dias à casa de Amazonino, por saber da extrema compulsão do caboco por essas guloseimas regionais.

Até aí tudo bem não fosse a subserviência de Alfredo já cantada em verso e prosa em outras ocasiões. Diz a estória que desde o tempo da Primeira Base (quartel-general de calma, luxo e volúpia da turma de Amazonino desde os idos de 1987), que Alfredão especializou-se na arte de agradar a qualquer custo sua excelência.

Diz a coluna Taqui pra Ti, do José Ribamar Bessa Freire, escriba atento de tais episódios da época, que o atual prefeito de Manaus chegava ao cúmulo de passar batido numa partida de dominó, mesmo tendo a carroça de quina na mão para fechar o jogo dando um galo (50 pontos), fazendo 30 pontos na mesa e batendo de 55 (35 na mesa e 20 de carroça) mais a garagem, só para não contrariar o Chefe.

Tiradentes puxa o saco

Um personagem famoso desse festival de baba-ovos e que é citado pela crônica local com extrema generosidade é do ex-assessor de Comunicação do Estado, o mineiro Ronaldo Tiradentes, saco de pancada preferencial de todas as autoridades que fizeram parte de sua geração no poder.

Ronaldo Tiradentes, segundo testemunhas vivas, chegou a ponto de mandar bater no jornalista Ribamar Freire achando que com isso agradaria o Chefe. Era tanto o puxa-saquismo que ele se transformou em motivo de agressões entre os membros do grupo para saber quem mais conseguia puxar.

Outro concorrente da façanha cortesã é o secretário de Cultura do Estado Robério Braga, citado textualmente pelos autores do samba. Para quem um dia já se imaginou governar o Estado, Robério hoje se dedica a agradar o capricho de sua excelência. Montou uma orquestra de violões no governo só para o deleite de sua excelência.

A modesta tapera


Quanto à mansão do Tarumã, carro-chefe da estrofe principal, ela não teve junto à opinião pública o impacto que a oposição esperava. O governador foi à imprensa e mostrou todo o seu projeto habitacional considerado justo até por seus desafetos.

Para os profissionais de arquitetura a casa não tem nada de excepcional, não custou US$ 4 milhões que o deputado Mário Frota calculou e o Jardim Europa na capital paulista está repleto de casinhas que dão de dez na do Negão. Mesmo o Jardim das Américas, na praia da Ponta Negra, tem “barracos” mais interessantes.

O buraco é mais fundo e mais embaixo e a população está preocupada com outras sopas. A “homenagem” da banda da BICA veio em boa hora e vai servir para o governador ficar onde adora ficar: na bica do povo.

O ouvidor tagarela

O Magro, por sua vez, tem peculiaridades específicas no affair de agradar sua excelência. As entrevistas com o governador Amazonino Mendes são a única ocasião em que o radialista Josué Filho consegue ouvir o interlocutor. Justo ele que fala pelos cotovelos. E pensar que foi escolhido como Ouvidor-Geral do Estado.

O Magro, tradicionalmente autoproclamado como o fodão das apurações, quando se trata de Amazonino ele próprio tem dificuldades de anunciar resultados adversos. Afinal, sua excelência não está habituado a reveses. Puxar saco requer feeling e competência e em alguns casos credenciamento acadêmico.

Eterno candidato a voltar à política onde experimentou conquistas e dissabores, o Magro só toparia se viesse para comandar o Estado, um velho sonho com mais de 20 anos que Mestrinho começou a desfazer desde o nascedouro.

Negão acha a gozação uma homenagem

O governador Amazonino Mendes já confirmou sua presença no lançamento do samba-enredo da banda da BICA 2001, uma sátira deliciosa e bem-comportada aos deslizes e desatinos da política local.

Para uns, o governador está dando mostras de coragem e desprendimento ao comparecer ao ato público de descontração e sátira.

Outros, já interpretam como demagogia e tentativa de esvaziamento essa presença a rigor constrangedora e para alguns inoportuna.

Pelo sim ou pelo não, a Banda da BICA vai homenagear o Negão e nós vamos pular para valer.


Na terça-feira, dia 13 de fevereiro, a coluna “Sim & Não”, de A Crítica, publicava as seguintes notas:

Expectativa

Escolhido para tema do samba-enredo da sempre polêmica BICA, o governador Amazonino Mendes é alvo da maior expectativa política dos últimos tempos. Se sair de lá aplaudido obtém um atestado de popularidade e de que sua propalada rejeição não tem muita expressão.

Expectativa (2)

Fundadores da banda e dois de seus coordenadores, o poeta Marco Gomes e o músico Manuel Batera apostam que a reação do publico dependerá do estado de espírito no exato instante da chegada do governador. “Podemos afiançar que ele será bem-vindo e será muito bem recepcionado”, garantem os dois.

Na quarta-feira, dia 14 de fevereiro, a coluna “Aduana”, de A Crítica, publicava a seguinte nota:

Globo de Ouro

O grupo Demônios da Tasmânia vai aquecer a galera que for ao ensaio geral da banda da BICA marcado para amanhã à noite na área da praça de São Sebastião. Além de marchinhas de Carnaval, o grupo musical deverá tocar à exaustão o hit principal da BICA para este ano – a polêmica “Cuscuz, Pupunha e Tucumã na Mansão do Tarumã”.

Na quinta-feira, dia 15 de fevereiro, a coluna “Sim & Não”, de A Crítica, publicava a seguinte nota:

Vaias

Se o governador Amazonino Mendes for mesmo à Banda da BICA, na condição de tema de seu samba-enredo, estará dando uma demonstração de grandeza. Mas deverá estar preparado para ser aplaudido ou vaiado. Necessariamente vai ser bem tratado, porque respeitar autoridades e o povo em geral é um dos princípios da banda, lembra o próprio patrono da BICA, Armando Soares, que hoje comanda o ensaio.


No sábado, dia 17 de fevereiro, o jornalista Sérgio Miranda publicou a seguinte matéria no jornal Amazonas em Tempo:

A Banda Independente Confraria do Armando (BICA) está preparada para receber hoje à tarde a visita do governador Amazonino Mendes, distribuindo tucumã, pupunha e muita irreverência aos milhares de biqueiros que prometem lotar a praça São Sebastião.

Para a direção da banda, receber a visita de pessoas ilustres não é novidade.

O governador não confirma sua ida, dizendo que tudo pode acontecer e vai depender apenas do momento.

“Recebi o convite. É uma banda de muita tradição, bonita, porém ainda vou decidir se vou ou não. Se não tiver compromisso de Estado e estiver disposto irei”, afirmou ele.

Para os biqueiros, a presença de Amazonino será considerado um fato anormal. “Ele já veio aqui antes de ser governador”, explicou o comerciante Armando Soares, que garantiu ao governador uma boa recepção.

Um dos freqüentadores da Banda Independente Confraria do Armando (BICA), o jornalista Deocleciano Souza (DECO)presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Amazonas, resume a história da BICA como sendo 14 anos de irreverência e muita crítica a assuntos políticos.

Ele relembra alguns momentos marcantes como o ano em que o tema escolhido pelos compositores foi a proibição federal da caça ao jacaré. “Gilberto Mestrinho defendia a liberação da caça porque sabia que no Amazonas tem tanto jacaré que até hoje é comum os ataques desses animais a seres humanos no interior do Estado”.

A reinauguração do Teatro Amazonas foi outro fato registrado na BICA. “A crítica se deu em virtude da festa de comemoração ter sido exclusiva para a elite manauara e convidados de outros Estados e até do exterior. Já ao caboclo humilde e comum do Amazonas foram negador tanto a participação nos festejos quanto o acesso ao monumento histórico”, justificou o jornalista, elegendo a abordagem do namoro Bernardo Cabral e Zélia Cardoso um dos temas mais alegres e divertidos de todos os tempos.

Segundo a “memória” de Deco, a banda foi fundada por mais ou menos 15 foliões, dos quais “ainda deve restar uns seis ou sete. Os outros ou estão aposentados ou já morreram. A maioria, não entendo o porquê, de cirrose”, comentou.

Com temas polêmicos e letras irreverentes para os ouvidos puritanos de alguns políticos e autoridades amazonenses a banda da BICA conseguiu um recorde na história do carnaval de Manaus. É campeã isolada em responder processos, tentativas de censura, críticas iradas e toda forma de movimento anti-BICA possível de se imaginar.

Porém, tudo indica que São Sebastião gosta da manifestação popular, realizada logo ali ao seu lado, e protege a todos com cuidado especial permitindo a saída da banda todos os anos sem se importar com quem ficou vendo a banda passar, em Manaus ou em Brasília, se descabelando ou subindo as paredes enquanto milhares de populares lotam o Bar do Armando e a praça do Santo protetor, brincando, dançando e cantando mais uma letra sobre as realizações fenomenais e comportamentos de personagens importantes do Amazonas e Brasil.

Com o enredo “Cuscuz, pupunha e tucumã na Mansão do Tarumã”, a banda homenageia aqueles mais “dedicados” e “esforçados” personagens do cenário político atual.

Como não poderia ser diferente, no dia seguinte ao lançamento da música-sucesso os protestos pipocaram nos quatro cantos da cidade. Mais uma tentativa de censura em vão e com a ajuda de São Sebastião hoje tem BICA a caráter e sem censura.

Há aqueles que afirmam sem dúvida nenhuma de que a Banda da BICA é reduto de gente perdida e sem lugar no céu. Sem se importar com os comentários, os integrantes da banda estavam preocupados mesmo era em descobrir qual seria o melhor lugar para estar quando a BICA sair.

Como acontece todos os anos, a procura da camisa da banda é intensa e é justamente com o dinheiro arrecado dessas vendas que a BICA faz a festa. Além disso, existe um patrocinador exclusivo e como todo ano o número de brincantes aumenta, a festa vai se tornando cada vez melhor.

No início, os integrantes faziam cota para pagar uma orquestra de metais afinada em frevos, sambas e outros ritmos do carnaval no mais puro estilo brasileiro.

Hoje em dia, com o sucesso garantido da festa, a preocupação é outra. Os dirigentes da BICA se preocupam com a destinação do excedente arrecadado com a venda dos produtos comercializados no dia da folia. O consenso foi imediato ao decidirem sobre um destino filantrópico para todo o lucro porventura obtido.


Deocleciano Souza, Mauricio e José Anchieta entregando os donativos da BICA ao HUGV

Para o Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV), por exemplo, já foram doadas centenas de lençóis e fronhas para seus leitos.

A Pastoral dos Pobres recebeu quilos e quilos de alimentos distribuídos entre os mais necessitados.

Segundo Deco, todos os anos é escolhido um destino diferente para o lucro obtido com a festa. “A gente se diverte pra valer e depois ainda ajuda àqueles em situação menos privilegiada”, disse.

O português Armando Dias Soares, 65, é natural de Casal do Frade, Distrito de Coimbra, lá em Portugal. Quando chegou ao Brasil tinha apenas 18 anos e no próximo dia 28 vai completar 66 anos de vida, bem vivida segundo ele.

O próprio Armando diz que não manda nada em seu bar. A contratação de músicos e os eventos realizados no estabelecimento são todos organizados pelos dirigentes da BICA.

“Não decido nada, só tenho a obrigação de ter sempre cerveja gelada, queijo, pernil e pão pra atender esse bando de malucos que freqüentam o bar”, esclareceu.

Para o Armando, o acontecimento mais marcante e lamentável nos 14 anos de BICA foi o aparecimento da Banda da Difusora no mesmo dia e no meio do percurso da BICA.

“Não só eu penso assim, mas toda a direção da banda. Poderia ser qualquer outro dia, afinal quantas bandas inspiradas em nosso exemplo surgiram em Manaus na última década e todas respeitaram o espaço e a data de nossa brincadeira. Somos democráticos mas não podemos deixar de lamentar o fato”, explicou.

Quanto ao convite ao governador Amazonino Mendes, Armando disse que no depender dele e dos dirigentes da BICA, ele será muito bem recebido e assegurou que nada existe contra ele.

“O Amazonino já vinha aqui desde quando era apenas empresário e trabalhava aqui perto. Durante o seu primeiro mandato na prefeitura e depois já como governador costumava dar uma passadinha aqui, ele sabe que será bem recebido”, afirmou Armando.


Armando observando o começo da encrenca chamada desfile da BICA

Pegando uma carona na matéria do Sérgio Miranda, o jornalista Mário Adolfo escreveu o seguinte “Box”:

Contestar o carnaval oficial, criticar o governo e ridicularizar alguns acontecimentos políticos da cidade, através do escracho, eram algumas das propostas da Banda Independente da Confraria do Armando (BICA), criada em 1987 por freqüentadores do bar do português Armando Soares que, na época, incrivelmente, se chamava Bar Nossa Senhora de Nazaré.

Segunda banda a ser criada em Manaus – a primeira foi a do Mandy’s Bar -, a BICA escolheu como seu primeiro “enredo” a bem humorada homenagem ao português Armando, estendida a todos os irmãos lusos.

Composta por Celito Chaves e Afonso Toscano, a marchinha dizia assim: “Na Banda Independente Confraria do Armando/ Tá todo mundo dando/ Tá todo mundo dando/ Dando alegria para este pessoal/ Que quer fazer o verdadeiro carnaval/ Não tem Baile de Gala/ Não tem Baile da Chica/ Vem entrar na BICA/ Vem entrar na BICA”.

Para ilustrar os versos, jornalistas, advogados, universitários, publicitários, escritores e outros profissionais liberais vestiam cuecas samba-canção, camisetas e erguiam um estandarte elaborado pelo pintor Manoel Borges, com um desenho de uma cueca e uma mortadela.

“De camiseta e samba-canção/ Vamos brincando ateus e cristãos/ Nosso estandarte é uma cueca com cebola e mortadela/ Será que é do Armando?/ Será que é do Cancela?”, interrogava a marchinha.

Estavam entre os fundadores da BICA, além de Celito e Toscano, os jornalistas Deocleciano, Mário Adolfo, Simão Pessoa, Eduardo Gomes, o juiz Jomar Fernandes, o promotor Francisco Cruz, a arquiteta Heloísa Chaves, o ator Bonates, Mona – a primeira musa da banda -, e a eterna porta-estandarte Petronila, 78 anos, que faz questão de desfilar no chão depois de tomar, religiosamente, três Brahmas.

Com o tempo a BICA passou a ser a mais irreverente banda da cidade, pela escolha de seus temas, que já deram muita dor de cabeça aos seus integrantes e aos personagens escolhidos, é claro.

Entre os mais polêmicos temas podem ser lembrados o boto “fariseu” tucuxi, que era uma crítica direta ao governador da época. Depois vieram “Dutra mala sem alça”, “Em terra de Boto, Jacaré nada de costas”, uma crítica à posição de Mestrinho que autorizou a matança de jacarés, o caso Cabral-Zélia e a questão dos alvarás no ano passado.

Certa vez, um radialista disse ao vivo que na banda só tinha “cachaceiro, vagabundo e cocaineiro”. No mesmo ano a BICA saiu com uma letra que dizia “a banda não quer ser presa, capiste/ Aqui na BICA todo mundo cheira Vick”.

Houve também o ano em que tentaram fazer um casamento na igreja São Sebastião, ao lado do Bar, exatamente às 17h, quando a BICA está pegando fogo. O então comandante da Policia Militar, Orleilson Guimarães, tentou negociar para afastar os biqueiros para o outro lado da rua 10 de Julho. O acordo foi feito mas ninguém obedeceu.

Outra da BICA foi tentar escrachar uma importante autoridade do Judiciário, que imediatamente embargou a banda, fazendo com que seus diretores publicassem um edital se desculpando. Mesmo assim alguns biqueiros foram para o bar vestidos de toga, o que provocou algumas prisões.

No ano em que o advogado Félix Valois, arquiinimigo político de AMazonino Mendes, decidiu reatar relações com o governador, a BICA saiu com o enredo “O Velho Comunista se Aliançou”. Valois topou o escracho e saiu na banda.


Ensaio da BICA, com todo mundo se preparando para sair nos jornais

No mesmo sábado, dia 17 de fevereiro, o jornalista Orlando Farias escreveu a seguinte matéria no jornal A Crítica:

A partir das 17h de hoje, quando a Banda Independente Confraria do Armando (BICA) ganhar as ruas pela 13.º vez, uma nova página estará sendo escrita na história do carnaval de rua amazonense. A Banda será a primeira a atingir esta marca cabalística de 13 desfiles consecutivos.

“Nós também somos recordistas em público, em músicas gravadas exclusivas para cada desfile e a primeira banda a ser homenageada por uma escola de samba, a Reino Unido, que venceu um carnaval”, avisa o diretor Jomar Fernandes. “E isso sem contar com ajuda oficial dos órgãos de cultura do Estado ou do município”.

A fuzarca na praça São Sebastião, Centro, começa às 14h, com o grupo Demônios da Tasmânia, formado por ex-músicos da banda da Polícia Militar. No repertório, somente marchas carnavalescas.

“A BICA é herdeira das tradições no entrudo, das batalhas de confete e dos carnavais que aconteciam em clubes fechados”, analisa o diretor Deocleciano Souza. “Ela é uma das bandas da cidade que se mantém fiel às origens, tocando apenas marchinhas e sambas de raiz. As outas estão contaminadas pelo axé, samba-mauriçola, toadas de boi e até por esta coisa execrável chamada brega-sertanejo”, afirmou.

A partir das 16h, quem subirá no palco do trio elétrico Ciclone será o cantor Gera da Portela, puxador oficial da escola de samba carioca. Ele será acompanhado por Edu do Banjo e Caio do Cavaco, que também vão participar do desfile do Rio de Janeiro. A “cozinha” será feita pela bateria da escola de samba Sem Compromisso.

Gera vai mostra o samba-enredo da Portela, “Querer é poder”, que tem um refrão ganchudo: “O povo vai cantar/ Querer é poder, queremos mudar/ Na esperança de um novo dia/ de paz, amor e alegria”.

O cantor também vai recordar alguns sambas-enredos clássicos como “Lendas e mistérios da Amazônia”, “Hoje tem marmelada”, “Os olhos da noite” e “Gosto que me enrosco”.

O desfiel da BICA pelo Centro começa às 17h , devendo obedecer o trajeto rua 10 de Julho, avenidas Getúlio Vargas e Sete de Setembro, rua Barroso e praça São Sebastião.

O diretor José Klein calcula que 5 mil pessoas vão participar do desfile. A banda Maldição de Montezuma, também formados por músicos da Policia Militar, vai comandar o embalo.

A banda Demônios da Tasmânia assumirá o comando do trio elétrico para garantir a animação das outras pessoas que deverão permanecer no entorno do Bar do Armando. Após o desfile, a bateria da Reino Unido inicia sua apresentação, que deve se estender até as 20h.

Ao contrário do que tem sido divulgado pela mídia, o governador Amazonino Mendes não está sendo homenageado pela banda.

“Na verdade, nós estamos ironizando o puxa-saquismo de algumas pessoas próximas a ele, que brigavam pela primazia de descascar tucumãs, levar cuscuz e fornecer pupunha, armando uma cerca de jurubeba em torno do governador”, diz o diretor Afonso Toscano. “Os nomes citados na marchinha são das pessoas que mais se identificam com o espírito brincalhão da banda, de pessoas bem-humoradas que levam tudo na esportiva e não iriam se sentir ofendidas com a letra. Eles sabem que os puxa-sacos são os outros”.

A propalada visita do governador ao camarote da BICA também é uma hipótese. “Se ele for será recebido com todo o respeito. Afinal de contas, ele é o primeiro mandatário do Estado e foi eleito pelo voto popular”, argumenta o diretor Manuel Batera.

O diretor Marco Gomes também defende a visita do governador. “Ele vai ter oportunidade de se divertir com o povão sem ser importunado pelos chatos que vivem pedindo favores do governo. O Sérgio Mello, superintendente da Suframa, esteve lá no ano passado e gostou tanto que vai voltar este ano. Tenho certeza de que vai acontecer o mesmo com o governador”.

Considerada a “boneca viva” da BICA e musa inspiradora do desfile, Petronila freqüenta o Bar do Armando desde os anos 70. Foi a primeira mulher a tentar tal façanha e não ser trucidada pelos rottweillers machistas que fizeram do bar sua segunda morada.

Diariamente, ela assiste à missa das 6h na Igreja de São Sebastião e depois passa no boteco para enxugar uma cerveja e um sanduíche de leitão. Conversa um pouco com os biqueiros e depois vai para casa, localizada em algum buraco negro dentro do quadrilátero formado pela rua Leonardo Malcher, avenida Joaquim Nabuco, rua Barcelos e Visconde de Porto Alegre.

Pouco se sabe a respeito de sua vida social fora da banda. Alguns dizem que ela foi uma famosa maratonista queniana (daí o fôlego para agüentar o desfile de duas horas da BICA, tendo 82 anos). Outros, que ela era uma princesa da corte do último czar soviético (daí a maneira sempre educada e discreta de “filar” uma cerveja). O certo é que Petronila é o retrato falado da BICA: alegre, solidária e sempre de bem com a vida.

Versátil, a BICA soube atuar em todas as posições, diz Boanerges Mendonça, ex-jogador de futebol do Nacional Futebol Clube, fundador da banda. Daí ter incursionado na ecologia em 92, ano em que as teses do governador Gilberto Mestrinho estavam na crista da onda e uma delas produziu um verdadeiro estardalhaço: a de que os ribeirinhos estavam ameaçados por uma superpopulação de jacarés.

“Resolvemos tomar a defesa do jacaré, já que a ameaça verdadeira era que ele se transformasse em bolsa de madame”, ressalta outro dos coordenadores, o promotor de Justiça Francisco Cruz.

No ano seguinte, a BICA tinha preparado uma homenagem ao poeta Ernesto Penafort, que partira para as “bandas do nunca mais”, como sustenta um de seus poemas.

O tema mudou repentinamente em janeiro, quando o governo de Portugal passou a perseguir dentistas e gays tentando diminuir a migração brasileira. A resposta da BICA foi a ironia.

Num dos carnavais mais hilariantes, propôs “expulsar” o português Armando Soares. O tema era “Ex-tradição” e o refrão era “Vou mandar de volta Armando pelo Guaramiranga (barco-recreio)/ Dentro de uma caixa de cebolas/ Vestido só de tanga/ Lourdinha, Lourdinha, tu vais voltar de tamanco pra terrinha”.

Além de consagrar o patrono Armando Soares como uma personalidade marcante da cidade, o tema da BICA daquele ano coincidiu com uma explosão de carnaval de rua em todos os quadrantes de Manaus, fenômeno embalado pelo exemplo da banda irreverente.

Sempre antenada com seu tempo, a BICA bebeu novamente na realidade política em 95, ano dos “anões do Orçamento”, jogando luzes na atuação parlamentar do ex-deputado federal Ézio Ferreira e na do então senador pelo Amazonas Gilberto Miranda: “Me diz o teu cachê/ No projeto Sivam”, dizia a letra, que Miranda também parece ter tirado de letra.

A marchinha da BICA começa com uma brincadeira com o lojista José da Capri, juiz classista à época. O enredo brincava que queriam acabar com o “juiz classista, essa boca-rica”, numa referência ao fato de que José da Capri era juiz patronal. A citação acabou sendo uma profecia. Cinco anos depois do enredo pioneiro, a figura do juiz classista foi efetivamente varrida do mapa. “Foi uma profecia”, diz Manuel Batera, outro fundador.

A polêmica mais séria não tardou a chegar com o samba-enredo que satirizava a confusa apuração das eleições de 94. O refrão dizia: “Sêo Lalá/ O senhor me ferrou/ Dormi eleito/ Acordei tudo mudou”.

O presidente do TRE, desembargador Lafayette Carneiro Vieira, sentiu-se atingido com a letra e determinou ao secretário de Segurança, Klinger Costa, a proibição do carnaval da BICA naquele ano. Muita negociação e um ato de sorte salvaram a BICA do cumprimento da proibição. Klinger compareceu em pessoa ao Bar do Armando para obter uma cópia do samba original da banda.

“Já tarimbado no jeitinho brasileiro, o Armando apresentou uma letra mais branda”, lembra-se Deocleciano Souza. “A outra letra tinha sido elaborada por meninos de rua da praça, que também são biqueiros”, diz o biqueiro José de Anchieta, arrefecendo o furor do presidente do TRE.

A resposta do público foi imediata. Lotou a praça São Sebastião e cantou o enredo censurado, já que seria impossível, como a própria polícia reconheceu, que efetuasse a prisão de milhares de pessoas ao mesmo tempo. Foi um dos momentos máximos da banda.

“A BICA é uma coisa séria”. A frase, pronunciada com paixão, é a que mais se aproxima do perfil em que se transformou ao longo dos últimos 14 anos, uma simples brincadeira dos freqüentadores do Bar do Armando, no centro histórico de Manaus, que se resumia a atirar talco e maisena uns nos outros. De fato, a brincadeira virou uma coisa séria. E não poderia ser diferente.

Localizado ao lado do Teatro Amazonas, do Tribunal de Justiça e da antiga Faculdade de Filosofia da UA, o Bar do Armando – tendo como dono o português Armando Dias Soares – era o local de encontro para artistas, profissionais liberais e estudantes da Universidade do Amazonas que não encontravam espaço para comentar os assuntos e se expressar nas décadas de 60 e 70.

Quando o carnaval de rua deixou a Eduardo Ribeiro, os freqüentadores do Bar do Armando sentiram-se impelidos a manter a festa no Centro. “O carnaval deixou as ruas, onde era brincado de forma livre e espontânea, para ter data, hora e autorização de tema para desfilar”, lembra o compositor e funcionário público Celito Chaves, um dos fundadores da banda.

“Carnavalescamente falando, a BICA surgiu para elaborar a caricatura da sociedade amazonense”, lembra outro fundador, Afonso Toscano, professor da rede pública estadual.

Fruto talvez daquela geração criativa formada nos subterrâneos do regime militar, o primeiro carnaval da BICA, em 1987, lançou a ironia de que os adeptos de Momo “deveriam entrar na BICA”.

A letra que exortava à folia cristãos e ateus acabou produzindo a primeira polêmica séria. Os capuchinhos da Igreja de São Sebastião, donos do estabelecimento onde funciona o Bar do Armando, sentiram-se incomodados com ecumenismo tão amplo.

Dois anos depois, em fevereiro de 89, a banda que surgiu naquele clima de “Muda Manaus”, assumiu contornos fortemente políticos, destaca Deocleciano Souza, presidente do Sindicato dos Jornalistas e um dos mais antigos freqüentadores do local.

O “A lenda do boto-tucuxi” ironizava a derrota de Gilberto Mestrinho, que se dizia imbatível eleitoralmente na política local. “Lugar de boto é lá no fundo do rio/ Não se elegeu porque não pôde urna emprenhar”, dizia o refrão da primeira marchinha mais incisivamente política.

O ano de 91 é o melhor termômetro para demonstrar como a BICA transpirava os avanços e recuos do País. “Naquele ano, todos os brasileiros estava muitos putos da vida com o Plano Collor, com o congelamento da poupança e com o PC Farias”, lembra o coordenador da banda, juiz Jomar Fernandes.

Quem pagou o pato foi um morador do entorno da praça São Sebastião, o hoje Senador Bernardo Cabral, obrigado a ouvir os acordes de “Vai Cabral, vai Cabral,/ Você entrou na BICA/ Pensando que fosse o tal”. Cabral teve um mérito. Assistiu ao carnaval da BICA de seu apartamento sem ser importunado pela massa, que gostou de seu gesto.



Mansão do Tarumã

Autores: Antisthenes Pinto, padre Nonato Pinheiro, Antonio Paulo Graça e Rosendo Lima

Médiuns: Mário Adolfo, Simão Pessoa, Edu do Banjo e Davi Almeida

È tanto baba-ovo
Levando tucumã
Vai ter banquete
Na mansão do Tarumã! (bis)

Robério deu o cuscuz na cama
Azize levou o quibe cru
Lupércio entrou com a pupunha
E o Josué só tomou cupuaçu

Puta que pariu
O que será que o magro ouviu? (bis)

A gente não quer fazer futrica
Mas eles puxam o saco
E o povo entra na BICA

Alfredo vai chupar caju
Volta pra Natal
e abre o cofre pro Dudu

Armando, o que será de mim?
Eu vou chupar pitomba
E arrochar no Serafim!


Na terça-feira, 20 de fevereiro, o jornalista Mário Adolfo publicava no Amazonas em Tempo a seguinte matéria:

Dos políticos satirizados na marcha carnavalesca da Banda Independente Confraria do Armando (BICA), o ex-prefeito Eduardo Braga (PPS) foi o único a participar do carnaval que levou mais de 30 mil pessoas à praça São Sebastião, onde está localizado o mais tradicional reduto da boemia manauara.

- Achei a marcha engraçada, parece até aquelas tradicionais marchinas dos velhos carnavais que ironizam os políticos do País. Ela tem todos os ingredientes daquele estilo de música carnavalesca -, disse Braga, que aparece na letra no trecho em que os biqueiros satirizam a sua disputa com Alfredo Nascimento, na última eleição: “Alfredo/ Vai chupar caju/ Volta pra Natal/ E abre o cofre pro Dudu/ Armando/ O que será de mim/ Eu vou comprar pupunha e arrochar no Serafim...”, diz a bem-humorada letra.

Considerada hoje a mais tradicional banda de Manaus, a BICA foi fundada em 1987 e todo ano usa o escracho como enredo, procurando sempre satirizar os políticos.

Este ano, o enredo foi a mansão do governador Amazonino Mendes (“Cuscuz, pupunha e tucumã na mansão do Tarumã”), mas sobrou para outros políticos aliados, como Lupércio Ramos, Omar Aziz, Robério Braga e até o radialista Josué Filho, que aparece no refrão da marcha.

Embora tenha anunciado no meio da semana que iria ao carnaval da banda, Amazonino Mendes não apareceu. Por duas vezes chegou a circular no camarote da diretoria que o governador estava chegando. Mas não passou de alarme falso.

O ex-candidato a prefeito Serafim Corrêa (PSB), tradicional brincante da BICA desde a sua fundação, também não participou este ano, embora tenha comparecido ao primeiro ensaio da banda, realizado na primeira quinta-feira de fevereiro.

No camarote da diretoria, onde Eduardo Braga permaneceu até a saída da banda, podia ser visto um tabuleiro de cuscuz, suco de cupuaçu e muita pupunha.

“Não colocamos tucumã-arara, porque, com certeza, alguns malucos iam querer arrancar para jogar na cabeça dos outros. O risco era grande, por isso evitamos”, disse o juiz Jomar Fernandes, um dos diretores da BICA.

Este ano, a BICA fez o carnaval considerado “pávulo” para alguns componentes. A diretoria estava impecavelmente vestida de camisas pólo de listras vermelhas, calça branca e chapéu panamá. No camarote tinha até garçom de smoking.

Como sempre, os bonecos do português Armando, da rainha da BICA, Petronila (87 anos) e do frei Fulgêncio, da igreja São Sebastião, fizeram a festa dos foliões.

Duas bandas se revezaram para animar a festa que começou as 16h30, quando os biqueiros foram buscar os Demônios da Tasmânia, banda de metais que anima a BICA há 10 anos, e a bateria do GRES Sem Compromisso. O ponto alto da BICA é que não houve registro de nenhuma briga.

“Isto está se tornando uma tradição. Reforçamos bem a segurança e há pelo menos uns cinco anos a BICA tem feito um carnaval de paz, sem violência”, afirmou Deocleciano Souza.


Edu do Banjo, Mário Adolfo, Simão Pessoa, Gera da Portela, Zezinho Fotógrafo e Wenceslaw Borges pedindo calma

Na terça-feira, 20 de fevereiro, a coluna “Sim & Não”, de A Crítica, publicava as seguintes notas:

Avalanche

Considerando que houve uma avalanche de bandas de rua em Manaus no último sábado, as 78 prisões podem ser consideradas até um índice inexpressivo em termos de violência. O incidente mais sério ocorreu na banda da Difusora: um jovem foi agredido por um grupo de jiujiteiros e foi internado em estado grave. Ontem ele já estava fora de perigo.

Novo local

O secretário de Segurança Pública, Klinger Costa, disse ontem que não vai mais autorizar a realização da banda do Cuiú-Cuiú na praça do conjunto residencial Eldorado. “As famílias do local foram importunadas e as cenas de violência que voltaram a se repetir recomendam que os coordenadores encontrem um novo local para a realização da banda”, disse ele.

Ausências

Curiosidade: minguaram os políticos no Carnaval da BICA. Mesmo o governador Amazonino Mendes, que confirmara presença, não deu o ar de sua graça. “Ele estava indisposto”, disse um de seus assessores. Apenas o ex-prefeito Eduardo Braga ali esteve, recebendo muitos afagos em seu ego.

Na quarta-feira, dia 21 de fevereiro, a coluna “Sim & Não”, de A Crítica, na seção “Pinga-Fogo”, publicou a seguinte nota:

Diante do sucesso estrondoso da BICA, o publicitário Charles Cinco Estrelas elegeu a sua banda carnavalesca, realizada na terça-feira de Carnaval, como filial da banda pioneira. “Virão para minha festa a banda da Polícia Militar, toda a diretoria da BICA e ainda o Armando”, diz Charles Cinco Estrelas.

No domingo, dia 3 de março, a coluna “Sim & Não”, de A Crítica, na seção “Pinga-Fogo”, publicou a seguinte nota:

Vazou a informação da suposta razão do veto ao nome do poeta Simão Pessoa para novo porta-voz do Governo: alguém infiltrado na BICA teria vazado a informação de que Pessoa seria um dos quatros compositores da letra da banda.

No dia 16 de maio, a coluna “Sim & Não”, de A Crítica, publicava a seguinte nota:

Marca da BICA

Uma pesquisa do Isae realizada por um grupo de pós-graduandos, escolheu a banda da BICA como símbolo de uma marca que tinha tudo para dar errado e deu certo. O conceito para a pesquisa é mais ou menos este: no Bar do Armando, sede da BCIA, não há atrativo, grande limpeza ou mulheres, mas pontifica ali uma verdadeira elite intelectual – de desembargadores, juízes e empresários, até poetas e escritores.


Dagoberto, Elisandra, Paulinho, Pedro Paulo e Petronila


Pedro Paulo, Jomar Fernandes, Mário Adolfo e Chicão Cruz


Chicão Cruz e Pedro Paulo, além de Aluthi


Os Demônios da Tasmânia torcendo para não serem interrompidos


A famosa foto oficial dos biqueiros antes de começar o desfile


Armando pintando no pedaço para autorizar o início do desfile


Amecy Souza, Jomar Fernandes, Mário Adolfo, Pedro Paulo, Manuel Batera, Baretta, Deocleciano Souza, Marco Gomes, Durango Duarte, Severino e Abdias