quinta-feira, 31 de março de 2011
História concisa do carnaval amazonense
Em 1890, em pleno apogeu da exploração da goma elástica, de cada 10 moradores de Manaus, 8 eram analfabetos.
Passadas duas décadas, o fosso entre ricos e pobres aumentou ainda mais a constituição de um espaço privilegiado para as reformas sanitárias e para a segregação da cidade eleita.
As ruas e logradouros centrais ganharam outros contornos, com novo embelezamento e com uma forte política de higienização do espaço público central.
A idéia dos intendentes municipais era mesmo a de disciplinar o transeunte, o vendedor ambulante, o mendigo, o trabalhador comum.
No livro “A ilusão do fausto”, a historiadora Edinea Mascarenhas Dias, esposa do querido advogado H. Dias e cunhada do fotógrafo Carlos Dias, mostra o porquê de tudo isso não ter dado certo.
Os inúmeros projetos de modernização só foram completamente exeqüíveis na cabeça dos governantes de então, embebedados que estavam com as façanhas de Haussmann na capital francesa.
Se Manaus preservou alguns desses símbolos do fausto, como o seu famoso teatro, seu porto flutuante, o elegante prédio da alfândega, o palácio da justiça e tantos outros, também possibilitou que ficasse oculta, nesses mesmos relatórios oficiais, uma outra cidade que recebia as imensas levas de imigrantes que vinham de toda a parte em busca das tais riquezas do látex.
Edinea visitou essa cidade oculta, recuperou seus números, revolveu seus insucessos, e nos apresentou suas estratégias de lutas pela sobrevivência.
Se há uma crítica para ser feita a esse livro é que o mesmo ainda se recente das histórias miúdas dessa população anônima, rejeitada nas estatísticas oficiais.
Mas, apesar disto, a autora soube muito bem criticar, sem os habituais excessos anacrônicos, os percursos e as estratégias políticas dos administradores da capital do Amazonas, tomando, um a um, seus nomes e seus feitos.
Os bailes de carnaval da elite eram discutidos, planejados e decididos no famoso Café dos Terríveis, frequentado pelos intelectuais, boêmios e bem nascidos da época.
O carnaval de 1915 foi o mais extravagante que Manaus conheceu. A cidade inteira saiu às ruas, dançou nos clubes e cafés.
Havia sete meses que a Europa estava em guerra, mas isso pouco importava.
O povo cantava o “Maneiro-pau”, a “Cabocla de Caxangá” e a polca “Perepepê”, canções da época.
A alegria chegou ao máximo quando desfilaram os Paladinos da Galhofa, em onze carros alegóricos.
Num deles ia Áurea Ramos, considerada uma das moças mais bonitas da cidade.
À noite, no Ideal Clube, houve baile. E Áurea subiu ao palco. Mas um tiro acidental de um cowboy fantasiado a atinge e ela cai.
Um cortejo de mascarados, palhaços, pastoras, negas malucas e piratas, leva-a à Santa Casa de Misericórdia. Mas Áurea morre.
Nos meses seguintes, os poetas de Manaus lhe prodigalizam sonetos fúnebres apaixonados.
O ano de 1915 começava melancólico. O preço da borracha caía brutalmente, sob a concorrência da que saía dos seringais racionais plantados pelos ingleses na Malásia, proveniente de sementes brasileiras contrabandeadas.
Em 1916 não houve carnaval de rua em Manaus, as mulheres francesas foram embora, os cafés fecharam as portas, o mato começou a devolver à efêmera capital da borracha a sua vida de cidade sem muita expressão, vegetando no verde.
Foi nesse contexto que começaram a surgir os blocos de sujos, ranchos e cordões populares que mais tarde deram origem às escolas de samba que conhecemos.
Até os anos 40, a brincadeira era feita de forma pouco organizada com os grupos desfilando nas ruas da própria comunidade.
Entre os blocos pioneiros estavam o Cordão das Lavadeiras, Os Linguarudos, Caboclo Suraras, Cordão das Jardineiras, Cabocos Suburucus e Cordão do Zé Pretinho.
Na metade da Segunda Guerra Mundial, quando os japoneses tomaram os seringais da Malásia, pareceu que o antigo esplendor amazônico voltaria.
O governo Getúlio Vargas organiza um Exército da Borracha para suprir os aliados e novas ondas de nordestinos são levadas para a Amazônia.
Porém é uma riqueza mais fugaz ainda. Com o fim da guerra, a capital amazonense volta à mesma velha pasmaceira de sempre.
Em 1946, surge a primeira escola de samba da cidade, denominada Escola de Samba Mixta da Praça 14 de Janeiro, organizada nos moldes das escolas de sambas cariocas.
De 1947, quando desfilou na avenida Eduardo Ribeiro pela primeira vez, até 1962, quando encerrou suas atividades, a agremiação conquistou 15 carnavais seguidos.
Outros bairros seguiram o exemplo da Praça 14 e também criaram suas próprias escolas de samba: Unidos de São Jorge, que desfilava sob o comando da mãe de santo Joana Galante, Escola de Samba do Boulevard Amazonas, Escola de Samba da Cachoeirinha, Escola de Samba da Matinha, que deu origem ao atual GRES Presidente Vargas, Unidos da Raiz e muitas outras.
Os desfiles das escolas de samba desse período traziam uma característica herdada dos antigos cordões e que continua sendo usada hoje em dia apenas no carnaval baiano: o uso de cordas para separar o folião com abadá de trio elétrico do folião “pipoca”, que pula longe da frigideira.
As escolas de samba se concentravam nas imediações do Instituto de Educação do Amazonas (IEA), com todos seus brincantes dentro de um quadrilátero cercado por uma corda.
A idéia era de que quem estava dentro do cercado tinha mais segurança para brincar.
Naquela época não existiam carros alegóricos.
O estilo “cordão” foi aposentado depois que duas emissoras de rádio, Difusora e Baré, começaram a transmitir o desfile ao vivo.
O palanque das autoridades, dos radialistas e dos comentaristas foi montado no meio da avenida de forma que os brincantes tinham que se dividir durante o desfile, passar pelos dois lados do palanque e se reagrupar depois.
A idéia de jerico, claro, acabou inviabilizando o uso da corda.
O fim da Escola Mixta e, dois anos depois, o início da ditadura militar resultou em um período negro para o carnaval de rua amazonense.
Entre 1962 e 1970, os desfiles continuaram acontecendo na avenida Eduardo Ribeiro, mas de uma forma bem tímida, tanto que não houve disputas oficiais do carnaval nesse período.
Em 1970, o coronel Jorge Teixeira chegou a Manaus para assumir o comando do Centro de Instruções de Guerra na Selva (Cigs) e naquele mesmo ano fundou a escola de samba Unidos da Selva, formada por militares de diversas unidades das Forças Armadas e pagodeiros civis, a maioria deles vinda do sul do país para trabalhar no nascente Distrito Industrial.
Introduzindo os carros alegóricos, os tripés e os destaques ricamente ornamentados, a Unidos da Selva desfilou de 1971 a 1976, tendo conquistado cinco títulos (1971 a 1974 e 1976).
A Unidos de São Francisco ganhou o título de 1975.
A Unidos da Selva deixou de desfilar porque seu patrono, o coronel Jorge Teixeira (aka “Teixeirão”), foi nomeado prefeito de Manaus, em abril de 1975, pelo governador Henock Reis, e permaneceria no cargo até março de 1979.
Como a prefeitura era a patrocinadora oficial do carnaval de Manaus, os militares preferiram encerrar as atividades da escola após o carnaval de 1976, a fim de não constranger o prefeito por um suposto favorecimento caso a Unidos da Selva continuasse na sua vertiginosa carreira de escola de samba “papa-títulos”.
Em 1975, surgiu o GRES Vitória Régia, na Praça 14 de Janeiro, resgatando a tradição iniciada com a Escola de Samba Mixta, tendo se sagrada campeã amazonense de carnaval de 1977 a 1980.
Em 1977, o bloco Em Cima da Hora, de Educandos, resolveu se transformar em escola de samba e já se sagrou vice-campeã em seu primeiro desfile, desbancando escolas de samba tradicionais como Unidos de São Jorge e Unidos da Compensa.
Ela ganharia seu primeiro título em 1979, empatada em primeiro lugar com a Vitória Régia.
Nascido de uma dissidência do GRES Em Cima da Hora, o GRES Mocidade Independente de Aparecida foi fundada em 1980, no bairro de Aparecida, e se transformou no grande fenômeno de carnaval de rua amazonense: em 30 disputas, obteve 18 títulos, 5 vice-campeonatos e 3 terceiros lugares, ou seja, esteve entre as três melhores escolas de samba da cidade em 80% das vezes.
Um feito realmente extraordinário!
Para relembrar o carnaval de rua, antes do advento das escolas de samba e do Sambódromo, transcrevo um texto do enciclopedista Carlos Zamith, pai do queridíssimo juiz Carlos Zamith Jr. e responsável pelo belísimo site “Baú Velho”, intitulado “Carnaval do Mocidade”:
Aqui em Manaus, quando os desfiles eram na Avenida Eduardo Ribeiro, tenho a impressão que as festas eram bem melhor para o povo brincar e assistir.
Tudo começava bem cedo, às quatro da tarde. Os carros da época, de capotas arriadas, com belas jovens ostentando bonitas fantasias, algumas com máscaras, a descer e subir a Eduardo Ribeiro, atirando serpentinas e confetes.
Aqui e ali um carro alegórico, sempre esperado com muita curiosidade pelos assistentes que se colocavam nas calçadas debaixo do sombreado dos benjaminzeiros (isentos da praga dos “lacerdinhas”), sentados em cadeiras que traziam de suas casas.
Carros alegóricos da Fábrica de Cerveja Miranda Corrêa, destacando a tão saborosa XPTO; do J.G. Araújo, jogando para o povo os famosos saltos de borracha pura, Coroa; da Fábrica Andrade distribuindo garrafas do seu apreciado Guaraná Andrade; do Luso Sporting Clube, sempre preocupado em superar o da União Esportiva Portuguesa; do Ideal Clube numa sadia rivalidade com o do Atlético Rio Negro Clube, sempre garbosa, com bonitas garotas. Por fim, o do Nacional Futebol Clube, que arrancava muitos aplausos do povão, com ornamentação pobre porem esbanjando alegria em cima de carrocerias de velhos caminhões fumacentos.
Era um carnaval, queira ou não, muito mais alegre, muito mais divertido, muito mais festa do povo.
Nos carnavais dessa época, despontava com grande animação na avenida, o esperado grupo “Mocidade”, que anualmente apresentava uma novidade no último dia da festa, sempre guardada no mais absoluto sigilo, o tema a ser exibido.
Tenho lembrança de seus desorganizados carros, sempre confeccionados na Serraria do saudoso Jackson Cabral, lá em Educandos, com a assistência de uma turma saboreando a gostosa batida de taperebá, enquanto o Luís Cabral preparava os brincantes, só coroas, quase todos antigos desportistas do futebol, basquetebol, voleibol ou mesmo dirigentes.
O grupo Mocidade durou exatamente 25 anos. Saiu pela primeira vez em 1953, com o tema “Branca de Neve e os Sete Anões”, caracterizado pelo Dr. Luís (Lulu) Cabral.
Todo o material utilizado para a confecção dos anões, procedia do Rio de Janeiro e, na preparação do carro a turma estava lá com a batida de taperebá, consumida num abrir e fechar de olhos.
Durante os 25 anos de desfile, o Mocidade apresentou os mais variados temas, tais como Cangaceiro, Ciganos, Lavadeiras, Donas de Pensão, Babuínos, Só Deve Quem Compra, uma sátira ao antigo quadro do programa de televisão de Silvio Santos “Só Compra Quem Tem”, e Maternidade que alcançou muito sucesso, pois além de seus componentes representarem com uniformes de enfermeiras e médicos, o carro era dotado de berços, com fraldas e as respectivas mamadeiras contendo um líquido amarelado e espumoso, consumido pelos bebês em poucos segundos.
O saudoso Mário Bacalhau, velho morador de São Raimundo, fiscal da Prefeitura e um dos participantes efetivo do grupo, servia de babá e responsável, portanto, em abastecer as mamadeiras, o que lhe causou estafante trabalho durante as duas horas de desfile.
O último desfile do Mocidade ocorreu em 1978 e os “jovens foliões” fizeram questão de repetir o tema do primeiro, o de 1953, com “Branca de Neve e os Sete Anões”.
Foi a despedida do grupo e por isso cada um de seus participantes recebeu das mãos do então Prefeito Jorge Teixeira, medalha de ouro em reconhecimento a alegria que deram ao nosso carnaval ao longo de 25 anos.
Foram contemplados: Flávio Augusto, Raimundo Bertuceli, Mário Orofino, Andréa Limongi, Flaviano Limongi, José Maria Bichara, Theomário Pinto, Mário Bacalhau Bittencourt, Nelson (Cachimbinho) Bentes, Almério Cabral dos Anjos, Alfredo Tetenge, Miguel Jorge, Pedro Bichara e José Barros.
Até meados dos anos 70, entretanto, o mais divertido e animado carnaval de Manaus não estava nas ruas, mas no circuito dos bailes de clubes, obedecendo ao seguinte rodízio: no sábado gordo, baile adulto a partir das 23h.
No domingo, carnaval infantil a partir das 16h.
Na segunda, folga geral – com exceção do Rio Negro (“Baile de Gala”) e do Olímpico Clube (“Despedida da Kamélia”).
Na terça-feira, baile adulto a partir das 23h.
No período pré-carnavalesco (incluindo a chamada “semana magra”), os bailes ocorriam nas sextas, sábados e domingos.
Os desfiles dos blocos de sujo e foliões isolados se davam no domingo gordo e na segunda-feira, a partir das 14h, sempre na avenida Eduardo Ribeiro. As escolas de samba desfilavam na terça.
A concentração dos blocos ocorria na Praça da Saudade.
O percurso se iniciava na Praça do Congresso, descia a avenida, contornava o Relógio Municipal, subia a avenida e fazia a dispersão na avenida Sete de Setembro, em direção à Getúlio Vargas.
Os bailes carnavalescos mais disputados localizavam-se no centro da cidade e eram considerados os “carnavais da elite”.
As festas temáticas eram acessíveis somente aos sócios, que entravam de graça, e a quem pudesse pagar os preços exorbitantes cobrados pelas mesas ou pelos ingressos.
A diversão dos jovens de origem operária era “furar” o esquema de segurança desses clubes, para se divertir de graça junto com os “bacanas”.
Os bailes mais famosos ocorriam no Ideal Clube (“Baile de Máscaras”), Rio Negro (“Baile de Gala”), Bancrévea (“Vamos Pegar o Sol com as Mãos!”), Cheik (“Saara 40 Graus”), Olímpico (“Despedida da Kamélia”), Luso Sporting (“Viva o Zé-Pereira!”), União Esportiva Portuguesa (“Baile do Pierrô”) e Nacional (“Baile Azul e Branco”).
No final da Quaresma, o Cheik ainda promovia um baile carnavalesco intitulado “Enterro dos Ossos”.
Nesses bailes mais elitistas, as mulheres compareciam ornamentadas de vestidos longos, plumas, lantejoulas e fantasias ricamente elaboradas, e os homens, de smoking ou camisas sociais de grife, no velho estilo “coronéis de barranco”.
Claro que aqui e ali surgia um sujeito vestido de índio, pirata, mexicano, árabe, legionário, arlequim ou pierrô, mas os homens fantasiados eram uma minoria.
Quem tinha obrigação de vender beleza era o mulherio. Os machos estavam ali pra pagar pelo fuzuê.
Quando a fuzarca acabava, os foliões se encontravam no mercado Adolpho Lisboa para curar a bebedeira com o famoso mingau do Eusébio.
O artista plástico Inácio Evangelista era o decorador mais requisitado da cidade para produzir as ambientações temáticas dos clubes.
Além de ser contratado exclusivo do Ideal, Rio Negro, Cheik e Nacional – e cada um deles fazia até três bailes diferentes a cada ano –, ele ainda encontrava tempo para decorar o Atlético Barés Clube (“Baile do Sapo Não Lava o Pé”), o AABB (“Baile do Terror”), a União Esportiva de Constantinopla (“Baile da Cidade Alta”) e o Fast (“Baile do Rolo Compressor”).
Nos bairros, a população se divertia nos bailes carnavalescos dos clubes amadores ali existentes e nas sedes de associações sindicais e de times profissionais populares.
Em Educandos, por exemplo, na União Esportiva de Constantinopla. No bairro da Cachoeirinha, no Ipiranga, Botafogo, Cachoeirinha e no Círculo Operário.
No Morro da Liberdade, no Libermorro e Olaria. No Seringal Mirim, no Internacional (“Baile da Jardineira”). Em São Raimundo, nas sedes do São Raimundo e Sul América, e assim por diante.
Havia ainda os clubes de campo, de frequência mista (Sírio-Libanês, Caiçara, Cetur, Asa, Municipal, Beasa, Cassam, AABB etc.), que também realizavam bailes inesquecíveis.
Guardada as devidas proporções, o esquema nos bailes carnavalescos, tanto dos chamados “bailes de elite” quanto dos chamados “bailes populares”, seguia uma mesma dinâmica.
Uma orquestra de metais (nome genérico dos instrumentos de sopro feito de metais), posicionada no fundo do palco, iniciava a fuzarca, na maioria das vezes, com a música “Ô Abre Alas”, aquele clássico da Chiquinha Gonzaga (“Ô abre alas, que eu quero passar/ Ô abre alas, que eu quero passar/ Eu sou da Lira, não posso negar/ Rosa de Ouro é quem vai ganhar”).
Essa era a senha para as pessoas invadirem o salão abraçadas em dupla, trinca, quarteto ou até mesmo sozinhas.
O cortejo dos foliões consistia em uma movimentação em círculo, obedecendo ao sentido horário – mas também havia alguns sujeitos, cheios da truaca, que preferiam brincar no sentido anti-horário, o que era sinônimo de confusão.
As garotas desacompanhadas ficavam nas bordas do salão, observando aquela alegre confusão.
De repente, uma mão saindo do meio da turba lhe alcançava o pulso e a puxava para o salão.
Se houvesse interesse recíproco, a foliona se enganchava no sujeito e ia pra guerra.
Se não, ela dava um jeito de liberar o pulso das mãos do fariseu.
Essas efêmeras conquistas carnavalescas se constituíam na glória (ou calvário) de qualquer moleque que buscava as folias de Momo.
O cortejo, evidentemente, se movimentava no salão de acordo com a música.
Havia as marchinhas para uma evolução rápida – leia-se correria desenfreada e trombadas entre os participantes –, como “Marcha do Remador” (“Se a canoa não virar, olé, olé, olá/ Eu chego lá”), “Turma do Funil” (“Chegou a Turma do Funil/ Todo mundo bebe/ Mas ninguém dorme no ponto”), “Alalaô” (“Alalaô ô ô ô/ Mas que calor ô ô ô/ Atravessamos o deserto do Saara/ O sol estava ardente e queimou a nossa cara”) e a mais frenética de todas, que costumava causar quedas coletivas no salão, “Corre, corre, lambretinha” (“O vovô ia a cavalo/ Para visitar vovó/ O papai de bicicleta/ Pra ver mamãe, ora vejam só!/ Hoje tudo está mudado/ Mudou tudo, sim senhor/ E eu tenho uma lambreta/ Para ver o meu amor/ Corre, corre, lambretinha/ Pela estrada além/ Corre, corre, lambretinha/ Que eu vou ver meu bem”).
Havia as marchinhas para uma evolução devagar, quase parando – e aí os arranjos mistos de trincas, quartetos, quintetos ou sextetos davam vez para os casais.
Quem ainda não estivesse descolado um par precisava correr contra o relógio, porque essas marchinhas começavam a ser tocadas na metade do baile.
A mais clássica de todas era aquela criação genial de Zé Kéti, “Máscara Negra” (“Tanto riso, oh/ Quanta alegria/ Mais de mil palhaços no salão/ Arlequim está chorando pelo amor da Colombina/ No meio da multidão/ Foi bom te ver outra vez/ Tá fazendo um ano/ Foi no carnaval que passou/ Eu sou aquele Pierrot/ Que te abraçou/ Que te beijou, meu amor/ A mesma máscara negra/ Que esconde o teu rosto/ Eu quero matar a saudade/ Vou beijar-te agora/ Não me leve a mal/ Hoje é carnaval/ Vou beijar-te agora/ Não me leve a mal/ Hoje á carnaval”).
Era a senha para beijar a foliona recém-conquistada. Se houvesse correspondência, o sujeito havia ganho a noite. Se não, não.
Se tudo tivesse dado certo na etapa anterior (a garota não só consentira no beijo, como abrira levemente os lábios para você introduzir a língua), a próxima fase era levá-la para uma parte mais escura do clube, normalmente em corredores longes do salão, e iniciar a sessão de “acocho” (na época, era esse o nome do modernoso “ficar”), que consistia de beijos e abraços apertados. Só isso.
As mais liberais ainda permitiam algumas alisadas nas coxas e alguns toques, discretos, no sutiã de cetim.
Avançar mais do que isso era convite certo para uma tapa na cara e o fim do, digamos assim, relacionamento casual.
Os casais voltavam para o salão quando o baile já estava acabando.
Os primeiros acordes de “Está chegando a hora” (“Quem parte/ Leva saudades/ De alguém/ Que fica chorando de dor/ Por isso eu não quero lembrar / Quando partiu / Meu grande amor/ Ai ai ai ai/ Está chegando a hora/ O dia já vem raiando meu bem/ E eu tenho que ir embora”) sinalizavam para os últimos beijos, abraços apertados e as juras de amor eterno. Pura balela.
Na maioria das vezes, nem se sabia o nome da garota. E a possibilidade de encontrá-la novamente no carnaval seguinte era tão difícil quanto acertar na Mega-sena acumulada.
No dia seguinte, após a ressaca carnavalesca, a turma de moleques se reunia para contar vantagens sobre as conquistas efetuadas e fazer planos para os bailes do ano seguinte. Simples assim. Mas que era divertido, isso era.
quarta-feira, 30 de março de 2011
O Morro da Liberdade mostra que tem samba também
Em 1967, a criação da Zona Franca de Manaus (ZFM) marcou uma nova fase de prosperidade no Amazonas, com a instalação do comércio de importados e do Distrito Industrial, situado a 6 km do Centro, na Zona Leste da cidade, no início da BR-319.
Nos primeiros anos, a ZFM funcionou como um grande shopping center para todos os brasileiros.
O regime militar não permitia importações de bens supérfluos e dificultava a saída de brasileiros para o exterior exigindo uma pequena fortuna como depósito compulsório.
Sair do país, só se fosse de vez. Era a época do “Brasil, Ame-o ou Deixe-o”.
A expansão de atividades produtivas e comerciais decorrentes da criação da ZFM, associada ao desenvolvimento de serviços públicos e ações sociais implantadas pelo Governo, atraiu milhares de famílias vindas do interior do Estado e de outras localidades do país.
A população urbana saltou de 300 mil habitantes (1970) para 800 mil habitantes (1980).
Infelizmente, como Manaus não possuía infraestrutura adequada nem oferta suficiente de emprego para toda essa população, o resultado foi uma operação matemática desastrosa: menos infraestrutura básica e menos emprego igual a mais violência urbana.
Esse impacto foi sentido com maior intensidade pelos moradores da Zona Sul, porque o problema aconteceu praticamente em seus quintais: a população excedente, na sua grande maioria formada por pessoas de baixa qualificação profissional, cultural e educacional, iniciou a ocupação desordenada dos igarapés, que foram tomados por palafitas e casebres.
Lixo e dejetos domésticos eram jogados na água, que se tornou imprópria para a fauna aquática.
O acúmulo de lixo e a eliminação das matas ciliares provocaram o assoreamento do leito dos igarapés.
Tornaram-se comuns as enchentes e transbordamentos dos igarapés nos períodos de chuva.
As doenças de veiculação hídrica, como hepatite, malária e dengue, começaram a se multiplicar.
No caso dos bairros próximos do Distrito Industrial, incluindo São Lázaro, Bethânia, Colônia Oliveira Machado, Morro da Liberdade, Santa Luzia e Educandos, de onde vinha o grosso dos trabalhadores das fábricas, o crescimento da violência urbana foi decorrente da impessoalidade das relações envolvendo os novos moradores aliada a uma nascente desestruturação familiar.
As primeiras trabalhadoras das linhas de montagem do Distrito Industrial eram meninas com menos de 20 anos, oriundas do interior.
Ingênuas, boas e bonitas, tornaram-se presa fácil dos predadores sexuais existentes nas fábricas.
Em média, cerca de 30% dessas trabalhadoras (ou, na época, 15 mil mulheres) tornaram-se mães solteiras logo nos primeiros anos.
As mais bonitas e gostosas, foram penalizadas duplamente: mal saíam de uma gravidez, já eram engravidadas novamente pelos colegas de batente.
Tornou-se comum, na cidade, garotas com pouco mais de 20 anos já mães de dois ou três moleques, de pais diferentes.
A falta de creches para as trabalhadoras do Distrito Industrial agravou o problema.
Alguns anos depois, quando começou o processo de robotização das fábricas, com demissão em massa das mulheres trabalhadoras (uma máquina de inserção automática sozinha fazia o trabalho de 500 montadoras), os problemas sociais foram potencializados.
O desemprego de ingresso – quando o jovem procura o primeiro emprego, objetivando sua inserção no mercado formal de trabalho, e não obtém sucesso – tem relação direta com o aumento da violência, porque torna o jovem mais vulnerável ao ingresso na criminalidade.
O desemprego mexe com sua autoestima e o faz pensar em outras formas de conseguir espaço na sociedade, de ser reconhecido, de sair do anonimato.
Sem conseguir entrar no mercado de trabalho, recebendo um estímulo forte para o consumo via tevê e rádios, sem modelos próximos que se contraponham ao que o crime oferece (o apoio, o sentimento de pertencer a um grupo, o poder que uma arma representa, o prestígio), um indivíduo em formação torna-se mais vulnerável.
Filhos de mães solteiras, criados sozinhos ou pela avó, ou por uma tia mais jovem, os moleques começaram a reagir.
No final dos anos 70, quando algumas gangues infanto-juvenis do Morro da Liberdade começaram a fazer incursões habituais ao centro de Manaus, para roubar tênis Tiger e camisetas Hang Teng (o sonho de consumo de dez em cada dez jovens manauenses), os meninos do Morro perceberam a gravidade da situação.
O bairro estava começando a ganhar uma indesejável má fama por conta dos pequenos delitos praticados por esses pivetes, divulgados com grande estardalhaço pela mídia impressa.
Aquilo era uma bomba-relógio e se não agissem rápido, com certeza, iria explodir.
Em 1978, uma turma de amigos do Morro da Liberdade – Jairo Beira-mar, Eli da Costa Manso, Menezes, Chumbada, Roberto Benéfico, Aníbal, Chico Perneta, Pirulito, Zeca do Passo e Chocolate, entre outros – começou a se reunir em frente à barbearia do Baiano ou na Oficina do Abdon, nas tardes de sábado e nas manhãs de domingo, para promover animadas rodas de samba, regadas a birita.
Sua área de atuação era nas proximidades do campo do Bariri.
Na mesma época, mas em outra parte do bairro, nas imediações da sede do Libermorro, uma outra turma de amigos – Bosco Saraiva, Neto Bacurau, Calama, Maleta, Roque e Sabá, entre outros – fazia a mesma coisa no Bar do Lateral (“seo” Antenor).
Os dois grupos de sambistas acabaram se unindo com o propósito de iniciar um trabalho comunitário mais abrangente, que envolveria, inclusive, o resgate da autoestima dos moradores, cada vez mais abalada por conta da má fama do bairro.
No bairro de Educandos, João Batista havia fundado o GRES Em Cima da Hora e a maioria dos brincantes era oriunda dos bairros próximos (Aparecida, Morro da Liberdade, Santa Luzia, Colônia Oliveira Machado, São Lázaro e Betânia).
A exceção eram os moradores da Cachoeirinha, Petrópolis e Raiz, que preferiam desfilar pelo bloco Andanças de Ciganos ou pelo GRES Vitória Régia, da Praça 14 de Janeiro.
Como as cores da escola de Educandos eram o azul e branco, os meninos do Morro resolveram criar um bloco de embalo chamado “Acadêmicos do Morro”, que seria, posteriormente, reaproveitado como uma das alas da escola de samba Em Cima da Hora.
Até 1979, os desfiles de blocos de sujo, blocos de embalo (ou de empolgação), escolas de samba e batucadas ocorriam na avenida Eduardo Ribeiro, no centro histórico de Manaus, cuja ornamentação incluía pinturas no asfalto.
De 1980 a 1990, os desfiles passaram a ser feitos na avenida João Alfredo, atual Djalma Batista.
O bloco de embalo “Acadêmicos do Morro” iria estrear junto com a inauguração da nova passarela do samba.
Dispostos a fazer uma apresentação de gala, a bateria começou a ensaiar exaustivamente.
Os meninos do Morro também elaboraram dezenas de alegorias de mão à base de ráfia, um carro abre-alas que trazia o símbolo do bloco (um gigantesco “surdo de marcação”, cheio de batida de caju) e providenciaram um suporte móvel, que conduzia um amplificador movido à bateria de caminhão acoplado em duas bocas de ferro.
O puxador do samba-enredo era Jairo Beira-mar.
Apesar dos convites feitos na base do boca a boca, pouca gente quis participar da empreitada.
Para se ter uma ideia, o carro alegóricos, as alegorias, os instrumentos da bateria, o suporte móvel e todos os brincantes couberam dentro da carroceria de um caminhão pertencente ao brincante Clodoaldo Santos.
Quando o bloco foi armado na imponente avenida Djalma Batista (não havia “dentes de dragão” separando as duas pistas, o que lhe deixava ainda mais gigantesca, apesar das arquibancadas armadas no entorno), os cerca de 40 brincantes – incluindo a bateria – quase voltaram correndo pra casa.
Dentro da nova passarela do samba, o bloco “Acadêmicos do Morro” simplesmente havia tomado chá de sumiço.
Com exceção dos dois passistas (Japão e Zeca do Passo), que se jogavam no chão feito duas cobras enlouquecidas, passavam embaixo das duas passistas (Negona e Marluce), davam cambalhotas, piruetas e espaguetes, e, ainda por cima, fingiam tocar pandeiro, ninguém mais se divertiu.
Quanto mais os brincantes se espalhavam na avenida, para ocupar os espaços, mais a multidão percebia que estava diante de uma farsa.
Apesar de a bateria ter dado um show à parte, o desfile foi um vexame e o bloco acabou ali mesmo, na saída da avenida.
Apesar do desfile do bloco ter ficado muito aquém da expectativa, Jairo Beira-mar resolveu continuar insistindo, mesmo praticamente sozinho.
Ele convenceu Zé Santana a ceder a sede do Libermorro e o DJ Ernesto Coelho a emprestar uma aparelhagem de som, e começou a realizar animadas rodas de samba, nas manhãs de domingo.
A ideia de Jairo Beira-mar era transformar aquele espaço em um polo aglutinador dos sambistas do Morro.
A má vontade de Zé Santana, entretanto, para quem “roda de samba era coisa de vagabundo”, acabou por inviabilizar o projeto.
Por ironia do destino, Zé Santana, muitos anos depois, acabou se transformando em um dos grandes incentivadores do GRES Reino Unido.
Em 1981, Flávio, que morava no Morro e trabalhava no Estaleiro São João, convenceu o armador Nilo Tavares Coutinho, dono do estaleiro, a contratar a bateria Nota Dez do extinto “Acadêmicos do Morro” para animar o desfile do bloco de embalo “Caxangá na Folia”, patrocinado pelo armador.
Considerado uma das atrações do carnaval de rua, o abre-alas do bloco era sempre um majestoso barco regional feito de compensado, mas extremamente realista.
O barco, evidentemente, era pilotado pelo próprio Nilo Coutinho, sempre fantasiado de almirante, enquanto os seus convidados desfilavam fantasiados de marinheiros.
A bateria do bloco, entretanto, era de quinta categoria.
Depois de muitas negociações, os meninos do Morro foram contratados a peso de ouro para animar o desfile do bloco.
Diariamente um ônibus apanhava os batuqueiros no Morro, levava até a ilha do Caxangá, esperava o ensaio da bateria acabar, o lanche ser servido e depois os trazia de volta. Uma mordomia federal.
Bosco Saraiva era o diretor de bateria e Mestre Arnoldo o puxador do samba-enredo, composto pelo Mestre Chocolate.
O armador estava rindo com as paredes. Com aquela bateria fenomenal e aquele samba-enredo empolgante, o “Caxangá na Folia” seria, com certeza, o campeão dos blocos de embalo daquele ano.
Os cinco bois, 18 leitões, 500 frangos, 200 quilos de calabresa e os dez mil litros de chope para a festa de comemoração do título já haviam sido encomendados.
No dia do desfile, os meninos do Morro estavam mais empolgados do que nunca.
Durante o aquecimento, executaram alguns samba-enredos clássicos, das escolas de samba do Rio de Janeiro, e, depois de quinze minutos e várias rodadas de cachaça, começaram a tocar o samba-enredo do “Caxangá na Folia”, puxado por Mestre Arnoldo: “Onde mora a alegria/ Na ilha da Fantasia.../ Onde está a felicidade/ Caxangá tá na folia...”.
O armador Nilo Coutinho abriu logo uma garrafa de Moet & Chandon de cinco litros e distribuiu várias taças entre os convidados.
Estava mais mais alegre do que mosquito em manga podre .
O bloco começou a desfilar.
Quando se aproximavam da cabine dos jurados, o diretor de bateria, Bosco Saraiva, percebeu que a plateia não estava dando a mínima para o desfile e resolveu chutar o pau da barraca.
Com um apito, ele interrompeu a batucada.
Aí, chamando Sabazinho e Maleta, foi incisivo:
– Negócio seguinte. Esse nosso samba não tá com nada. Vamos animar essa gente bonita, que veio aqui, prestigiar o desfile, tocando o samba da Portela desse ano, que todo mundo conhece de cor e salteado e vai cantar com a gente...
Dito isso, deu dois apitos, a bateria entrou arrepiando, Mestre Arnoldo abriu o vozeirão e a plateia foi junto, no embalo:
“Deixa-me encantar/ Com tudo teu e revelar lalaiá lalaiá/ O que vai acontecer/ Nesta noite de esplendor/ O mar subiu na linha do horizonte/ Desaguando como fonte/ Ao vento a ilusão teceu/ O mar (ôi o mar)/ Por onde andei mareou (mareou)/ Rolou na dança das ondas/ No verso do cantador/ Dança quem tá na roda/ Roda de brincar/ Prosa na boca do vento/ E vem marear”.
Ouvindo aquilo, o comandante do barco abre-alas, almirante Nilo Coutinho, quase teve um infarto.
Pelas regras do jogo, mesmo os blocos de embalo tinham de apresentar um samba ou marchinha original.
Aquela mudança repentina tinha um claro cheiro de desclassificação.
Os meninos do Morro e a multidão presente na Djalma Batista, entretanto, não estavam nem aí e continuavam cantando a plenos pulmões:
“Eis o cortejo irreal/ Com as maravilhas do mar/ Fazendo o meu carnaval/ É a brisa a brincar/ A luz raiou pra clarear a poesia/ Num sentimento que desperta na folia/ Amor, amor/ Amor sorria ôôô/ Um novo tempo despertou/ E lá vou eu/ Pela imensidão do mar/ Essa onda que borda a avenida de espuma/ Me arrasta a sambar”.
O bloco “Caxangá na Folia” deixou a Djalma Batista debaixo de aplausos apoteóticos.
Foi desclassificado, claro, e os meninos do Morro, excomungados pelo armador. Mas, também, não se pode ganhar todas.
Nos meses seguintes, durante as rodas de pagode no Bar do Raimundo Cunha, Jairo Beira-mar, Bosco Saraiva, Calama, Chocolate e Xenxén, entre outros, voltaram a discutir a necessidade de criar um ponto de referência cultural no Morro da Liberdade, capaz de aglutinar os moradores e conter a onda de violência que estava se alastrando pelo bairro.
Bosco Saraiva andava empolgado com os versos que Neguinho da Beija-Flor fizera para sua escola e que cantava sempre, alguns momentos, antes do desfile:
“É ela/ Maravilhosa e soberana/ De fato nilopolitana/ Enamorada desse meu país/ É ela, a deusa da passarela, razão do meu cantar feliz/ É ela, um festival de prata em plena pista/ É o sorriso alegre do sambista/ Ao ecoar do som de um tambor/ Beija-Flor minha escola, minha vida meu amor”.
Se tivessem de criar alguma coisa, o GRES Beija-Flor de Nilópolis teria de servir de modelo.
O ex-diretor de bateria do “Caxangá na Folia” tinha razão. A Beija-Flor não é uma escola qualquer.
Com sede em Nilópolis, a escola encontra-se profundamente enraizada na alma dessa comunidade.
Ser da Beija-Flor é quase uma religião, é uma paixão devocional para toda a vida.
Quem é da Beija-Flor não divide o coração com outra escola. O amor, apesar de imenso, só dá para uma.
Para esse sentimento generalizado, não deixaram certamente de contribuir os vários títulos conquistados pela escola nos últimos anos.
Mas para esse sentimento, tem vindo contribuir, também, em larga medida, o trabalho comunitário levado a cabo pela escola.
Nilópolis é um município da Baixada Fluminense que, já naquela época, tinha vindo a merecer referências elogiosas por parte de organismos internacionais.
Longe da preferência das elites, a cidade foi, mesmo assim, considerada pelas Nações Unidas como a primeira em qualidade de vida e a segunda em educação, em toda a área da Baixada.
Pelo trabalho de formação que cotidianamente desenvolve com a população local, a Beija-Flor lega a essa realidade uma inestimável contribuição.
Pode-se mesmo dizer que a escola contraria as palavras de Martinho da Vila, porque, afinal, em Nilópolis, nem tudo se acaba na quarta-feira.
Sem dúvidas, aquele era um belo exemplo a ser imitado.
Porém, ah, porém, como na canção de Paulinho da Viola, havia um caso diferente que marcou um breve tempo: os meninos do Morro não tinham interesse em criar uma escola de samba para competir com o GRES Em Cima da Hora, de João Batista.
Se tivessem que criar alguma agremiação carnavalesca, seria um bloco de embalo. E a inspiração passou a ser o bloco Cacique de Ramos, do Rio de Janeiro.
Depois de muitas reuniões na casa de Ivarnar Sena (“Pirulito”) e na Oficina do Abdon, os meninos do Morro marcaram um dia para a fundação definitiva da nova agremiação.
Ficou acordado que quem estivesse presente no encontro seria considerado sócio-fundador.
A reunião acabou ocorrendo na casa de Odilson, cuja única relação com o samba era ser cunhado de Pirulito.
Pelo fato de a reunião ter ocorrido em sua residência, ele também acabou sendo considerado sócio-fundador.
As cores escolhidas (verde e branco) era uma tentativa de não se envolver na velha rixa existente entre Libermorro e Olaria, e também para não ser confundido com uma filial do GRES Em Cima da Hora.
O nome, Reino Unido, era um chamamento ao companheirismo, à solidariedade e à união entre os moradores do bairro, já que o bloco também iria ter um viés comunitário.
O símbolo, a Coroa Imperial, sugestão de Bosco Saraiva, representava a alteza e a dignidade dos brincantes do Reino.
O slogan, “O melhor samba”, foi sugestão de Jairo Beira-mar, para traduzir o estado de espírito do bloco.
Essa reunião foi realizada no final de agosto de 1981, mas eles acordaram que a data de fundação seria 5 de setembro, por ser a data de elevação do Amazonas à categoria de Província e, obviamente, porque caía num feriado.
Ninguém ia ter desculpas para deixar de festejar a data.
Estavam presentes na fundação do bloco os seguintes sambistas: Osias Mendonça da Silva (“Gaia”), Gerson Lopes da Silva (“Xenxén”), João Bosco Gomes Saraiva, Jorge Hallen Lima da Silva (“Chocolate”), Francisco Campos dos Santos (“Calama”), João Antônio da Silva, Jairo de Paula Beira-Mar, Ivamar Sena do Nascimento (“Pirulito”), Francisco Ferreira Maciel (“Chico Perneta”), João Bosco Menezes de Aquino, José Ribamar Moura Saraiva (“Zeca do Passo”), Vicente Neto Machado da Costa, Ely Costa Manso e Roberto Soares Aragão.
Otimista como sempre, Bosco Saraiva fez uma previsão: “Dentro de dez anos, nós vamos ser o maior bloco de empolgação do país, maior até que o Cacique de Ramos!”
Diante da incredulidade dos demais fundadores, ele explicou a mágica.
“No próximo ano, nós vamos sair com cem brincantes. Aí, basta a gente ir dobrando o número de brincantes a cada ano. No final da década, a gente já vai estar com mais de 20 mil brincantes. Mas pra isso dar certo precisamos trabalhar duro. Então, vamos arregaçar as mangas e começar!”, avisou.
No mesmo ano, os meninos do Morro montaram um palco na rua Martins Santana, em frente à casa de Pelé, filho da Mãe Zulmira, e começaram a fazer suas rodas de samba.
Antes, eles haviam pedido da Mãe Zulmira, a título de empréstimo, o terreno onde rolava o Arraial do Tira-Prosa, mas ela não cedeu por considerar os meninos muito irresponsáveis.
O primeiro cantor a subir no palco armado pelo novo bloco foi Zeca do Passo, que cantou um samba de Chico da Silva.
A rua ficou apinhada de gente. Começava a trajetória do bloco Reino Unido da Liberdade.
O início de uma rivalidade histórica: Andanças de Ciganos e Sem Compromisso
No centro da foto, o gente fina Antonio Carriço, falecido em dezembro do ano passado, em um dos carnavais em que desfilou pela Vitória Régia
Em 1976, no mesmo ano em que o Andanças de Ciganos estava desfilando pela primeira vez, um grupo de moradores da rua Comendador Clementino, no centro de Manaus, fundou o bloco “Unidos da Comendador”.
Entre os fundadores estavam Antonio José Requeijo Carriço, Jacomo Lobo, Raimundo Mauro Negreiro, José Lobo Filho (aka “Lobinho”), Getúlio Lobo, Américo Chã, Luiz Sálvio, Luso Ramos, Rinaldo Buzaglo, Celito Chaves, Clóvis Rodrigues, Otílio Lázaro Tomé, Deoson Negreiro, Fortunato Mauro Teixeira, Gilfrânio Napoleão, Carlos Alberto de Lima Seabra, Paulo Roberto da Silva, Vidal José Lobo, Auzier da Rocha Nina, Luiz Mário da Silva, Álvaro Francisco Neves, Francisco de Assis Mourão, Júlio Rocha, Aureliano Rodrigues, Paulo Marinho, Carlos Alberto (aka “Kiru”), Ricardo Marinho, Esmeralda Lobo Fontes, Paulo Soares Neves, João Barros Carlos, Luiz Carlos (aka “Lula”), Clemilton, Aércio Gusmão, Rui Barbosa, Leni da Rocha Nina, Margareth Marinho Chã, Almir Barros Carlos e Carlos Alberto Ramalhosa.
A ideia da moçada era apenas se divertir durante o desfile e nada mais.
Três anos depois, no dia 24 de dezembro de 1979, surgiu, entre eles, a ideia de criar um bloco de carnaval verdadeiramente competitivo, para desbancar o então hegemônico bloco Andanças de Ciganos e colocar um pouco mais de pimenta na disputa, já que o bloco da Cachoeirinha não tinha concorrente.
Da conversa entre os brincantes, surgiu o nome “Sem Compromisso”, sugerido pelo músico Assis Mourão, que sinalizava para uma postura mais livre, leve e solta, mais “descompromissada”, digamos assim, com a rigidez dos blocos de enredo.
As cores (amarelo e preto) adotadas pelo bloco, eram uma homenagem ao encontro das águas, sendo o preto, o rio Negro, e o amarelo, o rio Solimões.
Como símbolo do bloco foi escolhido o tucano, por ser um pássaro da fauna amazonense e ter como cores predominantes em sua plumagem o amarelo e o negro.
O cantor Pedrinho Ribeiro e o músico Assis Mourão, durante uma apresentação no bar Chefão
Em 1980, com o enredo “Jurupari – O Encanto da Selva”, o bloco Sem Compromisso desfila pela primeira vez na avenida.
Apesar das fantasias e alegorias bem elaboradas, o bloco conquista apenas o terceiro lugar.
Em vez de chorar sobre o leite derramado, o Sem Compromisso não perde tempo para ir à forra no ano seguinte.
Olheiros foram despachados para o Rio de Janeiro, com o intuito de saber as novidades que estavam rolando nas escolas de samba – e não nos blocos, como seria de se esperar.
Vários carnavalescos, aderecistas e figurinistas foram contratados a peso de ouro e se mudaram de malas e cuias para Manaus.
O bloco estava disposto a revolucionar o carnaval de rua amazonense. Conseguiu.
No ano seguinte, o Sem Compromisso trouxe como enredo “O Mundo Encantado das Crianças”, onde homenageava o dramaturgo Américo Alvarez (mais conhecido como “Vovô Branco”), um dos baluartes do teatro infantil em nosso Estado.
As fantasias riquíssimas, os carros alegóricos fantásticos, as alegorias de extremo bom gosto, e as mulheres, de uma beleza deslumbrante, iluminaram a avenida.
O bloco também apresentou em seu desfile os mais conhecidos personagens infantis das histórias em quadrinhos de Walt Disney, além de personagens do Sítio do Pica-Pau Amarelo, genial criação do escritor Monteiro Lobato.
O cantor Américo Madrugada, acompanhado de Rinaldo Buzaglo, Macca e Celito, defendeu o samba-enredo no gogó e levantou a galera nas arquibancadas. Foi um massacre.
O desfile do Sem Compromisso foi tão apoteótico, que o então governador do Estado, José Lindoso, praticamente intimou o bloco a repetir a dose na abertura do desfile das escolas de samba, que passara a acontecer na terça-feira gorda.
O bloco Andanças de Ciganos, que havia feito um bonito desfile, com o enredo “Saravá, Vinicius de Moraes!”, onde homenageava um dos melhores poetas de nossa língua, ficou inconformado com o segundo lugar.
– Não perdi o hexacampeonato para um bloco, mas sim para uma escola de samba disfarçada de bloco! – desabafou Mário Adolfo. “O Sem Compromisso fez um belo carnaval, mas na categoria de escola de samba, não na categoria de bloco”, explicou. “A comissão julgadora deixou se envolver pelo excesso de carros alegóricos, esquecendo que bloco se faz com samba no pé e no gogó”.
O ano de 1982 ficou sub-repticiamente acordado para ser a data do grande tira-teima entre os dois maiores blocos de enredo da cidade.
O bloco Andanças de Ciganos apresentou logo suas armas: “Amado Jorge Amado”, em que homenageava o escritor baiano pelo cinquentenário de seu livro “No País do Carnaval”.
Os artistas plásticos Jorge Palheta e Marius Bell ficaram encarregados de transformar os principais personagens dos romances de Jorge Amado em alegorias hiper-realistas e deram conta do recado.
Composto por Mário Adolfo, Armando, Marivaldo e Felica, o samba-enredo era uma pequena obra-prima, que rapidamente passou a fazer parte do repertório dos sambistas locais:
“Meu Senhor do Bomfim/ Chegou a hora quero homenagear/ Um de seus maiores filhos/ De talento e muito brilho/ Na avenida vou cantar/ Nos acordes de um violão/ Falar de um homem/ Que me toca o coração/ Chega Xangô/ Orixá contra o mal/ Salve o escritor/ Do País do Carnaval/ Seu nome é Jorge/ Como o Santo Guerreiro/ Só que este é mensageiro/ Da cultura popular/ Foi dando amor/ Que virou Jorge Amado/ Hoje é lembrado e consagrado/ No celeiro universal/ O seu berço é a Bahia/ Do cacau e acarajé/ Berimbau e capoeira/ Do folclore e candomblé/ Este é o reino dourado/ Do amado Jorge Amado/ Que fez da vida um romance/ De ternura e de pecado/ Ôôôôôô/ Quero ser o terceiro marido/ de Dona Flor”.
O bloco também resolveu se armar igual a uma escola de samba, com Comissão de Frente, 600 brincantes distribuídos em dez alas (“Passistas”, “Dona Flor”, “Gabriela”, “Baianas” etc.), cinco carros alegóricos, quatro destaques com fantasia de luxo em tripés, 120 ritmistas e o conhecido Carlinhos de Pilares, intérprete oficial da Caprichosos de Pilares (RJ), como puxador de samba.
Mestre Carioca comandando uma rodada de samba no Barraka's Drinks, ao lado de Sici Pirangy, Kleber Fernandes e Marivaldo
A certeza de que o título daquele ano estava garantido começou a se transformar em convicção depois que Edir Pedro Batista (aka “Mestre Carioca”), ex-chefe de bateria dos Ciganos e então destaque da ala de Passistas, conquistou o prêmio “Cidadão Samba-82”, no concurso da Emamtur.
O título de “Imperatriz do Samba-82” ficou com Esmeralda Pereira dos Santos, presidente e fundadora do Cordão das Lavadeiras.
Ainda curtindo as glórias pelo desfile apoteótico do ano anterior, o bloco Sem Compromisso preferiu ficar sonegando informações sobre o que iria mostrar no carnaval daquele ano.
Escondeu quanto pôde seu enredo (“Paraíso Tropical – Uma viagem ao coração do Brasil”) e ninguém tomou conhecimento do samba-enredo, que era cantado timidamente na quadra da escola.
Tudo não passava de uma autêntica cortina de fumaça armada pelo estrategista Antonio Carriço, dono do famoso Bar Amoricana, ali na rua Jonathas Pedrosa, na Praça 14, e uma espécie de patrono do bloco.
Quando o Sem Compromisso entrou na avenida, os piores pesadelos dos Ciganos estavam de volta.
Enquanto isso, muito em surdina, os integrantes do bloco Reino Unido da Liberdade estavam trabalhando arduamente para fazer um carnaval impecável e colocar água no chope dos dois blocos arquirrivais, logo em seu desfile de estreia.
A ideia deles era chegar de mansinho e comer o título pelas beiradas.
Para isso, Bosco Saraiva e Jairo Beira-mar haviam reforçado o bloco com novos sambistas: Ismar Machado (aka “Cara de Pandeiro”), Caubi, Shazan, Donalber Machado (aka “Fiscal”), Alberlane Passos (aka “Baré”), Abaête Palha, Chiquinha, Roberta, Marilza, Ivan de Oliveira, Niceias Magalhães, Clodoaldo Santos, Francisco Bambolê, Freitas, Lenira, Wilson Cruz, João Marinho, Ricardo Cabral, Gilsinho Poeta, Osmir Medeiros, Eldo Coelho, Roberto Aragão, José Reis, Pedrão e Fausto, entre outros.
O bloco escolheu como tema “Espanha 82 – Brasil Tetracampeão”, que era o sonho de todos os brasileiros.
O artista plástico, escultor e músico Pepe Fonan assumiu o papel de carnavalesco e desenhou as fantasias, alegorias de mão e os quatro carros alegóricos.
O consulado da Espanha municiou os brincantes com informações culturais, dados estatísticos e curiosidades típicas do país. A comunidade começou a participar ativamente dos ensaios.
Cerca de 400 brincantes se escalaram para participar do desfile.
A bateria contava, então, com 80 ritmistas da melhor qualidade.
Composto por Bosco Saraiva, o samba-enredo misturava as duas paixões do brasileiro (“futebol e carnaval”) e tinha um ritmo bastante empolgante:
“Hoje só quero alegria/ Quero cor e fantasia/ Num vendaval de euforia/ Que revela um povo campeão/ Quero ver toda gente/ Sambando contente por toda a nação/ E a torcida unida, feliz da vida cantando o refrão/ De pé em pé, que sensação/ Olé, Olé, Brasil tetracampeão/ A ginga, o passe, a beleza/ Do nosso time, que esplendor/ É luxo, é arte, é riqueza/ É futebol, é amor/ Risos, calor e delírio/ Contagia o Reino Unido e o povão/ Festeja com alegria, o tetra de nossa seleção”.
Naquele ano, a Emamtur havia criado novas regras para o desfile e dividido as agremiações em quatro categorias.
O grupo A era formado pelas escolas de samba (Em Cima da Hora, Barelândia, Aparecida, Uirapuru, Vitória Régia, Unidos da Raiz e Unidos de São Jorge).
O grupo B era formado pelas batucadas e blocos de enredo (Andanças de Ciganos, Sem Compromisso, Reino Unido da Liberdade, Acadêmicos do Rio Negro, Balaku-Blaku, Império da Cidade Nova, Batucada Nacional na Folia, Mocidade da Alvorada, Cordão das Lavadeiras etc.).
O grupo C era formado pelos blocos de embalo com mais de cem brincantes (Belezas Naturais, Carnavalescos de Santa Luzia, O Boi e o Burro a Caminho do Carnaval, Jovens Livres na Folia, Caxangá na Folia, Taboca, Kadê o Mé?, Mocidade da Ipixuna, Império de São Jorge, Rabo Fino na Folia etc.).
O grupo D era formado pelos blocos de embalo com menos de cem brincantes (Manda Brasa na Folia, Águia Branca, Cabana do Pai João, Seringueiros, Olha Nós Aí, Pássaro Japiim, Os Assumidos, Piratas na Folia etc.).
Os blocos desfilavam no domingo e na segunda-feira, de acordo com um sorteio. As escolas de samba desfilavam na terça-feira.
Pelo sorteio, o bloco Andanças de Ciganos foi o quarto bloco a desfilar no domingo, depois do Águia Branca e antes do Império da Cidade Nova.
O Reino Unido da Liberdade foi o sétimo bloco a desfilar na segunda-feira, depois do Belezas Naturais e antes do Sem Compromisso, que seria seguido pelo Acadêmicos da Cidade Alta.
Ninguém tinha dúvidas de aquela seria uma guerra de foice no escuro, com resultados imprevisíveis. A batata quente estava nas mãos dos jurados.
No desfile de domingo, o Andanças de Ciganos surpreendeu ao mostrar na avenida um carnaval original, criativo e com muita alegria.
A Comissão de Frente, com malandros estilizados alusivos ao personagem Vadinho, do livro Dona Flor e seus dois maridos, arrancou gargalhadas e muitos aplausos da plateia.
O samba-enredo funcionou muito bem, garantindo, junto com a bateria, uma evolução empolgante.
Aliás, a bateria do Mestre Louro, vestido com traje de gala, foi a única a manter o ritmo de batimentos do início ao fim do desfile, numa apresentação que lhe garantiu o Estandarte de Ouro, de A Crítica, de melhor bateria.
Destaque para a originalidade do fechamento do desfile, com a última ala inspirada no carnaval de 1931, ano de lançamento do livro No País do Carnaval, simulando um desfile com fantasias alusivas a óperas.
Nunca a expressão “o carnaval é uma ópera de rua” foi tão bem representada.
No desfile da segunda-feira, para quem estava desfilando pela primeira vez, a agremiação do Morro da Liberdade fez um carnaval tecnicamente perfeito, faltando, no entanto, um bom enredo.
O destaque ficou por conta da garra da escola, que impressionou a plateia, com todos os componentes cantando e dançando, dando um verdadeiro show em evolução e harmonia, fazendo um excelente e emocionante desfile.
O samba-enredo também funcionou muito bem. O carnavalesco Pepê Fonan mostrou na avenida fantasias e alegorias que, além da beleza, estabeleceram uma excelente comunicação com o público.
A bateria foi um destaque à parte, tendo sido aplaudida de pé durante o desfile.
O diabo é que o Sem Compromisso não estava pra brincadeira.
O bloco não veio apenas com o dobro do número de brincantes do Andanças de Ciganos (1.500 pessoas em 15 alas), mas levou para avenida seis carros alegóricos deslumbrantes, que não fariam feio nem no desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro.
Além disso, o enredo também foi muito bem representado, com uma leitura fácil e proporcionando momentos de grande emoção (basta lembrar que uma única ala alusiva à Copa do Mundo, na Espanha, continha todo o enredo do Reino Unido).
Somem-se a isso as fantasias e alegorias de apurado bom gosto e aí estava a receita para ganhar o carnaval.
Aliás, quem acreditava que a empolgação do bloco fosse prejudicada pelo excesso de alas também quebrou a cara.
O Sem Compromisso realizou um desfile empolgante, irrepreensível, marcado pela impecável cadência do Mestre Cabeça e acabou proporcionando um dos desfiles mais bonitos da avenida.
Ganhou o título com méritos, porque foi deslumbrante na avenida.
O Andanças de Ciganos amargou novamente um segundo lugar, mas o estreante Reino Unido da Liberdade começou com pé direito e obteve a terceira colocação.
A partir de 1983, por determinação da Emamtur, tanto o Sem Compromisso quanto o Andanças de Ciganos se transformaram em escolas de samba do grupo especial.
Para o bloco Reino Unido aquilo foi um presente dos deuses.
Agora que os “cachorros grandes” haviam sido removidos do caminho, os meninos do Morro não iam deixar passar a oportunidade de se consagrar como o maior “bloco de embalo do país”, apesar de ainda estarem competindo como bloco de enredo.
Nesses 28 anos de competição no grupo especial, o GRES Sem Compromisso ganhou dois títulos e o GRES Andanças de Ciganos, um título e um vice-campeonato.
Muito pouco para aqueles que foram os dois maiores blocos de embalo da história do carnaval amazonense.
Há uns três anos, Antonio José Carriço encontrou o Mário Adolfo em um evento e cantou a pedra:
– Porra, Mário Adolfo, a maior cagada que a gente fez foi deixar a Emamtur transformar nossos blocos de enredo em escolas de samba. A gente não tinha talento pra armar escolas de samba, nossa praia eram os blocos de enredo.
– Também acho! – devolveu Mário Adolfo. “O Andanças de Ciganos e o Sem Compromisso nem precisavam disputar mais nada, seriam hors concours. A gente ia ter a mesma importância que os blocos Cacique de Ramos e Bafo de Onça têm no carnaval do Rio de Janeiro. Eles não concorrem em nenhuma categoria, mas cada um atrai no seu desfile quase 5 mil brincantes!”
Os dois pretendiam discutir essas idéias nas respectivas comunidades, após o carnaval de 2011.
Com a morte prematura de Antonio Carriço, o sonho acabou!
No dia 28 de fevereiro de 2011, o portal D24AM publicou a matéria “Jornalista lança livro contando a história da Andanças de Ciganos”:
Para entrar no clima de carnaval, as Lojas Bemol vão fazer o relançamento do livro “Meu Bloco na Rua”, de autoria do jornalista amazonense Mário Adolfo.
A obra conta a trajetória vitoriosa da agremiação do bairro de Cachoeirinha que, coincidentemente, retorna este ano ao Desfile Especial das escolas de Samba de Manaus.
O lançamento acontecerá no dia 01 de março (terça-feira), às18h30, na Bemol do Amazonas Shopping.
O lançamento acontecerá num bom momento. Primeiro, versa sobre a história de uma escola de samba, G.R.E.S. Andanças de Ciganos, depois ocorre em pleno período momesco e, terceiro, coincidentemente, a escola está retornando ao Grupo Especial das Escolas de Samba de Manaus. Quer melhor momento que este? - comentou o autor.
Lenda do carnavalesco
No período de 1976 a 1980, o bloco carnavalesco Andanças de Ciganos conquistou o título inédito de Penta-campeão do carnaval de Rua do Amazonas, de forma consecutiva.
Em 81 e 82 foi vice, até se transformar em Escola de Samba por sugestão da Empresa Amazonense de Turismo (Emamtur).
Essa história, marcada por acontecimento pitorescos e fatos que mudariam por rumos do carnaval amazonense está sendo contada no livro “Meu Bloco na Rua” de autoria do jornalista e cartunista Mário Adolfo, um de seus fundadores.
O livro, que tem prefácio do escritor Simão Pessoa, foi lançado dia 05 de fevereiro de 2010, na quadra do G.R.E.S Andanças de Ciganos, à Rua Borba.
Em 300 páginas, Mário desenvolve uma narrativa traçando um paralelo entre a trajetória do bloco criado por um grupo de universitários, em 1976, e a própria história do bairro da Cachoeirinha, seus personagens, logradouros e prédios históricos, como o Palácio Rodoviário, o famoso Cine Ypiranga e o grupo Escolar carvalho Leal, onde o jornalista estudou na infância.
“Meu Bloco na Rua” também revela a forma ousada como o Andanças de Ciganos mudou a história do carnaval de rua amazonense, que na década de 70 ainda era um movimento de “mascarados” de porre atirando talco e lança-perfume uns nos outros.
Para mudar essa postura, Mário Adolfo, Simone Pessoa, Sérgio Mubarac, Rui Assunção, Antídio Weil, Simão Pessoa, Wilson Fernandes, Sici Pirangy e outros fundadores colocaram na rua um bloco recheado de universitários, belas garotas, crianças em companhia dos pais, fantasias de fino acabamento e enredos politicamente corretos, como “Grito da Selva”, contra a venda da Floresta Amazônica; “Demarcação – Em Defesa das Terras Indígenas”; “O Mundo Encanto de Charlie Chaplin”, que homenageou o comediante no ano de sua morte; “Saravá Poeta”, em memória do poeta Vinícius de Moraes; e “Amado Jorge Amado”, homenageando os 50 anos do livro “O País do Carnaval”, do escritor baiano.
“Esse enredo valeu uma carta de Jorge Amado endereçada a mim, que até hoje está num quadro, no meu ateliê de desenho”, conta o autor do livro.
Na ocasião do enredo, Mário escreveu uma carta convidando Jorge a vir desfilar nos Ciganos e ainda anexou uma fita cassete com a gravação do samba que compôs em parceria com Armando e Felisberto Felica.
Acontece que o escritor e a mulher, escritora Zélia Gatai estavam de viagem marcada para os Estados Unidos, o que impossibilitou a vinda a Manaus.
Simpático, Jorge resolver escrever assim mesmo, agradecendo a homenagem e pedindo fotografias e matérias jornalísticas do desfile.
Mário Adolfo é formado em jornalismo pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), está na área há 33 anos, onde já exerceu cargos de repórter especial, editor assistente, diretor executivo e diretor de redação.
Ganhou dois Prêmios Esso de jornalismo. Em 1985 (A Crítica), 1997 (Em Tempo) e o Prêmio Caixa Econômica de 1995 (Em Tempo), além do Ecologia 2000.
O jornalista também é o criador do personagem Curumim, o último herói da Amazônia.
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