Ismael
Silva, Mário Lago, Cartola e Nelson Cavaquinho
“Ontem,
com alguns amigos – Prudente, Sérgio – passei uma noite que
quase ficou de manhã a ouvir Pixinguinha, um mulato, tocar em flauta
coisas suas de carnaval, Donga, outro mulato, no violão, e o preto
bem preto Patrício a cantar. Grande noite cariocamente brasileira.”
O
autor do relato se assina Gilberto.
A
noitada foi no Rio de Janeiro, em 1926, em um café na Rua do Catete,
fechado para a ocasião.
Prudente
e Sérgio eram os jovens intelectuais Pedro Dantas Prudente de Moraes
Neto e Sérgio Buarque de Hollanda. Donga é o autor de “Pelo
Telefone”. Patrício é o cantor Patrício Teixeira. Pixinguinha é
Pixinguinha.
E
quem assina o relato é o futuro autor de “Casa-Grande e Senzala”,
Gilberto Freyre, recém-chegado ao Rio.
Querendo
conhecer a música popular carioca, Gilberto foi levado ao encontro
por Sérgio Buarque e Pedro Dantas, que providenciaram ainda as
presenças dos músicos Sebastião Cirino e Nelson Alves.
Heitor
Villa-Lobos também é citado posteriormente no texto como estando
presente.
O
interesse da intelectualidade pelo samba foi constante nos anos 20.
Gilberto Freyre confirmou algumas teses sobre a cultura brasileira
naquele encontro, por ele várias vezes mencionado.
Villa-Lobos
não escondia o encantamento pela música popular, desfilando em
cordões carnavalescos, visitando escolas de samba, ouvindo
compositores populares.
Foi
o principal articulador das gravações feitas pelo maestro Leopold
Stokowski no Brasil, registrando música popular, depois lançada em
disco nos Estados Unidos.
Manuel
Bandeira também se chegou aos poetas do povo, consciente do valor
que a arte instintiva ocupa na cultura.
Apresentado
ao compositor Sinhô, ficou fascinado por sua personalidade.
Bandeira
analisaria o compositor em três crônicas, “Na Câmara-Ardente de
José do Patrocínio Filho”, “O Enterro de Sinhô” e
“Sambistas”.
Em
menos de vinte anos o samba saía das garras da repressão e se
transformava em símbolo da música brasileira.
Dona
Zica e Cartola
“Chega
de demanda / Chega / Com esse time temos que ganhar / Somos da
Estação Primeira / Salve o Morro da Mangueira”.
Aborrecido
com a discriminação (justa) que os integrantes dos demais blocos de
carnaval da Mangueira tinham com seu Bloco dos Arengueiros, o
compositor Cartola descia as ladeiras, enquanto compunha esse
verdadeiro samba-manifesto, que conseguiu o milagre de unir todos os
sambistas do morro em torno de uma só bandeira, fazendo surgir a
Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira.
Os
anos 20 chegavam ao fim, o morro estava lotado de famílias de
trabalhadores que, procurando moradia barata, escolheram a colina
famosa.
A
mesma que já fora chamada de “Petrópolis dos pobres”, no início
do século, pelos bons ares que lá se respirava.
O
Velho Morro dos Telégrafos começou a ser habitado pela gente
humilde, que erguia suas casas entre as mangueiras naturais, subindo
as construções pelos lados norte e sul, até se encontrarem no
topo, por volta de 1919.
Gente
humilde, mas festeira, e se contavam por lá os blocos carnavalescos
dos Guerreiros das Montanhas, Triunfos da Mangueira, Pérolas do
Egito, Siri Com Arroz, Mestre Candinho, todos eles mantendo boas
relações com os ranchos Pingo do Amor e Príncipe das Matas.
Foi
então que apareceu o tal de Arengueiros, bloco da rapaziada braba,
que saía para fazer arruaça e provocar confusão.
Era
natural, portanto, que sofressem uma discriminação crescente dos
demais moradores.
Paulinho
da Viola, Aracy de Almeida, Albino Pinheiro, Carlos Cachaça, Cartola
e Clementina de Jesus
Porém,
naquele ano de 1929, um garoto de menos de 20 anos percebeu que seu
amor pelo morro e pelo samba eram exatamente iguais. Que acabara de
surgir no bairro do Estácio de Sá um movimento novo chamado “escola
de samba”, uma grande ideia. Que os melhores batuqueiros eram os
Arengueiros, mas que, sem a ajuda dos outros blocos, nada poderiam
fazer. Que eles tinham de se regenerar e atrair os outros blocos para
fundar sua própria “escola de samba”.
O
próprio Cartola conta como foi:
“Foi
na casa do seu Euclides (Euclides Roberto dos Santos), no número 21
do Buraco Quente, que a gente se reuniu. Estávamos lá, eu, o Satur
(Saturnino Gonçalves), o Zé Espinguela (José Gomes da Costa), o
Abelardo da Bolinha, o Pedro Caim e o Massu (Marcelino José
Claudino). Resolvemos nos organizar.
–
Vamos fazer uma coisa séria?
–
Vamos!
Não
tínhamos nada. Dançar e ensaiar era na rua. Arranjamos uma casa,
mas no início só apareciam umas trinta pessoas. No ano seguinte
organizamos em definitivo a Estação Primeira de Mangueira. Com esse
nome, por ser a primeira estação da Central do Brasil que tinha
samba. Com as cores verde e rosa que eu escolhi por serem do rancho
Arrepiados, que eu frequentava com meu pai, quando era menino nas
Laranjeiras. Aí já tínhamos local para ensaiar e o pessoal foi se
chegando aos poucos.
Os
Arengueiros, os que não prestavam, começaram a impor respeito e
organização. Saímos no ano seguinte, ainda com pouca gente, mas já
representando o Morro. Fomos disputar com o Estácio, com a Favela.
Foi então que fiz o samba “Chega De Demanda” e os demais blocos
foram se chegando. O amor ao morro falou mais alto. Convencidos que
estávamos mudados, todos se uniram conosco, era o nome da Mangueira
que estava em jogo. Acabaram-se os bloquinhos, fez-se a junção
geral. Nasceu a poderosa Estação Primeira de Mangueira”.
Bloco
dos Arengueiros, criado em 1923, deu origem a Estação Primeira da
Mangueira
Na
valentia no morro da Mangueira, Chico Porrão era destaque. Forte
como um touro, não enjeitava parada, além de ser grande figura do
Bloco dos Arengueiros. “Brigava bem de pau, mas preferia navalha”,
contava Cartola.
Quando
resolveu tomar juízo (como todos os Arengueiros), acabou sócio
número 1 da Mangueira. Durante muitos anos, ele teve importante
atuação como dirigente da escola.
Cartola
também disse que não adiantara nada o escrivão anotar Carlos
Moreira de Castro na certidão de um de seus melhores amigos de
infância.
O
pai, Carlos Moreira de Castro, e a mãe – rainha sem nunca ter
coroa – Inês de Castro, bem que imaginaram uma profissão para o
filho: médico, advogado ou diplomata.
Local do nascimento? Morro da
Mangueira. Resultaria em quê? Carlos Cachaça, poeta maior da nação
mangueirense.
A
Mangueira quer as glórias pioneiras de ser a primeira escola a
desfilar com figuras de destaque e a primeira campeã dos desfiles a
apresentar samba-enredo antes das demais.
Tais itens são
controversos, nenhum podendo ser confirmado historicamente.
Aquele
que mais se aproxima da verdade – e não é favorável aos
mangueirense – é o da criação do samba-enredo.
Em
1933, a Estação Primeira desfilou com um samba de Carlos Cachaça,
“Homenagem”, focalizando poetas brasileiros, entre eles o baiano
Castro Alves.
O
tema do enredo era a Bahia, e como o samba já estava pronto – não
havia tempo para compor outro, exclusivo para o desfile –, foi
adotado pela escola como solução.
No
mesmo ano, a Escola de Samba Unidos da Tijuca desfilou com o enredo
“O Mundo do Samba”.
Por
obedecer o regulamento, que pedia três sambas inéditos sobre o
tema, ganhou – segundo a imprensa da época – todas as honras de
ter inventado o samba-enredo, que não é outra coisa senão um samba
de acordo com o enredo.
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