sexta-feira, 29 de maio de 2015

Uma história que deu samba (7)


“Quem não chora, não mama/ Segura meu bem, a chupeta/ Lugar quente é na cama/ Ou, então, no Bola Preta”.
Enquanto os versos famosos do hino do Cordão da Bola Preta não forem entoados, no centro do Rio de Janeiro, ao meio-dia do Sábado Gordo, precedidos das tradicionais clarinadas, o carnaval carioca não estará oficialmente aberto.
O que acaba sendo mais uma ironia da mui heroica e leal cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, famosa por seu bom humor.
Acontece que o Bola Preta nasceu para brigar com as autoridades e, mesmo sem abrir mão de sua posição, contestando e protestando a cada carnaval, por meio de suas fantasias, desfiles e músicas, acabou sendo escolhido para abrir, a cada ano, o carnaval oficial da cidade.

Não importa que, já há muito tempo, a folia comece até quinze dias antes da data marcada no calendário, ela só vale oficialmente depois que o Cordão da Bola Preta desfilar.
Estudiosos garantem que o cordão (cuja primeira citação na imprensa aparece em 1886) surge como uma sátira popular, desabafo anônimo e coletivo contra o estabelecimento de fatos que desagradem ou prejudiquem o povo.
No caso da origem, foram o vice-reinado português e depois o próprio D. João VI e sua corte, os alvos das brincadeiras dos cordões.
Dentro dessa filosofia, surgiu o que viria a ser o mais famoso deles, o Cordão da Bola Preta.
Álvaro de Oliveira era o que se chamava na época – final dos anos 20 – de um folião de quatro costados.
Ele soube pelos jornais que o chefe de polícia, Dr. Aurelino Leal (o mesmo que com sua ordem contra os cassinos clandestinos, em 1916, dera origem ao samba “Pelo Telefone”), baixara uma portaria determinando que “os grupos e cordões que perturbarem a ordem pública terão suas licenças cassadas, sendo os perturbadores presos e processados, na forma da lei”.

Foi o que bastou para que o corajoso K. Veirinha (apelido de Álvaro, também conhecido como Trinca Espinha) se dispusesse a topar a parada contra o chefão.
le reuniu os amigos de sempre – Chico Brício, Vaselina, Pato Rebolão, Fala Baixo, Porrete e outros, todos componentes da sua famigerada “turma do chope” –, nos bares da Galeria Cruzeiro, e planejaram a desobediência ao mandachuva.
Alugaram a sede do Clube dos Políticos, na Rua do Passeio, e no réveillon de 1918, com um “maxixético e rebolativo baile”, como explicitava o convite, consumaram a provocação. Era a primeira festa de milhares que se seguiriam.
O sucesso animou a turma a criar o clube e a data de 31 de dezembro de 1918 ficou definida como a da fundação.
O sobradão da Rua da Glória, 88, foi alugado e as festas ali jamais terminavam no mesmo dia. Começavam sábado à tarde e prosseguiam até a manhã de segunda-feira.

O clube, que não tem sócios, mas “irmãos”, ficou conhecido como reduto de artistas, ou “recanto de inspiração”. Ali compareciam nomes famosos da música popular e intelectuais famosos, como Ary Barroso, Mário de Azevedo e Patrício Teixeira.
Mas o Bola Preta só equilibrou suas finanças em 1939, na Rua Treze de Maio, depois de alugar um salão para um banqueiro do jogo de bicho (que então era legal), com o qual conseguiu até reserva de caixa.
Em 1942, o Cordão se mudou para o prédio do jornal O Globo e, finalmente, em 1950, inaugurou a luxuosa sede onde está até hoje, na Rua Treze de Maio, ocupando todo um andar.
Suas festas e seus bailes de carnaval continuam mais famosos e concorridos do que nunca. Muitas personalidades estão sempre presentes. Elizeth Cardoso e a cronista Eneida desfilavam por lá suas fantasias de pierrô.

É famoso o caso de um comandante de aviação que, na Europa, ficou sem seus documentos, restando-lhe apenas a carteira de sócio do Cordão da Bola Preta. A carteira foi reconhecida pelas autoridades e serviu para trazê-lo de volta ao Brasil.

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