sexta-feira, 29 de maio de 2015

Uma história que deu samba (14)


No domingo de carnaval de 1946, seu China conversava com amigos. Eles tomavam uma cervejinha na esquina da Praça Sete com Rua Barão de São Francisco, na Vila Isabel, quando se voltaram para o Bloco Acadêmicos da Vila, que passava.
Vestido de vermelho e branco, o bloco de Aílton Pinguim mostrava por que era admirado no bairro, desfilando organizado, todos fantasiados, isolados por uma corda, mais parecendo uma miniescola de samba.
A ideia estalou na cabeça de seu China. Por que não fundar uma escola de samba na Vila Isabel?
Após o carnaval, seu China (Antônio Fernandes da Silva, líder natural no bairro) tinha conquistado vários adeptos.
Em sua casa, na Rua Senador Nabuco, 248, casa 3, no Caminho Central, que dava acesso ao morro dos Macacos, foram realizadas as primeiras reuniões. Lá mesmo, no quintal, a nova escola faria os primeiros ensaios.
Seu China foi o “pai” da Unidos de Vila Isabel, cujas cores escolhidas, azul e branco, eram uma homenagem a ele, que fizera parte, antes, da Escola de Samba Azul e Branco, do morro do Salgueiro.
Em 4 de abril de 1946, a Escola de Samba Unidos de Vila Isabel estava fundada. Seu núcleo eram os antigos brincantes dos Acadêmicos da Vila e do bloco de D. Maria Tataia, formados por “gente de família”, vinda do morro dos Macacos, ao pé do qual repousa a Vila Isabel.
Presente de D. Pedro I à sua segunda esposa, D. Amélia Leutchemberg, a antiga Fazenda dos Macacos, comprada depois pelo Barão de Drummond (o inventor do jogo do bicho) e batizada em honra da princesa, então Regente, com o nome de Vila Isabel, berço de Noel Rosa, já tinha a sua escola de samba.


O primeiro presidente só poderia ser seu China. Os diretores eram Antônio Rodrigues, o Tuninho Carpinteiro, Paulo Gomes de Aquino, o Paulo Brasão, Osmar Marino, Joaquim José Rodrigues, o Quinzinho, e Cléber Pereira da Silva.
Também faziam parte da direção, Djalma Fernandes da Silveira, o Djalma Sapo, filho do seu China, José Leite, o Zé Leite, e Dulcinéia Gomes de Aquino, irmã a de Paulo Brasão e primeira diretora da ala das baianas.
Os compositores ainda não se haviam organizada em ala. Paulo Brasão, Tião Graúna, Rosário, Zezé Fonfon, Simplício, Djalma Sapo e Severo Gomes de Aquino, irmão de Brasão, foram os pioneiros.
Com o crescimento da Escola, surge a Ala de Compositores, acrescida de Marinho da Vila, Aílton Rocha, Paulinho da Vila, Gemeu, Irani, Jonas, Jarbas, Ciro Baiano, Mariano Luz, Zé Branco, Guadalupe (Hílton Alfinito), Aluísio Machado, Arroz, David da Vila, Betinho, Tuninho, Luiz Carlos da Vila e Carlinhos, entre outros.

Tião Arroz e Raquel Amaral formaram o primeiro par de mestre-sala e porta bandeira. O primeiro carnaval da Vila foi em 1947. O enredo, “De Escrava a Rainha”, foi musicado por Paulo Brasão e, no desfile da Praça Onze, a Escola ficou em décimo segundo lugar.
Episódio curioso retrata os primeiros tempos. José Leite, diretor da Escola, foi quem contou a Martinho da Vila: “Em 1949, quando a Vila Isabel conseguia autorização para ensaiar num pedacinho do campo da Portuguesa, foi um acontecimento. Teríamos, a partir dali, nossa própria quadra. Acontece que, no local, não tinha luz elétrica, chegara a data da estreia e o velho China dizia para que não nos preocupássemos. Nós, jovens, íamos à loucura. Não havia um fio esticado na quadra, e eu não via solução. De tarde, seu China me chamou, tomamos o bonde, descemos na Praça Tiradentes. Na loja Três Braços, ele comprou 12 lampiões a gás. Durante muito tempo ensaiamos à luz deles. Era lindo!”
O primeiro título da Vila Isabel foi em 1960, desfilando no Grupo 3, na Praça Onze, com samba de Geraldo Babão (compositor salgueirense, que teve seus tempos áureos de Vila), “Poeta dos Escravos”.
Como vice-campeã, em 1956, com o enredo “Três Épocas”, subiu ao primeiro grupo.
Em 1965, foi outra vez vice, com o enredo “Epopeia do Teatro Municipal”, no Grupo 2.
No ano de 1974, já no Grupo Especial, Martinho da Vila sofre censura em seu samba “Aruanã Açu”, sendo obrigado a cortar trechos e mudar o enredo, que virou exaltação à estrada Transamazônica.

Para inovar no ano seguinte, a Escola convida o teatrólogo Flávio Rangel para criar o enredo.

Ele confessa seu desconhecimento sobre o assunto, mas gostaria de trabalhar em conjunto e enfrentar o desafio. Fez uma clara dissertação sobre o teatro e mostrou que uma escola em desfile é a maior manifestação teatral possível.
Tinha baixado o santo e naquele momento nascia o enredo: “O Teatro Brasileiro – Quatro Séculos de Paixão”. O sexto lugar foi animador.
Em 1976, novamente com Flávio Rangel e o enredo “Invenção de Orfeu”, a colocação se repete.
Em seguida, cai para o Grupo 1B, no qual é campeã em 1979, com o enredo “Os Dourados Anos de Carlos Machado”.
Em 1980, com grande samba de Martinho, Rodolfo Souza e Tião Graúna, chega a vice-campeã do Grupo 1A, apresentando o enredo “Sonho de Um Sonho”.
O maior desfile da Vila foi em 1988, quando se sagrou pela primeira vez campeã do primeiro grupo, depois de quarenta e dois anos. “Kizomba, Festa da Raça”, enredo e samba de Martinho da Vila, conduziu a Escola para a vitória, no ano do Centenário da Abolição da escravatura.

Falando nisso, a Vila Isabel era diferente, antes de Martinho. O próprio Martinho também era outro, antes de frequentar a Vila Isabel, o bairro e a escola de samba.
Quando chegou por lá, era um sambista conhecido, mas como Martinho da Boca, o compositor que já fizera grandes sambas para a Escola de Samba Aprendizes da Boca do Mato e que, vez ou outra, aparecia na Vila Isabel.
Convidado a ficar, influenciou e foi influenciado. Virou Martinho da Vila.

Com a força de seu talento e a beleza de seus sambas, que se tornaram sinônimos da Unidos de Vila Isabel, uniram-se de maneira indissolúvel a Vila de Martinho e Martinho da Vila. 
Tanto quanto ontem foi Noel Rosa, hoje Martinho é Vila Isabel e ambos são eternos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário