Clementina
de Jesus, Pixinguinha e João da Baiana
“Recebemos
a denúncia de que aqui se canta samba.” Com este tipo de aviso a
polícia invadia os locais onde aconteciam principalmente
manifestações religiosas de negros, prendendo pais e mães-de-santo.
A
crônica policial registrava as batidas, geralmente com deboche, e
apoiava a ação policial, que atingia também os sambistas, já que
era hábito cantar samba depois do culto religioso.
O
ato de portar um violão era motivo até de prisão, contou o
compositor Donga ao pesquisador Hermínio Bello de Carvalho: “O
fulano da polícia pegava o outro tocando violão, este sujeito
estava perdido. Perdido! Pior que comunista, muito pior. Isto que
estou contando é verdade. Não era brincadeira, não. O castigo era
seríssimo. O delegado te botava lá umas 24 horas de xadrez”.
Outro
depoimento sobre a guerra policial contra o samba é o de João da
Baiana ao jornalista Sérgio Cabral: “Fui preso muitas vezes e não
adiantava correr dos policiais. Quando menos se esperava, a cana
chegava e ia todo mundo para o xadrez. Tinha um delegado, o Meira
Lima, que implicava com as calças largas, luxo que malandro gostava.
Levava o preso para Delegacia e lá mandava seu ordenança, um
crioulão chamado Cidade Nova, apanhar tesoura, agulha e linha.
Cortava a calça verticalmente, diminuindo a largura, e se fosse
branca, Cidade Nova costurava com uns pontos enormes de linha preta;
se fosse escura, os pontos eram com linha branca e o malandro saía
de lá com calça funil alinhavada”.
Juvenal
Lopes, o famoso Nanal do Estácio, que foi mestre-sala do
Deixa-Falar, conta outra punição, em que os sambistas eram
amarrados pela barriga, com uma corda, e pendurados na altura da água
no casco do navio D. Pedro II para raspar a ferrugem.
João
da Baiana narra outro episódio: “A polícia perseguia a gente. Eu
ia tocar pandeiro na festa da Penha e a polícia me tomava o
instrumento. Houve uma festa no Morro da Graça, no palacete do
(senador) Pinheiro Machado e eu não fui. Pinheiro Machado perguntou
então pelo rapaz do pandeiro. Ele se dava com os meus avós, que
eram da maçonaria. Irineu Machado, Pinheiro Machado, Marechal
Hermes, coronel Costa, todos viviam nas casas das baianas. Pinheiro
Machado achou um absurdo e mandou um recado para que eu fosse falar
com ele no Senado. E eu fui. Ele então perguntou por que eu não
fora à casa dele e respondi que não tinha aparecido porque a
polícia havia apreendido o meu pandeiro na festa da Penha. Depois,
quis saber se eu tinha brigado e onde se poderia mandar fazer outro
pandeiro. Esclareci que só tinha a casa do seu Oscar, o Cavaquinho
de Ouro, na Rua da Carioca. Pinheiro pegou um pedaço de papel e
escreveu uma ordem para seu Oscar fazer um pandeiro com a seguinte
dedicatória: A minha admiração, João da Baiana. Pinheiro
Machado”.
Com
a descriminalização dos cultos afro-brasileiros, as coisas ficaram
mais brandas para os sambistas.
Os
Oito Batutas
Os
Oito Batutas em sua formação original: Jacob Palmieri, Donga, José
Alves Lima, Nélson Alves, Raúl Palmieri, Luiz Pinto da Silva, China
e Pixinguinha
Foi
em uma “república” de jovens músicos, na Rua Riachuelo, centro
do Rio de Janeiro, nos primeiros anos do século passado, que a
história começou. Na morada coletiva nasceria o Grupo de Caxangá.
A
formação se originou sob a inspiração do nome da toada “Cabôca
De Caxangá” e das músicas dos Turunas Pernambucanos e Turunas da
Mauricéia, que visitaram o Rio de Janeiro, criando muitos
seguidores.
O
grupo, já conhecido na cidade e identificado pelos chapelões de
palha de aba virada, tinha entre seus fundadores nomes que ficariam
famosos. João Pernambuco, Pixinguinha, Caninha, Bonfiglio de
Oliveira eram alguns, que receberam adesões importantes como as de
Quincas Laranjeira, Lulu Cavaquinho, Vidraça e China, irmão de
Pixinguinha.
No
carnaval de 1919, o Grupo de Caxangá foi convidado pelo Clube
Tenentes do Diabo, uma das grandes sociedades carnavalescas do Rio,
para ocupar um coreto ao lado de sua sede durante os três dias.
Foi
lá que o gerente do Cine Palais, Isaac Frankel, depois de ouvi-los,
fez o convite para apresentações na sala de espera do cinema.
Ele
queria, porém, um grupo reduzido e, como já conhecia Pixinguinha,
pediu-lhe que selecionasse oito integrantes do Caxangá e os batizou
como Os Oito Batutas.
Foi
o início do grupo que viria a ficar célebre na história da música
brasileira e o fim do Grupo de Caxangá, que não suportou a
debandada de suas principais estrelas.
A
formação original dos Batutas tinha Pixinguinha na flauta, Donga no
violão, China, violonista e cantor, Nélson Alves, no cavaquinho,
Raúl Palmieri, no violão, Luiz Pinto da Silva, na bandola e no
reco-reco, Jacob Palmieri, no pandeiro, e José Alves Lima, no
bandolim e ganzá.
A
estreia aconteceu em 7 de abril de 1919 e virou assunto em todo o Rio
de Janeiro. De Ruy Barbosa e Arnaldo Guinle a operários que passavam
na porta do cinema, todos paravam para ouvir os Batutas.
A
fórmula do sucesso era simples: até então todos os grupos musicais
da cidade tocavam música estrangeira, valsas, mazurcas e xotes.
Eles
resolveram inovar e a inovação funcionou como tratamento de choque:
chorinhos de Ernesto Nazareth, Joaquim Antônio Callado e de outros
autores contemporâneos, que faziam as pessoas suspirarem. Na
sequência, lundus, corta-jacas, cateretês e sambas.
O
êxito desses músicos, em sua maioria humilde e negra, tocando
música brasileira em ambiente de brancos, dividiu opiniões. Na
imprensa havia ataques e elogios. Mas com o apoio de Arnaldo Guinle –
que financiaria várias viagens do conjunto – e do jornalista
Irineu Marinho, dono do jornal A Noite, Os Oito Batutas consolidaram
o prestígio.
Eles
passaram a se apresentar em vários lugares, como no Teatro São
Pedro (hoje João Caetano), onde se encenava a opereta Flor Tapuya.
Foram aplaudidos por Alberto e Elizabeth, reis da Bélgica, em visita
ao Brasil, e excursionaram por vários estados para pesquisa musical
financiada por Guinle.
No
carnaval de 1921, o grupo foi a grande atração no desfile do
Tenentes do Diabo, cantando em cima de um carro alegórico. Tudo isso
chamou a atenção do bailarino brasileiro Duque – Antônio Lopes
de Amorim Diniz –, que dançando o maxixe com a francesa Gaby era a
sensação de Paris.
Foi
Duque que convenceu Arnaldo Guinle a financiar a viagem dos Batutas
para uma temporada na capital francesa.
Em
29 de janeiro de 1922, com sete elementos e rebatizado como Les
Batutas, um modificado grupo embarcou rumo à Europa, para se
apresentar no Dancing Scheherazade, em Paris. As mudanças
aconteceram porque os irmãos Palmieri e Luiz Pinto desistiram da
viagem. Em seus lugares entraram Sizenando Santos (pandeirista), José
Monteiro (cantor e ritmista) e J. Thomaz (ritmista).
Na
última hora Thomaz não viajou e assim o grupo virou Les Batutas ou
L’Orquestre des Batutas.
Mais
uma vez a imprensa se divide, torcendo o nariz por ver o Brasil
representado por negros e “música de gentinha”, ou elogiando a
oportunidade da Europa conhecer o que se fazia no país em termos de
música popular, por intermédio de um grupo extremamente talentoso.
Foram
seis meses de sucesso em Paris, onde uma parceria entre Duque e
Pixinguinha garantia no mais puro francês: “Nous sommes batutas,/
Batutas, batutas,/ Venus du Brésil/ Lei tout droit / Nous sommes
batutas, / Nous faisons tout le monde/ Danser le samba/ Le samba se
danse/ Toujours em cadence/ Petit pas par ci/ Petit pas pr lá/ II
faut de l’essence/ Beaucoup d’elegance/ Le corps se balance/
Dansant le samba”.
De
retorno ao Rio, os Batutas voltaram a ser oito (embora em algumas
fotos apareçam nove elementos, sendo o nono o empresário) e
desfrutaram da projeção internacional com apresentações no Jockey
Club e no Teatro Lírico, na companhia de revista francesa
Ba-Ta-Clan, no espetáculo V’la Paris.
Eram
o grande destaque musical do país quando embarcaram, em novembro de
1922, para temporada em Buenos Aires.
Novamente
modificado – da formação original ficaram Pixinguinha, China,
Donga, Nelson Alves e José Alves, e entraram J. Thomaz (bateria),
Josué de Barros (violão) e J. Ribas (piano) –, o êxito da Europa
se repetiu.
O
grupo gravou dez discos na Victor argentina, antes de se desentender,
depois do que quatro de seus integrantes retornaram ao Brasil.
Pixinguinha,
China, Josué e Ribas tentaram sobreviver com shows no interior do
país, mas a penúria foi tão cruel que Josué de Barros teve de
bancar o faquir em Rio Cuarto e ser enterrado vivo. Foi salvo pela
piedade da mulher do chefe da polícia, que interrompeu a exibição.
Repatriados
pela embaixada brasileira, eles voltaram ao Brasil para seguir
carreiras independentes, já que Os Oito Batutas – qual trágico
tango – “morreram” na Argentina.
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