Oh abre alas, que eu quero passar! (Chiquinha Gonzaga)
Neste ano da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de 2005, o carnaval de rua desta Manaus deixou de ser apenas prática para ser teoria (e quem sabe tese de mestrado, doutorado, pós-graduação, etc).
É que temos em mãos a história da BICA – Banda independente da Confraria do Armando -, tradicional banda carnavalesca fundada em 1987, lógico, no bar mais tradicional e conhecido da cidade, o Bar (doce bar) do Armando, localizado ao lado da Igreja de São Sebastião.
Escrito pelas mãos privilegiadas do escritor irreverente e biqueiro profissional Simão Pessoa, pelo colunista diário e também biqueiro de carteirinha Orlando Farias, pelo jornalista e cartunista Mário Adolfo, também biqueiro em tempo integral, e pelo poeta anarquista e agitador cultural Marco Gomes, outro biqueiro full-time, é uma obra-prima, ou melhor, um best seller sobre as origens da banda, todas as letras de seus enredos, inclusive antecedentes históricos, testemunhos políticos da época negra da ditadura, depoimentos existenciais, casos verídicos e histórias super-interessantes, muito antes do Bar do Armando ser o porto seguro que hoje conhecemos.
Trata-se de obra importante e de cunho histórico-político-carnavalesco da memória de Manaus, pois, em seu bojo, traz nomes conhecidos, figuras vivas, outras mais vivas ainda, que circulavam e que, a certa altura da mesmice baré de então, como nada havia para fazer, fundaram a BICA, cotizando-se entre si para as despesas necessárias para pôr um carro de som, mulheres e, claro, cerveja na rua (e na cabeça), quando, na verdade, não sabiam que eram genitores da banda mais animada, debochada e querida da capital amazônica.
O livro, como reconhecimento e carinho, não deixa de lembrar daqueles biqueiros que “viajaram” para outras “órbitas apoteóticas”, fundadores da banda ou figuras que a ela se chegaram e ficaram íntimos, como Ernesto Penafort, Silvério Tundis, Edson Ramos, Rosendo Lima, Antonio Paulo Graça, Theodoro Botinelly, Fátima Andrade, Celeste Pereira, Altemar Punk, Nonatinho Trotsky, Nestor Nascimento, Elaine Ramos, Cancela, Domingos Leite, Manoel Borges, Pepeta Close, Sabá Raposo, Índio Ivan, Mark Clark, Leomar Salignac, Áureo Nonato, Jomar Jr., Alcides Werk, Anthístenes Pinto, Luiz Almeida Marrom, José Carlos Marinho, Luizinho Sá, Padre Nonato, Valmir Teixeira, Waldemor Figueiredo e Crisanto Jobim, entre outros, que tanto deram de si para a pura brincadeira e alegria de Momo e que aqui, hoje, e sempre, recebem os nossos agradecimentos eternos. Axé.
Cabe, enfim, registrar que, assim como a BICA é uma entidade etílico-carnavalesca e sem fins lucrativos, este livro não tem a pretensão de enriquecer seus autores ou angariar fundos para fins ilícitos, a não ser ajudar a pagar a despesa das geladas do Simão, do Mário Adolfo, do Marco Gomes e do Orlando no final da noite.
Vamos contribuir, gente!!!
Francisco Cruz
Biqueiro-fundador oficial da BICA
sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011
Banda de Ipanema, onde tudo começou
A Banda de Ipanema é a mãe de todas as bandas carnavalescas do país e sua origem já faz parte da história cultural da Cidade Maravilhosa.
Conta-se que em 1959 o clima do bairro de Ipanema era de uma cidade de interior. Foi quando Ferdy Carneiro convidou alguns amigos para inaugurar um clube em Ubá (MG), durante o feriado de carnaval.
A turma de amigos, entre eles Albino Pinheiro, Paulo César Saraceni e J. Rui, presenciou uma manifestação carnavalesca tradicional na cidade, realizada pela famosa Banda Philarmônica Embocadura, que pertencia à família de Ferdy.
Era uma banda em que os pseudomúsicos saíam trajados de branco e com chapéu de palha, sendo que nenhum deles tocava instrumento algum.
Atrás, vinha uma banda de verdade, que animava o carnaval de Ubá, terra de Ary Barroso.
Quando Ferdy e seus amigos voltaram ao Rio, inspirados naquela animada festa que viram em Ubá, decidiram criar a sua própria banda.
Designer formado pela Escola Superior de Desenho Industrial, jornalista, programador visual, diretor de arte de agências de propaganda e artista plástico, Ferdy Carneiro, ex-diretor administrativo do Museu Carmem Miranda, falecido em 18 de outubro de 2002, era um mineiro apaixonado pelo Rio, boêmio “de carteirinha”, freqüentador das rodas de samba mais tradicionais e apreciador de bebidas.
Ele trabalhou no teatro e cinema – sua grande paixão – e escreveu no Pasquim.
No carnaval de 1965, ano do 4.º Centenário da Cidade do Rio de Janeiro, tendo como referência aquela banda de Ubá e outras idéias na cabeça, Albino Pinheiro, animador cultural e considerado “o prefeito espiritual da cidade do Rio de Janeiro”, por sua animação e carioquice, o designer Ferdy Carneiro, o cartunista Jaguar, futuro criador do jornal Pasquim, e mais alguns amigos fundaram a Banda de Ipanema.
Em um bar, Jaguar fez a lista com os nomes dos integrantes: trinta, ao todo.
Naquela época, primeiro carnaval após o golpe militar, quando era proibido juntar mais de 50 pessoas em local público, a Banda de Ipanema conseguiu reunir cerca de 10 mil foliões.
Desde o primeiro desfile, a banda exibe uma faixa com um lema – “Yolhesman Crisbeles” – que sempre intrigou o pessoal do antigo SNI, que deduzia ter ela um significado que, embora obscuro, certamente era subversivo.
A expressão enigmática, segundo um cordelista da Estação Pedro II da Central do Brasil, seria o grito do anjo exterminador no dia do Juízo Final.
Nascida da combinação de boêmios intelectuais com o espírito dos blocos carnavalescos dos subúrbios, a banda desfila 15 dias antes do carnaval, antecipando a folia carioca. Sempre teve padrinhos e madrinhas famosos.
A este fato, reporta-se Sérgio Cabral, em um seu livro O ABC de Sérgio Cabral, publicado em 1977: “Ser padrinho ou madrinha da Banda de Ipanema é uma grande honra, como se vê pelos nomes escolhidos nesses 12 anos de existência: Clementina de Jesus, Nássara, Eneida de Morais, Bibi Ferreira, Lúcio Rangel, João de Barro, Leila Diniz, Aracy de Almeida, Clara Nunes, João Nogueira, Oscar Niemeyer, Grande Otelo, Martinho da Vila, Nélson Cavaquinho e Cartola”.
Em 1976, Albino Pinheiro convidou Beth Carvalho para madrinha. Como ela havia viajado para a Europa, Albino convocou Bibi Ferreira para o lugar.
Beth Carvalho, entretanto, largou Paris e correu para pegar o desfile da banda, quando encontrou Bibi Ferreira em seu lugar.
A cantora ficou tão chateada que recusou o convite para ser madrinha do desfile de 1977. “Só aceito em 1978”, disse ela, vingando-se da hesitação do comandante Albino Pinheiro.
Nessa época, a banda chegava a desfilar com mais de 20 mil foliões.
Cabia às irmãs gêmeas Laura e Delia (então com mais de 80 anos) e, ainda, às irmãs Judith e Hilda boa parte da alegria no desfile.
O percurso da banda é sempre o mesmo: Praça General Osório, rua Teixera de Melo (na contramão), avenida Vieira Souto, rua Joana Angélica, rua Visconde de Pirajá, e retorno à praça General Osório.
Logo na primeira saída da banda, os componentes perceberam a força e o carisma que tinha naquilo que restituía o carnaval de rua. Mas apenas uma banda em Ipanema não bastava.
A faixa, que trazia escrito “Uma Banda em Cada Bairro”, carregada durante o primeiro desfile, tinha o objetivo de fazer com que mais pessoas aderissem à animada festa. E foi isso que aconteceu.
Em pouco tempo, muitas bandas surgiram e várias pessoas deixaram de sair do Rio de Janeiro devido a propagação desta folia.
Ferdy Carneiro e sua turma batizaram algumas destas bandas. A do Leme foi a primeira, depois a do Cardeal Arco-Verde e até bandas de outros estados.
A Banda de Ipanema ressuscitou o carnaval de rua que parecia esquecido.
Conta-se que durante o Regime Militar, duas agentes do Serviço Nacional de Informação (SNI) infiltraram-se no desfile da banda disfarçadas de senhoras da terceira idade, querendo descobrir “códigos subversivos”.
A resistência ao regime militar, porém, não se restringiu ao deboche. Nos anos de chumbo, Albino e Jaguar organizavam festas para arrecadar dinheiro para as famílias dos presos políticos e para o Partido Comunista.
Entre os nomes que colaboraram estavam Carlos Drummond de Andrade, Paulo Mendes Campos, Oscar Niemeyer, João Saldanha e Ziraldor.
Histórias curiosas envolvendo personalidades famosas proliferam na folclórica trajetória da Banda de Ipanema. Uma delas ocorreu no ano em que Tom Jobim foi padrinho do bloco.
Alguém notou que o maestro desfilava com um tênis novo em folha e perguntou se ele o havia comprado especialmente para o carnaval.
Ao que o maestro respondeu: “Pedi a Deus um tênis novo para desfilar. Bem, pelo menos, foi o que Ele entendeu”.
Outra história bem inusitada se passou com o boêmio Hugo Bidet, que alugou um cavalo branco e, com farda militar de general, entrou na rua Jangadeiro, tomando um chope sem descer do pangaré.
Casos interessantes se passaram durante o desfile da banda, como o da reaproximação de João Saldanha e sua mulher Teresa, refazendo um casamento desfeito há alguns meses.
Uma das alas mais interessantes foi a Ala das Escrotas da Banda, composta, dentre outros boêmios intelectuais, pelo crítico Alex Viany e o também crítico e letrista Sérgio Cabral, que abandonou a ala para sair com a sua camisa do Vasco.
Rildo Hora, em parceria com Sérgio Cabral, compôs a marchinha “Banda de Ipanema”, onde ressaltam o espírito do bloco tão carioca: “Vem a Banda de Ipanema/ Espalhando alegria/ Quero a minha voz/ Dentro do coral/ Viva a vida e morra a morte/ E a moçada de Ipanema/ Botou na rua seu carnaval”.
Durante o desfile do ano 2000, o cineasta Paulo César Saraceni, também folião da banda, filmou o documentário “Banda de Ipanema – Folia de Albino”, sobre a vida de seu falecido amigo Albino Pinheiro, com quem dividia duas paixões: o time do Fluminense e o carnaval azul e branco da Portela.
O filme intermediou cenas do documentário “Natal da Portela”, com Grande Otelo, que conta com vários depoimentos de pessoas ilustres sobre a Banda de Ipanema.
Em 2003, a Prefeitura do Rio decidiu tombar a Banda de Ipanema. Para todos os efeitos, agora ela é eterna.
Com a publicação do decreto no Diário Oficial, a Banda de Ipanema tornou-se o primeiro bem não-material a ser tombado no Rio, ou seja, tem de ir pra rua todos os anos, levada pelos organizadores ou pela prefeitura.
“Na primeira saída da banda, o Albino contratou uns músicos na Praça Tiradentes, botou o pessoal tocando as marchinhas na praça e cada um de nós pegou um instrumento. Nós nos formamos de branco, como se fôssemos uma banda, mas ninguém tocava nada. No primeiro quarteirão já tomaram os instrumentos da gente e animaram a festa. A banda virou uma festa da classe média de Ipanema. Como o sucesso foi muito grande, logo já tinha a Banda do Leme, Banda da Tijuca, Banda de Caratinga, bandas do Brasil inteiro. Virou uma instituição, uma forma maravilhosa das velhas marchinhas de carnaval persistirem”, conta Ziraldo Pinto, cartunista e escritor.
Ziraldo fazia parte do grupo que saiu pela primeira vez com a banda nas ruas. Muita gente famosa adorava pular o carnaval nela.
A atriz Leila Diniz era (e até hoje) considerada a musa da banda, primeira e única.
Tombar a banda é perseverar a memória.
“Foi tombada, então não pode acabar. Se um dia os novos diretores da banda desistirem, o poder público tem obrigação de botar a banda na rua. Acabou de tombar, criou esse dever. Vai ser ótimo porque é uma instituição que deve ser preservada. Eu achei um achado o negócio de tombar um bem não-material. É uma idéia que tinha de nascer no Rio de Janeiro”, completa Ziraldo.
Albino Pinheiro, que morreu no dia 24 de junho de 1999, no Rio de Janeiro, aos 66 anos (dois anos antes havia sido diagnosticado que ele sofria de câncer na medula óssea), era mais conhecido fora de seu território como o fundador da Banda de Ipanema, que ressuscitou o carnaval carioca de rua e, desde 1965, gerou tantos filhotes pelo Brasil.
Mas todas as tentativas que se fizeram para classificá-lo profissionalmente resultaram incompletas e injustas. Procurador do Estado? Pesquisador do carnaval? Produtor cultural? Boêmio histórico? Estudioso profundo das coisas do Rio?
Ele foi cada uma dessas coisas e também a soma delas, mas mesmo esta era uma redução. A única categoria que o abrangia era a de carioca. Aliás, Albino não se contentaria com nenhuma outra.
O Rio não era apenas a cidade onde ele nasceu e sempre viveu, mas um espaço humano e geográfico a que dedicou cada dia de sua vida. O único carnaval que passou fora da cidade foi o de 1959 e, mesmo assim, porque não teve como se defender.
Na sexta-feira daquele carnaval, o artista plástico Ferdy Carneiro e outros de seus amigos de Ipanema aproveitaram que ele estava ligeiramente ébrio (digamos, inconsciente), enfiaram-no numa caminhonete e pegaram a estrada.
Quando acordou, Albino estava em Ubá (MG), terra de Ferdy, a 250 quilômetros da Praça General Osório. Mas nem aquele foi um carnaval perdido. A bandinha local inspirou-o, seis anos depois, a fazer a Banda de Ipanema.
A Banda pode ser a criação pela qual ele ficou mais conhecido, mas está longe de ter sido a mais importante. O maior mérito de Albino foi o de ter promovido a ligação da zona sul do Rio com a cultura marginal e desprezada dos morros e subúrbios cariocas.
Foi levada pela sua mão, em começos dos anos 60, que Ipanema atravessou o túnel rumo ao centro e à zona norte e penetrou no universo das gafieiras e escolas de samba, que muitos conheciam só de ouvir falar.
Albino não foi o primeiro a se interessar por esse universo. Antes dele, intelectuais da zona sul como Lúcio Rangel, José Ramos Tinhorão, Sérgio Porto, Édison Carneiro, Eneida e outros já viviam fascinados pelos sons que saíam dos barracos e biroscas. Eram estudiosos sérios, preocupados com a sobrevivência daquela cultura.
Mas foi Albino quem tomou providências. Ao promover festas populares, produzir shows, reativar tradições abandonadas e envolver gente de todas as áreas, ele ajudou a quebrar preconceitos raciais, de classe e, principalmente, culturais.
Albino foi o grande intermediário prático entre a “alta” e a “baixa” cultura do Rio.
Sua biografia já era a história dessa integração – porque ele nasceu com um pé em cada lado da cidade. A maternidade ficava na Saúde, um bairro da zona portuária, e a casa de sua família na Rua Ipiranga, na ainda aristocrática Laranjeiras.
Sua avó era dona de todas as casas da rua, mas estas foram sendo aos poucos transformadas em casas de cômodos, habitadas por biscateiros e profissionais humildes.
O menino Albino estudava no Liceu Francês e freqüentava o Fluminense, duas louras instituições de Laranjeiras. Mas, ao olhar em torno, descobriu que o que realmente o atraía eram as belas mulatas da rua e as babás de seus sete irmãos.
No carnaval, elas saíam atrás dos blocos e ranchos que existiam em Laranjeiras e Albino as seguia, hipnotizado pelo samba.
Não por acaso, um de seus tios era o compositor Custódio Mesquita, autor de sambas, valsas e foxes do quilate de “Como Os Rios Que Correm para o Mar”, “Velho Realejo”, “Mulher” e “Nada Além”.
Enquanto a turma de Albino sonhava com Copacabana, o apelo para ele irresistível vinha do centro da cidade.
Aos 14 anos, em 1947, já com autonomia de vôo, começou a chegar lá.
Não pela beira do mar, mas por dentro, pelas pensões suspeitas do Catete, as mesas da Taberna da Glória e, finalmente, as gafieiras da Praça Tiradentes (onde encontrava as empregadas de sua família e as subornava para que não contassem a seu pai).
Albino só foi dar às costas de Ipanema em 1950, aos 17 anos, mas já adentrou o bairro pela porta da frente: as domingueiras na casa do escritor Aníbal Machado, levado por amigos de Laranjeiras como a artista plástica Anna Letycia e o futuro cineasta Paulo César Saraceni.
Na casa de Aníbal, Albino experimentou a democrática sensação de conviver com escritores brasileiros e franceses (um deles, Albert Camus), artistas de teatro e cinema, grandes mulheres, jovens da sua idade (amigos de Maria Clara Machado, filha de Aníbal), bebuns comuns e até o chique sambista Heitor dos Prazeres.
Passou a ir todos os domingos e a esticar no Zeppelin, o botequim vizinho de Aníbal. Anos depois, já não ia tanto às domingueiras, mas continuou indo ao Zeppelin.
Até que, em 1960, se mudou de vez para Ipanema, porque o bairro tinha um encanto de província, como os subúrbios que aprendera a amar. E, na mesma época, começou a estabelecer a ponte que ligaria as duas culturas.
Foi Albino quem transferiu os famosos bailes pré-carnavalescos promovidos pela poetisa Olga Savary e seu marido Jaguar em casas e boates da zona sul para gafieiras como a Estudantina e a Elite.
Numa destas, apresentou Nelson Cavaquinho, Zé Kéti e Jair do Cavaquinho a uma platéia que nunca ouvira falar deles.
Para Albino, com sua sólida educação em mulatas, sambistas e botequins obscuros, aqueles compositores já eram amigos tão antigos quanto os garçons, choferes de táxi e até estivadores com quem se dava na cidade.
Olga demitiu-se da organização das festas e a batuta passou para Albino, ao lado de Jaguar e Ferdy Carneiro.
Dali saíram os réveillons mais animados dos anos 60: os que eles promoviam no clube Silvestre, em Santa Teresa, com compositores e passistas de escolas de samba e as maiores mulheres do Rio – muitas das quais só Albino sabia onde se escondiam no resto do ano.
Nessa época, Vinícius de Morais queria ser “o branco mais preto do Brasil”. Para Tinhorão, Albino não precisava querer – ele era.
Nas raras vezes nas últimas décadas em que o Rio esteve entregue a gente esclarecida e que amava a cidade, Albino foi chamado a trabalhar como secretário de Turismo ou como encarregado de eventos.
A exemplo do que já fizera por conta própria com a Banda de Ipanema, ele sacudiu o carnaval nos anos 70 ao trazer de volta os bailes nas praças dos subúrbios, com orquestras como a Tabajara e a de Raul de Barros, e os banhos de mar à fantasia no Arpoador.
Mas seu gás era para o ano inteiro, promovendo a encenação anual da Paixão de Cristo nos Arcos da Lapa, a revitalização da Festa da Penha, os bailes na Cinelândia e, de 1976 até hoje, o Projeto Seis e Meia, criado por ele: shows com grandes nomes do samba e do choro que, toda noite, na hora do rush, atraem ao Teatro João Caetano milhares de pessoas – muitas das quais nunca tinham entrado num teatro.
Macalé, Paulinho da Viola, Aracy de Almeida, Carlos Cachaça, Albino Pinheiro, Cartola e Clementina de Jesus
Foi também um dos criadores do Corredor Cultural, que preservou prédios e monumentos históricos numa enorme área no centro do Rio.
Mas boemia é coisa séria e, durante 50 anos, Albino serviu de conduíte para boa parte do chope produzido no Rio.
Bateu recordes em campeonatos de copos no Amarelinho, no Lamas e em todas as mesas da primeira divisão.
Aliás, não escolhia campo: na própria rua em que morava, a hoje yuppie Almirante Saddock de Sá, promovia festas na calçada, com cerveja, mesas e cadeiras da Brahma, estreladas pelos seus amigos do samba.
A vizinhança nunca reclamou, porque Albino tinha direitos adquiridos: a depender dele, pelo menos aquele cantinho de Ipanema continuaria a parecer-se com um subúrbio.
A única coisa que nos ficou devendo, além de sua presença imponente e amiga, foi um livro contando tudo que sabia da história do Rio.
Simão Pessoa, Tenório Telles, Fausto Wolff e Antonio paulo Graça
Em 2004, o jornalista e escritor Fausto Wolff, na coluna semanal que mantinha no Jornal do Brasil, escreveu o seguinte texto:
Dos poucos orgulhos que carrego pela vida, dois se destacam: ter recebido 21 bolas pretas no Marimbás (unanimidade única na história do clube) e ter visto nascer a Banda de Ipanema, ser seu integrante e chegar a padrinho do 35º desfile.
Embora a idéia tenha sido do Ferdy Carneiro, a verdade é que a banda era do nosso comandante Albino Pinheiro.
Quando ele morreu, em 99, pouco antes de ver este vergonhoso ano 2000, pensei que ela acabaria. Ele, porém, foi um presidente vitalício tão talentoso, e armou as coisas de tal maneira, que a banda ganhou vida própria.
Se em algum ano ninguém convocá-la, como num filme de Fellini ou Saraceni, o povo comparecerá religiosamente às cinco horas na Praça General Osório, músicos surgirão milagrosamente e a Banda de Ipanema desfilará com milhares de pessoas como vem acontecendo desde 1965.
Simão Pessoa entrevistando Fausto Wolff para o debochado Candiru
Eu me considero um dos fundadores da banda, embora o Jaguar insista em não me colocar na lista.
De acordo com o belo livro “Ela é carioca”, de Ruy Castro, os primeiros bandeiros foram, além do Albino, do Ferdy e do Jaguar, os fotógrafos Paulo Góes, René Roof e Armando Rozario, o joalheiro Caio Mourão, o corretor Zequinha Estelita, os economistas Raul Hazan e Roniquito de Chevalier, os arquitetos Bernardo Figueiredo, e Silo Costa Leite, os cartunistas Ziraldo e Zélio, o escrivão juramentado Hugo Bidê, o publicitário Darwin Brandão, o artista plástico José Henrique Grosso, o designer Edson Catinari, os advogados Manlio Marat e Claudio Pinheiro, o conde Douglas, o massagista China e mais Peter Alemão, o desembargador Martinho Campos, Cláudio Amaral, Glaudir, Sérgio Borboleta, Paulinho Pom Pom e todas as mulatas do mundo.
Depois do primeiro ano, o bairro de Ipanema aderiu. Crianças que brincaram na Banda, namoraram na Banda, hoje levam filhos e até netos, embora ela tenha mudado muito.
No princípio, era um deboche contra a ditadura militar vetusta e boba e uma diversão familiar. O pessoal respeitava a faixa e ninguém andava na frente dela e da porta-bandeira.
Com exceção dos 10 anos (1968-1978) que passei fora do Brasil por razões de saúde política, participei de todos os desfiles.
Fausto Wolff e Maria Vasco entronizando as mãos na Calçada da Fama de Ipanema, em novembro de 2006
Quando voltei, a banda havia se agigantado – tinha gente suficiente para compor várias escolas de samba – e as pessoas seguiam a faixa Yolhesman Crisbeles de tal jeito que o SNI chegou a pensar tratar-se de um código anti-golpe.
Aos poucos, os travestis foram se chegando. Além das personalidades, eles davam (e dão) um toque especial ao desfile. São engraçados, gentis, inventivos e não ofendem ninguém.
Infelizmente, nos últimos tempos, apareceram também alguns rapazes de peito cabeludo, sunga, bigode e colônia Lancaster, confundindo a avenida com motel e adotando atitudes francamente agressivas.
Esse tipo é pior que barata cascuda, aquelas voadoras: só fugindo. Afinal de contas, o espírito da banda é lúdico, anarquista e familiar.
Pessoalmente, não trocaria meu lugar na diretoria da Banda por nenhum título do Country.
Que diretoria? Os diretores da Banda eram aqueles poucos privilegiados que iam à casa do Albino umas cinco horas antes de ela sair para comer a feijoada preparada pela dona Rosa e Maria Vasco, a eterna rainha.
A diretoria simplesmente fazia o que o comandante decidisse, ou seja, nada.
Nos próximos anos, continuarei lançando meu grito de guerra ao passar pela avenida: “A Banda de Ipanema saúda Vierinha”, mistura de Vieira Souto com a favela da Rocinha, retrato do Brasil enquanto não tomarmos vergonha na cara e derrubarmos a ordem global.
A Banda de Ipanema (O Pasquim chegou perto) foi a única (sei do cacófato) coisa que deu certo neste país porque não tinha nem tem plataforma, regulamentos, estatutos e chatos. Passou a ditadura militar e passará a ditadura branca - e a banda continuará enquanto houver música e povo.
É claro que, com o neoliberalismo, isso também pode acabar.
BICA: Um Reduto da Rebeldia em Manaus
A água, água, água, água, água / lava tudo / A água só não lava / A língua dessa gente...
(Emilinha Borba, na marchinha intitulada Palavra)
Por Orlando Farias
Imaginem uma senhora de 60 anos, 100% fora dos padrões de beleza, docemente cavernosa, que parou naquele Bar do Armando há muitos anos numa rotina impressionante: ela reza todas as noites na Igreja de São Sebastião e, ao sair, beberica uma cerveja no espaço ao lado.
Não é preciso ir muito longe para saber que naquele ato e gesto da admirada e adorada Petronila de Carvalho, há uma fusão dos aspectos religioso e profano.
A Doce Rainha Petronila – Não por acaso, Petronila virou a rainha eterna da BICA desde o primeiro carnaval naquele já cada vez longínquo fevereiro de 1987. E igualmente não por acaso, a BICA é uma mistura dos muitos valores culturais da terra de Ajuricaba.
Numa entrevista realizada em janeiro de 2004 com a própria Petronila, no dia da realização do desfile da banda, em sua residência, quando estava sendo conduzida até a praça São Sebastião (ela estava adoentada e não conseguia andar direito), a Rainha da Banda traduziu em poucas palavras para o autor e para o fotógrafo Marco Gomes o estado de espírito dela própria em relação ao fenômeno em que se transformou a BICA:
“Para mim a BICA é como rezar; é estar sempre alegre dentro de mim mesma!”.
Tanto quanto o estilo Petronila do rezar e de uns bons copos de cerveja, a frase da Rainha é reveladora de um sentimento quase religioso que as pessoas, sobretudo aquelas pessoas que passaram com o tempo a se identificar pelo neologismo de “biqueiros”. Há definitivamente um fervor naquilo que nunca deixou de ser uma brincadeira do início da década de 80, sempre nos fins de ano e na semana derradeira do carnaval: a batalha do talco travada entre os vários freqüentadores do Bar do Armando.
Mona e Pepeta – Há dois nomes cuja imagem é muito associada ao estilo libertário e prosaico da banda. A primeira é a Porta-Bandeira Mona (Maria da Glória Lopes) que, na verdade, foi a primeira Rainha da BICA, passando depois o cetro para Petronila, que era a Princesa. A outra é o Destaque Pepeta, figura que, em seus carnavais, invocava todo o seu poder transformista para virar obeliscas e outras figuras do gênero. Pepeta morreu de causas desconhecidas há alguns anos.
Há dezenas de aspectos religiosos na brincadeira que virou uma das principais manifestações culturais de Manaus. A começar pela influência da própria paróquia de São Sebastião ao lado, mantida secularmente pelos capuchinhos.
Breve História da BICA – Para quem não sabe, o imóvel tombado pelo Patrimônio Histórico Estadual e construído no início do século passado pertence à Ordem dos Capuchinhos. O caráter pluralista, cultural e religioso sempre encantou os missionários da Ordem.
É possível afirmar com certeza que o imóvel existia já em 1913, porquanto exista uma fotografia no Acervo do Estado e por meio da qual a Secretaria de Cultura do Amazonas realizou recentemente a restauração do prédio.
Desde aquela época, o imóvel já era uma mercearia como denota a sua fachada com três portas. Chamava-se Mercearia São Sebastião.
Ao lado da mercearia, onde hoje está localizada a garagem do Armando, onde igualmente ele guarda o seu indefectível Fusquinha modelo 1973, funcionava no passado uma oficina de bicicletas de um cidadão conhecido como Zuza (“Oficina do Zuza”).
Era lá que as bicicletas que circulavam na praça São Sebastião eram consertadas.
Ao lado da ex-Mercearia São Sebastião, moraram algumas proeminências, como o historiador Mário Ypiranga Monteiro, Thales Loureiro e mais recentemente o ex-presidente nacional da OAB e ex-senador Bernardo Cabral.
O patrono da BICA, Armando Soares, garante que ao tomar posse do estabelecimento, vindo do mercadão Adolpho Lisboa, onde vendia carne, o imóvel servia para revenda clandestina de derivados de petróleo. Provavelmente, por conta disso, os capuchinhos desfizeram o negócio com o antigo locatário e o repassaram ao atual ocupante.
Raízes Religiosas da BICA – Há dezenas de aspectos religiosos na brincadeira que virou uma das principais manifestações culturais de Manaus. A começar pela influência da própria paróquia de São Sebastião ao lado, mantida pelos capuchinhos.
Basta lembrar que no carnaval da BICA em que a banda fez uma crítica direta às seitas religiosas e tascou com o samba de sucesso do hit parade “Xô, Satanás”, frei Fulgêncio Monacelli, coordenador dos Capuchinhos, esteve pessoalmente vários vezes no Bar do Armando para demonstrar sua solidariedade ao tema.
O crescimento da Banda da BICA acabou sendo uma dor de cabeça para frei Fulgêncio, que mantém uma reivindicação há mais de 15 anos depois dos primeiros carnavais: a de que o sábado, dia da concentração da banda, deveria ser transferida para outro dia da semana ou mesmo, numa concessão, para o domingo.
Frei Fulgêncio Casamenteiro – A lamúria e a reivindicação são motivadas por uma tradição na Igreja de São Sebastião: a sua forte tradição casamenteira. Trata-se da igreja mais charmosa para um casal contrair núpcias por causa do cenário arquitetônico e histórico em volta e pela própria história da igreja decorada originalmente como planejou o gênio italiano De Angelis.
Decerto que, por uma questão de tradição mais recente, a reivindicação sincera de frei Fulgêncio até hoje não pôde ser cumprida: o carnaval da BICA arraigou-se de tal maneira enquanto data no sábado magro da semana momesca, que seria quase impossível convencer a banda de realizar em outro dia e conter os brincantes que nesse dia se concentram espontaneamente, sem precisar conferir a data em reportagens de jornais. A faixa estendida na fachada do bar alertando para o dia da saída da banda é mais do que suficiente para mobilizar a população.
Mais recentemente, porém, frei Fulgêncio Monacelli encontrou uma maneira de compatibilizar os casamentos: antecipa sua celebração para o início da tarde, quando o público ainda não lotou o Largo de São Sebastião.
Não é difícil imaginar que os recém-casados encontrem pela frente um cenário ainda mais temperado de alegria, já que na saída deles, por volta de 13 às 15h, a irreverência e a folia literalmente já galopam lá fora. Há um certo sonho alimentado pelos biqueiros mais novos de que suas respectivas cerimônias de casamentos ocorram na Igreja de São Sebastião ou em locais mais nobres como o palco do Teatro Amazonas.
Os contornos religiosos saltam aos olhos por todos os lados. Os bonecos gigantes construídos pelo ventríloquo Paulo Mamulengo são uma prova disso. Eles não representam apenas figuras vivas como Armando Soares, Dona Lourdes Soares (sua esposa), Deocleciano Bentes (um dos coordenadores da banda), como também figuras que fizeram história naquele espaço e na própria banda.
Celeste, Celestial, Criatura – A funcionária pública Celeste Pereira e fundadora da banda, foi uma delas. Falecida prematuramente no ano de 1997, Celeste foi alvo de uma das maiores comoções dos membros da banda. Em seu funeral, a Bandeira da BICA estava lá.
Celeste ganhou imediatamente o status de uma personalidade pós-morte, ocupando importante espaço na galeria da banda que, vale ressaltar, existe apenas na memória dos fundadores, dos biqueiros e dos freqüentadores do espaço cultural do Bar do Armando.
Uma das cenas mais marcantes da história da banda envolve um ato estritamente religioso: o momento em que chega na praça São Sebastião, hoje Largo de São Sebastião, o boneco confeccionado por Paulo Mamulengo em homenagem a Celeste.
Dezenas de membros da banda choraram em profusão, totalmente em desacordo com as normas do carnaval onde o reinado é o da alegria.
O empresário Isper Acram, ladeando o presidente regional da OAB, Alberto Simonetti Filho, não se conteve: “Simonetti, eu não estou entendendo nada. O boneco é bonito. Era para todo mundo estar rindo e aqui ao nosso lado todo mundo está chorando”.
Só então Acram ficou sabendo que o boneco que chegara era o confeccionado em homenagem a Celeste cujo falecimento tinha ocorrido há apenas dois meses. Excelente cantora e animadora cultural, Celeste, Celestial, Criatura (slogan da camisa em sua homenagem), ela era uma espécie de símbolo da alegria da banda.
O contorno religioso pode ser visto ainda no boneco de Salignac, um dos fundadores da banda, que teve o boneco confeccionado antes de sua partida desta vida, e no próprio boneco do frei Fulgêncio. Por representar um ícone da sociedade amazonense – de longe frei Fulgêncio é uma das figuras mais queridas da cidade –, o boneco é manipulado com certos limites, sempre cercado de respeito pelos brincantes.
O boneco em homenagem a Armando Soares é cercado do mesmo respeito pelos brincantes. Diferente do de frei Fulgêncio, ele é manipulado de forma mais lúdica, alegre e brincalhona.
O boneco, afinal de contas, reproduz muito o humor do próprio Armando, uma figura brincalhona e irreverente que, antes das pegadinhas da TV, já adorava pregar peças em seus clientes. “– Olha, Nazareno, ele veio aqui te procurar!”. “– Quem, sêo Armando?”, pergunta inocente o jornalista Jersey Nazareno. “– Ó caralho!”, diz Armando com o forte sotaque lusitano. “Ó caralho, tu quer cegar ou tu quer ser gay?” (risadas gerais).
No gesto de Armando Dias Soares, 70 anos, sobressai denso o profano que, no dia do desfile, embala um dos carnavais mais instigantes que se conhece. A banda é uma irreverência referencial na cultura da cidade, queiram ou não as pessoas que a desprezam.
O próprio Armando traz na sua história traços muito firmes da irreverência. Quando jovem, participava ativamente de reuniões do clube representativo dos seus patrícios – o Luso Sporting Club.
Não raras vezes contestou atos da diretoria e, numa delas, as desavenças chegaram até a esfera policial, já que Armando, bom de briga, não deixou por menos, e aplicou uns safanões em certo portuga.
Por ter sido a vida inteira um homem irrepreensivelmente honesto e mantendo sempre uma postura exemplar, seja como comerciante, seja como marido e pai, acabou sendo assimilado e convertido como espécie de uma referência obrigatória da imigração portuguesa para Manaus.
Não foi por outro motivo que diretores e produtores portugueses que rodaram o filme A Selva, baseado no romance do escritor português Ferreira de Castro (morou no Amazonas, precisamente no sítio Paraíso, na região dos seringais no rio Madeira), quiseram conhecer o Bar do Armando e o próprio comerciante assim que aterrissaram na capital amazonense em 2002, procedentes de Portugal.
Quem quiser um roteiro clássico de tal irreverência é só consultar a extensa lista das marchinhas que a BICA lançou, todas elas abordando temas picantes, satirizando os políticos do Estado.
Ninguém incorpora melhor um perfil indelével, uma marquinha registrada, digamos assim, como o patrono em pessoa da BICA, Armando Dias Soares. E logo ele que representou o momento máximo da banda, o momento inesquecível, arrebatador de todos os que se proclamaram biqueiro.
O momento foi a transformação do patrono da banda em “Cidadão de Manaus” na Câmara Municipal. O projeto que outorgou a cidadania a Armando foi apresentado por um biqueiro, o vereador Francisco Praciano, em 1998.
A batalha para aprová-lo remonta um processo levado a efeito por freqüentadores da Banda da BICA. O grupo literário e artístico Gens da Selva sensibilizou em iniciar uma campanha visando a tornar Armando “Cidadão de Manaus”.
Armando, Cidadão do Mundo e de Manaus – A maneira encontrada para garantir o título ao nosso portuga-mor foi iniciar o levantamento de assinaturas de eleitores propondo a concessão da outorga ao patrono da BICA. As assinaturas enfeixavam uma categoria parlamentar que é uma conquista recente do aperfeiçoamento democrático e constitucional do Brasil – a emenda popular.
“Levamos cerca de um mês apenas para reunir 5 mil assinaturas. Foi relativamente fácil porque Armando realmente é uma figura muito querida na cidade e todos queriam assinar”, diz o poeta Marco Gomes, lembrando que o vereador Francisco Praciano participou ativamente do processo e desde o início fez questão de chamar para si a responsabilidade de apresentar a Emenda.
Ela foi apresentada em sessão da Câmara Municipal de Manaus no segundo semestre de 1998 e aprovada por unanimidade. No fim do ano, celebrou-se a cerimônia de outorga do título. Foi a primeira vez, ao que consta, que Armando deixou aquele seu jaleco azul com o qual é visto sempre atendendo sua clientela para envergar um garboso terno com gravata.
O feito de Armando era muito fácil de estabelecer. Sem que a cidade percebesse seu envolvimento na sua vida política e cultural, Armando garantiu um mínimo de espaço democrático para que jovens, artistas, jornalistas, socialistas de todas as matizes e até rebeldes sem causa pudessem debater diariamente sobre os assuntos da cidade.
Mais tarde, Armando Soares acabou dando à cidade, por iniciativa de seus freqüentadores – inspirada nele e conduzida por ele –, a maior manifestação cultural de rua da cidade – a Banda da BICA.
Um dos coordenadores da BICA, Deocleciano Souza (ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Amazonas), fez um discurso simples – flagrantemente de reconhecimento a uma obra que a cidade deve a Armando.
Foi a primeira e única vez que um homem tido como dotado por nervos de aço, que viveu parte da longa era da peixeira na cintura que vigorou nas décadas de cinqüenta e sessenta no mercadão Adolpho Lisboa, quando até crianças faziam o mesmo lá e no matadouro de Manaus (Koure), sucumbiu às lágrimas.
Foi um momento emocionante, conta Deocleciano. Tudo quanto Armando pôde dizer em discurso – “Nós que sabíamos que seu coração estava apertado” – foi que, se morresse naquele momento, estaria partindo feliz por se saber reconhecido pela cidade que escolheu para sua, cidade que tanto ama e onde nasceram, cresceram e se formaram suas duas filhas.
Ana Cláudia e Ana Lúcia são profissionais respeitadas na cidade, atuando uma como pedagoga e agora também advogada, sendo a outra profissional da Comunicação. Ambas biqueiras.
O título foi o mote para que a Escola de Samba Reino Unido da Liberdade escolhesse a história de Armando e da própria BICA como seu enredo no carnaval de 1999. Então presidente da Câmara Municipal de Manaus, o vereador Bosco Saraiva, diretor da Reino Unido da Liberdade, teve a idéia de estalo. Armando era um excelente nome para o carnaval da sua escola no próximo ano na avenida.
Chegado o grande dia do desfile, o enredo “Armando Brasileiro” sacudiu o Sambódromo e venceu de ponta a ponta na computação dos resultados. Os biqueiros passaram três dias comemorando.
Malhação de Judas – A partir daquele momento e daquele ano, ficou claro para os biqueiros que a brincadeira tinha ido longe demais. Convertera-se em expressão cultural da cidade. E como tal, a “brincadeira” jamais poderia acabar, até porque virou uma lei da cidade – esperar o carnaval da banda como uma espécie de “Malhação do Judas” (novamente pontifica aí o religioso) fora de época.
Virou lugar-comum fora da BICA chegar e indagar: “Quem é que vocês vão malhar esse ano?”. E a “malhação da BICA” virou quase uma obsessão popular, já que significa sempre satirizar políticos e personalidades inatingíveis pela crítica popular e muitas vezes até pela própria imprensa.
Tem o mesmo tom de malhação uma pequena tradição recorrente da cidade ao dia seguinte às eleições: “A Partida para o Balatal”. Freqüentadores da banda não deixam nunca de aparecer no “Day After” para enumerar os passageiros do Batelão (um barco sem cobertura para protegê-los do sol e da chuva) derrotados nas eleições e que, punidos pela sociedade, vão cortar seringa em distantes seringais, conforme a brincadeira irreverente do imaginário popular amazonense.
É muito comum, durante os períodos eleitorais, vigorar também uma certa “marcha do pleito”. São freqüentadores da BICA, afinal, pesquisadores de opinião pública e marqueteiros. As anedotas mais picantes invariavelmente surgem ou são reverberadas para a população.
A Consolidação da BICA – Ainda sobre a comemoração do “Armando Brasileiro” na avenida, vale lembrar que daquele momento brotou outro sentimento que emergiu cristalino do seio dos “brincantes”. A de que aquela era uma brincadeira que verdadeiramente arrebatara senhores de cabelos grisalhos, homens do povo, sisudos doutores do Judiciário, desocupados, poetas, etc, etc, etc. Um sentimento de profunda alegria e de amor à banda povoaram os seus admiradores.
As lágrimas foram traduzidas na frase de um dos fundadores da BICA, o promotor público Francisco Cruz: “A brincadeira da BICA é uma coisa muito séria”.
Se é ou não uma coisa séria, objeto, aliás, atraente para o debate dos seus admiradores e até das pesquisas da Antropologia, a BICA pode dizer que é rigorosamente uma banda de carnaval. E mais: uma banda que, arrebatando corações e mentes, mantém-se fiel aos seus postulados de ser verdadeiramente de carnaval e de rua.
Toscano e os Gêneros da Moda – Sendo uma banda de carnaval, ela nunca se permitiu enveredar por ritmos e gêneros musicais diferentes ou de moda. “Nunca sucumbimos ao poder avassalador da indústria das músicas da moda”, explica Afonso Toscano, outro fundador muito influente e autor de muitos dos sambas que levaram o nome de biqueiros mortos, como é da tradição da BICA.
Mantém rigorosamente a sua origem de bandinha de rua. Jamais se curvou à tentação de migrar para um carnaval comercial, em lugares fechados, com cobrança de ingressos e outros expedientes.
“A marca do nosso carnaval é que ele é feito na rua de forma livre e espontânea”, diz um dos organizadores da folia no Largo, o também artista Manuelzinho Batera. Ele lembra que o custo do primeiro carnaval foi praticamente zero e foi bancado pela contribuição dos freqüentadores do espaço cultural Bar do Armando.
O fenômeno de massa em que se converteu acabou exigindo um investimento mais vigoroso para garantir ampla segurança aos brincantes, banheiros públicos, sonorização e cachês da banda de metais que acompanha a BICA. “Hoje, além da contribuição dos muitos membros, aceitamos um ou outro patrocínio”, diz Manuelzinho. Resta ainda lembrar que, no dicionário da BICA, ser biqueiro é ser relativamente fiel à sua banda.
Sem Precisar das Estrelas – Um fato marcante e indelével da imagem da BICA: o fato de ser a única banda que não precisa contratar atrações de fora, artistas a peso de ouro, bandas de cachês milionários, visando atrair público ao Largo de São Sebastião.
A BICA tem apenas uma atração: a sua Banda de Metais. Também faz um único tipo de propaganda para anunciar o dia da realização de seu carnaval: a divulgação boca a boca. Mais do que isso, uma faixa em frente ao Bar do Armando anuncia o dia do seu carnaval.
Esse caráter original e mobilizador deve encher de inveja muitos políticos que, para atrair platéia, recorrem a contratação de artistas, bandas e outras estrelas em seus eventos.
O Biqueiro Serafim – Um caso clássico é o do economista Serafim Corrêa, biqueiro desde a primeira hora, que freqüenta o Armando, dentre outras coisas, por causa dos seus laços lusitanos. O pai de Serafim, Joaquim Francisco Corrêa, e seu tio, Alcino Francisco Corrêa, eram amigos pessoais de Armando.
Pouco afeito a eventos festivos, Serafim sempre se destacou como um membro de ponta da banda, sendo um caso máximo de fidelidade a ela. “Minha única paixão nesse caso é a BICA”, sustenta.
A frase de Serafim Corrêa pôde ser inteiramente confirmada no dia 29 de outubro de 2004, ao fim do debate na TV que travou com Amazonino Mendes e no qual venceu incontestavelmente o seu adversário, conforme levantamento do instituto Action Marketing e Pesquisas de Mercado. Sabendo que a BICA estava lotando e torcendo por ele, Serafim saiu do debate direto para rever os amigos biqueiros.
Em determinado desfile da banda (ela percorre todo ano uma área do Centro com seus bonecos, bandeiras, flâmulas e personalidades), Serafim foi induzido por brincantes a subir no trio elétrico da BICA. Como aquele ato transpareceu imediatamente aos olhos dos biqueiros como um ato de favorecimento político, houve imediata reprimenda para que Serafim de lá descesse.
Democrata e muito afinado com as regras da BICA, ele imediatamente entendeu o recado e desceu do trio sob aplausos. Aliviado, desceu acompanhando a marcha da banda como simples membro.
O mais dramático fato envolvendo um político ocorreu com a vereadora de Manaus, Lúcia Antony, biqueira histórica, impedida de ler um documento elaborado por um grupo de biqueiros.
Alegou-se, como é da norma da BICA, que não se lê manifestos, notas ou coisa que o valha durante o carnaval. É vedado o uso de discurso, o tom de comício. Ali reina 100% o império do carnaval, de suas brincadeiras, irreverências, malhações e marchinhas.
A norma que penalizou Lúcia Antony estava e está em vigor. Mas Lúcia leu um documento elaborado por um pequeno grupo de biqueiros, ao qual me incluo, redimindo-me com ela daquela desconfortável reação da massa. Aliás, em carnavais posteriores, Lúcia Antony recebeu das mãos deste autor camisas da diretoria da banda em sinal de respeito e reverência.
Amazonino na Restauração – O fato de haver tanta gente de esquerda na BICA não quer dizer que ela não seja um espaço plural. As paredes do Armando são o melhor testemunho. Ali está fixada uma fotografia da visita que o ex-governador Amazonino Mendes fez ao bar, no momento em que a fachada histórica do imóvel estava sendo restaurada.
Dois Fenômenos, Duas Lendas – A BICA respira mesmo ares muito civilizados. Dois casos são clássicos e reveladores da oxigenação do ambiente. O do ex-fora da lei Euler Silva, o popular “Cocota”, e o policial Carlos Lamego, que se fez acompanhar durante muito tempo pela suspeita de matador e maligno.
Cocota é uma lenda da praça São Sebastião (hoje Largo) e de seus arredores, tendo se envolvido com tráfico de drogas e outros pequenos ilícitos. Lamego foi objeto de muitas reportagens citado sempre como exterminador. A acusação ele sempre rechaçou: “Na verdade, fui apenas duro no cumprimento da lei e no combate permanente aos bandidos”, ressalva hoje.
Lamego admite que deve muito a BICA e aos estudos, aos quais resolveu se debruçar após os 30 anos, pela superação definitiva daquela triste fama. “Na BICA, eu me purifiquei bebendo na experiência de vida de muitos amigos”, conta Lamego. Diz que aprendeu boas doses de humanismo, de ética e de democracia. “Hoje eu sou muito mais ponderado, crítico e devoto uma importância grande aos estudos”, diz.
Hoje, já tendo ultrapassado a casa dos 40 anos, Lamego continua investigador de ponta da Polícia Civil. Mas tem um grande orgulho na vida. Conseguiu concluir um curso superior e ser Psicólogo, profissão que já começa a exercer, ao mesmo tempo que vai levando adiante os estudos – cursa atualmente pós-graduação numa universidade de Manaus.
É oportuno lembrar que um ex-policial, Waldenor Figueiredo, “Metralha”, cumpriu mais ou menos a mesma trajetória. Waldenor formou-se em advogado e foi diretor da BICA. Faleceu há três anos e virou um dos “compositores” da banda, uma estratégia do corpo de compositores da Casa para não atrair o ódio e a ira dos poderosos sobre cidadãos que continuam militando nesta vida.
O Admirável Vagabundo – Cocota, por sua vez, aprontou tudo que tinha direito. Foi morar na rua protegido por uma companhia lendária – a de uma cadela cujo maior feito foi tê-lo esperado dois meses à porta do presídio Raimundo Vidal Pessoa. No dia em que de lá saiu, dois meses após um flagrante por levar consigo algumas trouxinhas de maconha, lá estava a cadela à sua espera.
Cocota jamais foi um homem perigoso à sociedade. Na verdade, naufragou sob o impacto das ondas ditadas pelas mazelas sociais e do banzeiro da mediocridade das estruturas do Estado, que não lhe permitiram, em determinado momento da vida, ser um simples vagabundo.
A história de Cocota foi muito bem ilustrada pelo jornalista Inácio Oliveira, biqueiro, numa reportagem no jornal Amazonas em Tempo e legou um título inesquecível: “Admirável Vagabundo”. Mais recentemente, no ano de 2003, Cocota foi motivo novamente de uma reportagem levada a efeito pela assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça do Amazonas. Ele foi identificado como um dos muitos casos de pessoas que não viraram reféns do crime, após entrar em seus subterrâneos e deles sair intacto.
Cocota foi se retirando dos submundos pela ação assistencial da igreja capuchinha de frei Fulgêncio Monacelli e com a ajuda de muitos biqueiros, com destaque para o psiquiatra Rogelio Casado e o delegado aposentado Trindade, ambos biqueiros.
Reabilitado socialmente, sem dever nada à Justiça ou à sociedade, Cocota cumpre uma missão pra lá de louvável a qualquer ser vivente que habite esse planetinha azul tão açoitado por impactos das guerras, das revoluções industriais e tecnológicas que se sucedem e das devastadoras perdas impostas pela exploração criminosa das matérias-primas. Cocota coordena no Paricatuba (margem direita do rio Negro, em frente da cidade de Manaus) um projeto de reprodução de mudas nativas da Amazônia para reflorestar áreas degradadas da floresta.
O projeto vem sendo executado numa ilha 100% nativa e selvagem, espécie de santuário de lazer para muitos integrantes da BICA, já que ela é de propriedade do agora advogado Trindade.
Vale também ressaltar duas figuras muito populares do Armando. O sambista Américo Madrugada em função de suas letras irônicas, e o traço original de Jorge Palheta. Aliás, e muito oportunamente, Palheta iniciou em Manaus a tradição das camisetas de carnavais com temas hilariantes e irônicos a partir de camisa que pintou para a banda. Hoje, Palheta é praticamente uma marca de camisas em bandas de carnaval.
Aproveito o gancho da relação do psiquiatra Rogelio Casado com Cocota para resgatar um dos momentos mais intensos da trajetória da banda, suficiente para revelar a atuação de um setor que pontifica no presente relato: a atuação do setor jurídico da BICA antes ou depois de seu carnaval.
Uma Prisão Insólita – No ano em que a BICA satirizou o lado sombrio do Poder Judiciário, o advogado Félix Valois, biqueiro, emprestou sua beca (vestuário) ao psiquiatra Rogelio Casado, como uma maneira de ilustrar melhor o enredo.
Em determinado momento daquele carnaval, pessoas que se identificavam como membros do Serviço de Inteligência da Aeronáutica deram voz de prisão a Rogelio alegando que aquele ato constituía atentado aos poderes constituídos.
Rogelio estava preso e rodeado por aqueles agentes, quando vários advogados chegaram, entre eles o próprio dono da beca, o advogado e biqueiro Félix Valois.
A prisão foi contestada. Os oficiais disseram que ele estaria usando irregularmente um vestuário do Poder Judiciário, maculando-o. Em verdade, o agente confundiu a toga dos juízes de Direito – que é privativa do Judiciário, com a beca dos advogados. “A beca é minha e fui eu que a emprestei. Se há crime, quem deve ser preso sou eu”.
Chegou em seguida o presidente da OAB, Simonetti, declarando que autorizara o uso simbólico da mesma por parte do psiquiatra. Foram chegando juízes de Direito, promotores, defensores públicos e jornalistas registrando o fato. A prisão acabou sendo relaxada.
Retomando o foco sobre o gigantesco carnaval de todo ano, é curioso o fato de a multidão não ser fruto de nenhuma estrutura planejada e muito bem organizada da banda. A desorganização, aliás, é uma das suas marcas.
Em primeiro lugar, a banda nunca teve presidente. Geralmente, são eleitos um, dois ou três coordenadores que vão se responsabilizar pelo carnaval daquele determinado ano.
Charles e a Diretoria – Existe uma diretoria que surgiu ao sabor das nuances e dos copos de cerveja. Ela passou a existir a partir de uma frase do ex-garçom Charles, uma das estrelas da banda que ganhou fama e montou um bar nas proximidades – o Cinco Estrelas, espécie de sucursal da BICA. Charles atendia aos freqüentadores que ganharam a primazia de beber dentro do balcão do bar como a diretoria. “Aí, vai mais uma cerveja para a diretoria”, dizia.
Atento ao juízo de valor inferido pelo garçom, José de Anchieta Lins, 48, comprou a idéia e lançou uma camisa com o timbre da diretoria, que nunca foi eleita, sequer são conhecidos quantos membros a integram. O fato é que a camisa estabeleceu uma escala de valor na hierarquia da banda e aqueles que a envergam desfrutam de prestígio interno.
Por mais incrível que pareça, contudo, não há reunião para a eleição dos enredos, tampouco dos sambas-enredo. A escolha de um e outro vai se dando ao sabor dos acontecimentos e das conversas em torno do balcão do bar. Vence esse ou aquele que for garantindo maior apoio interno.
Oposição Sistemática – Há muita luta interna para que o tema da BICA não ceda às tentações do poder.
Em determinado ano, o tema fez ligeira saudação a um biqueiro que se aliançara ao poder – paródia da toada “Vermelho” (Chico da Silva). Uma parcela imensa de biqueiros protestou e saiu vestido com uma camisa provocativa: “Eu não me aliancei”.
“Foi uma maneira de dizer ao povo que a BICA não iria trair suas origens”, diz Lúcio Carril, fundador nato e membro da oposição que, sem precisar escamotear, sempre atuou em espaço próprio na existência da banda.
Na verdade, em pelo menos dois carnavais, a BICA saiu dividida entre os seus membros. Esse fato jamais transpareceu ao público. O comportamento talvez explique porque a BICA nunca registrou uma dissidência que saiu de lá para criar uma banda concorrente.
“Somos em verdade um saco-de-gato, gente de todas as áreas e opiniões, mas sabemos zelar por uma manifestação que já é de toda a sociedade”, diz Jomar Fernandes, fundador da banda e juiz de Direito.
O Bonequeiro Louro – De fato, pessoas das mais diferentes camadas sociais fazem parte da banda. Um exemplo é o pequeno comerciante conhecido como Louro, que conheceu a banda vendendo cerveja em caixas de isopor durante um de seus carnavais e a descobriu “como uma causa importante para abraçar”.
Diz ter ficado na cola dos “diretores” até ser aceito, por conta de seus dotes físicos, como segurança dos bonecos da banda. Nascia ali um caso de amor que acabou escrevendo uma das melhores páginas da história da banda.
Louro levou seu amor à BICA a tamanha conseqüência que virou não apenas o bonequeiro e restaurador dos bonecos da banda como o fiel depositário de todos eles. Ganhando a sobrevivência num pequeno lanche, Louro construiu, com recursos próprios, um ateliê nos fundos de sua residência onde são guardados todos os bonecos da BICA.
Dali, eles só saem para exposições ou demonstrações nas escolas, quando solicitado. Um dos atos mais notáveis dele foi a localização de um dos bonecos roubados durante um dos carnavais.
Com pistas que conseguiu entre brincantes, ele saiu à caça como detetive improvisado e conseguiu localizar o boneco. O resgate foi feito com a ajuda da polícia. “A BICA ocupa na minha vida a mesma importância da minha família”, resume, lembrando que sua mulher e filhos são membros da banda. A tradição vai passar de pai para filho pelo jeito. Determinado a manter a guarda dos bonecos dentro de casa, ele já ensinou a um dos filhos a cuidar, conservar e confeccionar bonecos.
Louro é representativo assim de um sentimento que centenas de pessoas devotam por uma manifestação que criou raízes na cultura da cidade e se afirmou como um evento ligado à sua identidade. Ser biqueiro para Louro é um orgulho. Mas nem ser biqueiro significa status e proteção. Afinal, a BICA nunca se livrou daquele clichê discriminatório de ser o local em que pessoas de esquerda faziam a “revolução em mesa de bar”.
O Brasil se democratizou e os muros caíram. Com o surgimento da BICA, perdurou e perdura um certo conceito de que o Bar do Armando é um lugar maldito e de malditos (ainda bem, com todo o orgulho), ainda que esteja localizado no quadrilátero mais belo, charmoso e histórico da cidade de Manaus. O quadrilátero em torno do Teatro Amazonas.
Simplesmente Banda de Carnaval – A BICA é em verdade uma banda de carnaval, simplesmente. Quem negar que ela seja uma das maiores manifestações culturais da cidade de Manaus estará irremediavelmente mentindo.
Há ainda uma particularidade, senão a mais deslumbrante, a que mais confunde o espaço do Bar do Armando com a alma de Manaus – um aspecto de resistência política, de zelo pelos valores barés, de quase tribuna política dos acontecimentos, de pasquinização dos fatos mais burlescos e de um certo jeito “soy contra”, marca dos rebeldes.
Entrevistado à época da restauração do frontispício da BICA, o historiador Robério Braga viu na banda e em torno dela um aspecto romântico: “Ali é a trincheira da rebeldia inteligente porque, afinal de contas, babaca, ali, naquele ambiente, não se cria. É uma trincheira do sarcasmo, da crítica bem-humorada – é a trincheira da Liberdade”.
A BICA constitui mesmo um dos espaços mais politizados da capital amazonense e, de longe, um dos que reúne mais formadores de opinião por metro quadrado de Manaus. Numa palavra, a realidade da cidade e do Estado passam sob o seu crivo diariamente.
A banda ganhou muitos de seus melhores tons e contornos culturais pela proximidade com o Teatro Amazonas, esse monumento construído por Eduardo Ribeiro e inaugurado por Fileto Pires em 1896.
Toda a efervescência do Teatro Amazonas acabava repercutindo ali naquelas mesas do Bar do Armando. Ressalte-se a grande importância que teve o projeto “Nossa Música” levado a efeito pela Administração de Guto Rodrigues, também biqueiro, na Superintendência Cultural do Amazonas. Celito, Toscano, Candinho e Inês, alguns dos compositores que marcaram aquele momento, são biqueiros. Toscano e Celito são fundadores da banda e dois de seus maiores compositores.
Naqueles anos de 85 a 86, o movimento de música esticou suas canelas em busca de afirmação e houve intenso burburinho cultural dentro e em torno do bar.
Reunindo profissionais dos mais variados setores formais e informais da sociedade, a BICA é também um centro de informações privilegiadas, um caldeirão onde são temperados os mais diferentes assuntos publicados, publicáveis, não publicáveis e impublicáveis.
Adiciono minha experiência pessoal nesse campo. Como repórter, correspondente do JB há mais de duas décadas e redator da coluna “Sim & Não” do jornal A Crítica, sempre tive a BICA como um laboratório de pautas, como fonte orgânica de informações e como consultoria.
Foi bebendo nessa fonte de notícias que jorra abundante diariamente que alimentei grande parte do trabalho como formador de opinião e como repórter. Lembro que desempenho a função de redator da coluna “Sim & Não” há nove anos. Ali na BICA pesquei e capturei muitas informações.
Em contrapartida, a BICA também ganhou muitas linhas da coluna, que chegou a ganhar a fama de ser Diário Oficial da Banda, o que, convenhamos, é um epíteto desprovido de qualquer fundamento e lógica.
De fato, a BICA é uma banda de carnaval de rua. Ela ultrapassou os limites da simples manifestação carnavalesca. O mais pertinente é que seja analisada pela Antropologia e não por um simples registro de sua existência de forma descompromissada com os instrumentos científicos das Ciências Sociais.
A Rebeldia da Banda da BICA – Resta indicar, mais por suposição e emoção do que por constatação metodológica adequada, que a BICA é irremediavelmente fruto dos movimentos de rebeldia que sacudiram o mundo nos anos sessenta. O Bar do Armando, afinal de contas, era na década de setenta o espaço de encontro dos estudantes da Faculdade de Filosofia – que funcionava onde hoje existe o Centro de Artes da Universidade Federal do Amazonas (Caua).
Como numerosos artistas amadores de teatro (Dori Carvalho, Davi Almeida, Djalma Cosmos, Rui Brito, Guto Rodrigues, Marcos José, Paulo Graça, Almir Graça, Socorro Papoula, pessoal do Pombal, etc., etc., etc.), cheguei ali primeiro como militante do movimento cultural (durante a ditadura era uma das poucas opções de expressão).
Posteriormente, passei a freqüentar o Armando quando já passara para a militância no movimento estudantil. As salas de aula eram monitoradas pelos agentes da repressão do famigerado SNI.
Inesquecíveis Professores – Naquelas mesas de alumínio do Armando era possível assistir às aulas de socialismo proibidas em sala de aula. E foi para ouvir professores brilhantes como Rosendo Lima e Theodoro Botinelly, militantes como Laerte Sphefano Aguiar, Nestor Nascimento e Henrique Lima, todos com o coração pulsando pelo Socialismo (o Laerte não vai me perdoar de ser identificado apenas como socialista, então, confiro-lhe o título merecido de marxista-leninista), que eu e dezenas de outros jovens estudantes adotamos o Armando como espécie de escola de formação política.
Esse caráter talvez tenha passado desapercebido da historiografia amazonense. O fato é que ali, entre um gole e outro de cerveja, os estudantes conspiravam à sua maneira sobre os terríveis anos de chumbo que se abatiam sobre eles e sobre o País.
Os tempos de sombra tornaram os jovens opacos e amargos. O Armando, apesar das catacumbas, era povoado por um razoável riso, uma certa ironia, uma alegria incomum, sentimento que o autor recolheu da experiência pessoal de vários remanescentes daquele período.
O comportamento pode ser vislumbrado de corpo inteiro numa brincadeira surgida entre as décadas de sessenta e setenta: uma batalha de talco nos fins de ano que, aliás, era uma extensão do bota-fora de cada ano acadêmico (claramente levado pelos estudantes universitários para lá). A batalha de talco foi depois adotada também no carnaval.
A Língua Ferina da BICA – Ao melhor estilo da marchinha de carnaval de Emilinha Borba que exalta a língua ferina incapaz de ser lavada pela água de qualquer BICA (fonte de água), o movimento incorporado pela banda é fugaz e não deixa passar absolutamente nada sobre os acontecimentos barés.
Daí o autor ter escolhido a estrofe para referenciar o comportamento dos biqueiros, incluído no início deste trabalho.
Vale a lembrança. O saxofonista Toinho, biqueiro, que tem no Armando um de seus palcos para sobrevivência tocando seu sax, garante que a música se tornou muito popular em Manaus a partir de uma apresentação de Linda Batista na avenida Eduardo Ribeiro.
“Ela cantou essa marcha de carnaval que à época era uma das mais populares”, diz o saxofonista, que assistiu ao show quando tinha 15 anos. “Nunca mais esqueci aquela música e a apresentação da Linda Batista”, rememora.
A batalha de talco foi o estopim para a criação da banda, mas não os seus ingredientes constitutivos e determinantes sob a ótica a partir da qual evoluímos.
Importa constatar agora que os jovens daquela época enveredaram pelos mais diferentes caminhos. Muitos são profissionais de ponta no Magistério, no Judiciário, na Imprensa, na Política, etc. Todos desfrutando de larga respeitabilidade.
Já que não se podia discutir política em sala de aula e em outros ambientes, o Armando foi o palco privilegiado daquele debate e nos serviu como escola.
O Charme do Bar e do Largo – Aqueles debates ganhavam o charme de ser travado ali naquela área arquitetonicamente portentosa, onde o senador Fábio Lucena fez o discurso para nós, estudantes das batalhas da Meia-Passagem, lembrando que em volta estão erguidos os três templos mais importantes: o Templo da Arte (o Teatro Amazonas), o Templo da Fé (a Igreja de São Sebastião) e o Templo do Direito (o prédio histórico do Tribunal de Justiça do Amazonas).
Aquele ambiente em que se falava baixinho e no qual era regra não se deixar sentar penetra para evitar infiltrações de dedos-duros, foi o ambiente que ajudou a formar alguns dos melhores quadros profissionais da atualidade.
O bar é um importante espaço na vida política brasileira, já o disseram personalidades da estirpe de Antônio Callado e Chico Buarque de Holanda.
Assim sendo, não é possível deixar escapar um certo sentimento de orgulho diante daquele clichê que vigorou tanto tempo contra os seus freqüentadores.
“Viva a Revolução de Bar!”.
A revolução de bar nos moldou e nos educou pelos melhores caminhos da profissão e da liberdade. Gracias!
Nasce a Banda do Mandy's Bar
O presidente JK inaugurando a refinaria da Companhia de Petróleo da Amazônia (Copam)
O empresário Adalberto Ferreira do Valle nasceu em Belém (PA), em 1909, realizou os seus estudos secundários em Belém e Manaus, e obteve graduação na Faculdade de Direito de São Paulo, em 1931.
Homem dinâmico e empreendedor, Adalberto Valle fundou na capital paulista a empresa Prudência e Capitalização, que teve papel decisivo na revitalização da economia amazonense ao investir na implantação do Hotel Amazonas, da Brasiljuta e da Refinaria de Manaus.
Adalberto Valle morreu em São Paulo, em 6 de fevereiro de 1963, após encerrar o mandato de deputado federal pelo Amazonas (1959-1963).
O empresário Mario Guerreiro nasceu em Manaus, em 1920, e se formou em Direito pela Universidade do Amazonas em 1954.
Com apenas 20 anos, ele iniciou suas atividades como funcionário da Prudência e Capitalização, em São Paulo, chegando a assumir o cargo de gerente geral da empresa, mas logo foi convocado pelo Exército Brasileiro e embarcou para a Itália no primeiro escalão da Força Expedicionária Brasileira (FEB), onde serviu pelo período de um ano.
Os empresários Mariozinho Guerreiro, Mario Guerreiro e Zeca Nascimento
No período de 1947 a 1950, Mario Guerreiro assumiu a gerência da Prudência e Capitalização em Manaus, com a incumbência de iniciar construção do Hotel Amazonas, onde permaneceu até a sua inauguração.
Em seguida, ele exerceu as funções de diretor superintendente do referido hotel até a fundação da Companhia Brasileira de Fiação e Tecelagem de Juta (Brasiljuta), quando passou a acumular as funções de diretor superintendente do Hotel Amazonas, gerente da Prudência Capitalização e diretor comercial da Brasiljuta.
Os dois empreendimentos, Hotel Amazonas e Brasiljuta, foram inaugurados em 1951, com a presença do presidente Getúlio Vargas.
A Refinaria de Manaus, uma parceria da Prudência e Capitalização com o empresário Isaac Sabbá, foi inaugurada em 1957, com a presença do presidente Juscelino Kubistchek.
O prédio original do Hotel Amazonas possuía 48 apartamentos distribuídos em quatro andares, sendo que o quinto andar possuía uma única e luxuosa suíte, especialmente construída para receber presidentes, ministros e artistas de renome internacionais.
Entre outros mimos, a suíte presidencial era decorada com jardins tropicais assinados por Roberto Burle Marx e possuía banheiras de mármore de Carrara.
O imóvel chegou a hospedar figuras ilustres como os presidentes Getúlio Vargas, Castelo Branco e Garrastazu Médici, o senador Robert Kennedy, os cantores Roberto Carlos, Cauby Peixoto e Emilinha Borba, o grupo Menudo e o rei Pelé.
Roberto Burle Marx foi um dos maiores paisagistas do nosso século, distinguido e premiado internacionalmente. Artista de múltiplas artes, foi também, desenhista, pintor, tapeceiro, ceramista, escultor, pesquisador, cantor e criador de jóias, sensibilidades que conferiram características específicas a toda a sua obra
Todos os 48 apartamentos de alto luxo eram dotados de ar condicionado (uma novidade, na época!) e decorados com quadros do pintor e paisagista Roberto Burle Marx, retratando a fauna e a flora amazônica, pintados com exclusividade a pedido de Adalberto Valle.
No subsolo funcionavam os serviços de lavanderia e oficinas de manutenção elétrica, hidráulica e carpintaria.
Na época, Manaus enfrentava crises cíclicas de apagões elétricos.
Adalberto Valle adquiriu um prédio de dois andares na esquina das ruas dos Andradas com Rocha dos Santos, instalou três geradores de alta potência no local, fez um cabeamento subterrâneo por debaixo dos paralelepípedos das ruas e aquela sua central elétrica particular passou a atender o hotel.
No térreo do hotel funcionava um mini-zoológico e um jardim tropical, que encantavam os turistas, e um luxuoso restaurante chamado Varanda Tropical, capitaneado por um cozinheiro austríaco chamado Kurt Gluck Cervinka, recrutado pelo empresário em São Paulo.
Recém-chegado ao Brasil, o vienense Kurt ficou encantado com a idéia de ser chefe de cozinha de um hotel de luxo construído no meio da selva.
Ele assinou um contrato de 12 meses, mas acabou ficando por 43 anos, tendo trabalhado no hotel desde sua inauguração até o último dia de funcionamento.
No hotel, ele conheceu Albertina Caldas, com quem se casou e teve quatro filhos.
Um deles é o radialista da rádio A Crítica Carlos Caldas, meu brother de longa data.
Também no térreo funcionava um bar sofisticado chamado Mandy’s Bar.
O nome era uma homenagem ao peixe mandi, muito comum nos rios da Amazônia, já que Adalberto Valle era um eterno apaixonado pela cultura regional, mas alguém resolveu sofisticar a grafia.
Em anúncio publicado em fevereiro de 1952, o Hotel Amazonas informava que a boate do Mandy’s Bar já estava funcionando diariamente e que aos domingos seria oferecido um Sorvete Dançante para a juventude (precursor da “Papinha”, do Ideal Clube, e do “Mingau”, do Cheik Clube nos anos 60).
Em 1962, um incêndio consumiu o recém-inaugurado Hotel Brasília Palace, que rivalizava em esplendor e beleza com o Hotel Nacional, até então o melhor hotel da nova capital federal.
Como o Hotel Brasília Palace era a verdadeira jóia da coroa da Prudência e Capitalização, a empresa foi a nocaute e entrou em processo de concordata.
Para saldar as dívidas, Adalberto Valle vendeu a Brasiljuta para Mário Guerreiro e vendeu sua participação na Refinaria de Manaus para Nathan Albuquerque, que se tornou sócio de Isaac Sabbá e, mais tarde, o chairman da Moto Honda da Amazônia.
O Hotel Amazonas foi leiloado no ano seguinte e arrematado pelo empresário português Vasco Vasques, tendo o Banco do Estado do Amazonas como fiador.
Nascido na cidade de Las Palmas, nas Ilhas Canárias, na Espanha, em 1913, Vasco Vasques era filho do cônsul português Fernando Vasques e, de acordo com as leis de seu país, foi registrado com a nacionalidade portuguesa, da qual sempre se orgulhou.
Até 1939, ele viveu entre sua cidade natal e a cidade de Porto, em Portugal, onde estudou e se formou em Administração de Empresas.
Naquele ano, seu pai foi nomeado cônsul de Portugal em Belém (PA) e se mudou com a família para o Brasil.
Na capital paraense, Vasco Vasques se empregou na firma J. Dias Paes onde trabalhou até ser transferido para Manaus, em 1943, como gerente da mesma empresa.
No ano anterior, em 1942, os irmãos Samuel, Israel e Saul Benchimol haviam criado a empresa Benchimol, Irmãos & Cia Ltda. como uma firma de representações comerciais.
Nos primeiros anos de sua história, a empresa atuou comercializando medicamentos e posteriormente cereais, cimento e eletrodomésticos, ramo em que atua no presente.
Em 1945, Vasco Vasques se casou com a bonita Zaira Moreira, uma amazonense de Boca do Acre, com quem teve três filhos: Fernando, formado em Engenharia Elétrica, em Itajubá (MG), Jorge, formado em Direito, em Manaus, e Carlos, falecido precocemente em 1986, quando cursava a Faculdade de Administração, em Manaus.
Fernando e Jorge Vasques na primeira comunhão, promovida pelo Instituto Christus do Prof. Orígenes Martins
O casal tinha ainda uma filha adotiva, Maria Angélica, a melhor amiga de Zaira até os dias de hoje.
Vasco e Zaira Vasques moravam na rua Dr. Almino, 18, no centro, ao lado da casa de Alberto Simonetti Cabral e Maria Helena Cabral, de quem eram muitos amigos.
Alberto Cabral havia importado de Autazes uma cunhantan risonha de nome Zilda para trabalhar como babá de seu filho Alberto Simonetti Cabral Filho.
Ocorre que Zaira, gestante do primeiro filho, Fernando, caiu de amores pela adolescente e praticamente obrigou Alberto Cabral a lhe dar a guarda da menina.
A pequena Zilda foi morar na casa dos Vasques, onde se tornou uma espécie de irmã mais nova de Zaira, ajudando-a nas tarefas domésticas.
Aniversário de Jorge Vasques. A primeira é sua tia Irene Vasques, portuguesa, irmã de seu pai. Ao seu lado, Fernando Cesar Camara, filho do sócio de Vasco Vasques e alguns coleguinhas com suas mães e tias. A pequena Zilda é a terceira da esquerda pra direita
Em 1950, Vasco Vasques fundou a firma V. Vasques & Cia, passando a agenciar a Panair do Brasil em Manaus.
Em 1951, em uma das viagens de ônibus de Zilda ao escritório da Panair, em Educandos, ela conheceu o mecânico Zezinho de Jesus, proprietário dos ônibus Viajante e Imperial, que faziam a rota da Cidade Alta, e começaram a namorar.
Zezinho já era casado, mas Zilda não sabia. Resultado: ela acabou ficando gestante e, envergonhada, deixou a casa dos Vasques para morar sozinha.
Em dezembro daquele ano, nascia José Roberto Pinheiro (aka “Mestre Pinheiro”), que teve como padrinhos de batismo Vasco e Zaira Vasques.
Mestre Pinheiro e seu pai, Zezinho de Jesus, aos 90 anos
Já conhecido na cidade como “Vasco da Panair”, o comerciante adquiriu um balneário na Estrada do V8, localizado entre os balneários Guanabara e Mucuripe, que batizou de Las Palmas e o transformou em sede campestre de suas empresas.
Ele foi um dos primeiros empresários a ter esse tipo de preocupação social, ou seja, proporcionar diversão e lazer aos seus funcionários e familiares nos fins de semana.
As festas de São João e de Natal realizadas no balneário Las Palmas, com a participação de todos os funcionários da firma V. Vasques & Cia, ficaram famosas.
Zaira Vasques em foto autografada para o afilhado José Roberto Pinheiro
Em 1952, Vasco Vasques abriu a firma Bazar América Ltda., na Rua Guilherme Moreira, se tornando representante de marcas famosas de eletrodomésticos da linha branca, como Frigidaire e Dako, dos colchões Epeda, e de várias outros produtos, tendo como principais clientes as lojas Bemol.
Em parceria com outro amazônida visionário, Samuel Benchimol, Vasco Vasques criou a primeira empresa de distribuição de gás liquefeito de petróleo (Gás LP, o popular gás de cozinha) do Amazonas, a Gasônia Ltda, cujo depósito principal ficava no bairro da Cachoeirinha.
Em 1956, os irmãos Samuel, Israel e Saul Benchimol criaram a Fogás, que passou a ser concorrente direta da Gasônia.
Em 1963, com a compra do Hotel Amazonas, Vasco Vasques direcionou seu interesse para o ramo do turismo.
Ele criou a primeira agência de viagens do Amazonas, a Selvatur, desenvolvendo um trabalho pioneiro no atendimento aos poucos turistas que se aventuravam a conhecer de perto a exótica “Paris das selvas”, naqueles tempos fluviais.
Tendo o Hotel Amazonas como base operacional, ele montou uma estrutura com 18 barcos de turismo, 20 vans e criou o primeiro hotel de selva do estado, a Pousada Janaurylândia, dotada de restaurante, piscina e 24 apartamentos flutuantes, localizada no Lago de Janauary, ligado a um paraná do rio Solimões conhecido como furo do Paracuuba.
A Pousada Janaurylândia, marco pioneiro em hotéis de selva na Amazônia
Vasco Vasques também colocou em operação o navio Vitória dos Palmares, promovendo pela primeira vez na Amazônia viagens de turismo ecológico de padrão internacional.
Alberto e Maria Simonetti, Vasco e Zaira Vasques, Sebastião e Cleonice Bezerra (ele diretor do banco América do Sul) e Araken Soares, gerente do Banco Mineiro do Oeste, durante passeio no barco da Selvatur
Em pouco tempo, ele se transformou em representante exclusivo dos cartões internacionais Diners e American Express, da Agência Abreu, a maior agência de viagens de Portugal e a mais antiga do mundo, fundada na cidade do Porto em 1840, da argentina Polvani Tours, da americana Exprinter, da TAP (Transportes Aéreos Portugueses) e de várias outras companhias aéreas.
Em parceria com sua equipe de sócios, funcionários e amigos, como Fernando e Waldemar Câmara, Clóvis Vale, Amazonas Silva, Antonio Garcia, Carlos Pontilhão, Aldair Lucas, Julio Benarrós, Arlindo Porto, Sinval Gonçalves, Tibiriçá Pires, José Gonçalves e tantos outros, Vasco Vasques iniciou um incansável trabalho em prol do turismo amazonense.
Sinval Gonçalves, Douglas Souza Lima, Umberto Calderaro e o deputado estadual Chico Queiroz, durante a inauguração do Janaurylândia
Em 1964, cada vez mais empolgado com a potencialidade turística da região, o empresário vendeu a sua participação na Gasônia para a empresa Fogás e se preparou para investir pesado nos seu grande sonho, que era transformar Manaus em um destino turístico de fama mundial.
Foi quando seu mundo virou de ponta cabeça.
Em 10 de fevereiro de 1965, a Panair, em plena vitalidade, teve suas concessões de vôo cassadas sem aviso prévio pelo governo Castello Branco, a partir de recomendações expressas do brigadeiro Eduardo Gomes, na época ministro da Aeronáutica.
De uma hora para a outra, 5 mil funcionários, espalhados de Lima a Beirute, haviam instantaneamente perdido seu meio de subsistência e estavam em desespero.
Embasbacados com a brusquidão da medida, os representantes tentaram proteger a empresa com um pedido de concordata preventiva, que foi sumariamente transformado em falência em apenas três dias.
À época, alegou-se que a companhia, que não tinha sequer um título protestado, estava quebrada.
Os fatos mostravam outra coisa.
Dona da oficina Celma (hoje GE), da única infra-estrutura de telecomunicações aeronáuticas da América Latina e da maior parte dos aeroportos nas regiões Norte e Nordeste, a Panair pagou todas as indenizações trabalhistas de seus funcionários em dobro em apenas três anos e, os demais credores, em quatro.
Resultado: na hora de voltar às atividades, o governo baixou um decreto-lei para evitar a suspensão da falência por meio de concordata, mantendo a empresa no chão.
Essa lei estava em vigor até 2005, um dia antes de a Panair completar 40 anos fechada.
Com a referida lei, a Varig cresceu no vazio deixado pela Panair, mas depois acabou indo a bancarrota por incompetência administrativa de seus gestores.
O mais rocambolesco dessa história é que a Panair do Brasil havia crescido junto com o país.
De uma pequena empresa que operava a rota internacional Nova Iorque-Rio-Buenos Aires nos anos 30, expandiu-se incrivelmente em rotas nacionais e internacionais, abrindo agências no exterior, aeroportos e hangares no Brasil, além de empresas de manutenção e controle de tráfego aéreo e meteorologia, apoiada por sólidos empresários nacionais.
A empresa viveu o seu auge na era JK, quando o Brasil iria “crescer 50 anos em cinco”, conforme dizia o mais conhecido slogan de campanha do presidente bossa nova.
Um dos símbolos do nosso país, a Panair transportava artistas conhecidos, políticos consagrados, personalidades brasileiras e estrangeiras e até a seleção brasileira campeã mundial na Suécia e bi-campeã no Chile.
Também desenvolvia vários trabalhos comunitários, incluindo a campanha “Natal dos Índios”, transportando ajuda para as localidades mais distantes do país, principalmente na região amazônica, com seus famosos aviões anfíbios Catalinas, apelidados de “pata choca” (pelo formato) ou de “tracajá voador” (pela lentidão).
A Panair ajudava as missões salesianas, levando medicamentos, alimentos e roupas aos locais mais inacessíveis da floresta amazônica – um feito que nenhuma outra grande companhia aérea realizou até hoje.
Em Manaus, os aviões Catalinas desciam em frente ao Roadway e paravam em uma enseada existente entre os bairros de Educandos e Colônia Oliveira Machado.
O local ficou conhecido como Feira da Panair, porque servia como ponto de embarque e desembarque da empresa.
A rua da Panair ganhou esse nome porque a própria companhia abriu a rua e lá instalou um de seus escritórios.
Por ali circulavam os tripulantes da companhia, sempre elegantemente fardados, que se hospedavam no não menos elegante Hotel Amazonas.
Viajar pela Panair era um verdadeiro acontecimento social.
A lista de passageiros da aeronave Constelation, por exemplo, era até publicada nos jornais.
“Eu achava tudo muito bonito, muito elegante e ficava com vontade de entrar naquele avião”, recorda o cantor Milton Nascimento.
Ocorre que os donos da Panair, Mário Wallace Simonsen e Celso da Rocha Miranda, eram extremamente ricos, tinham boas relações com instituições financeiras e gozavam de grande prestígio e influência.
O paulista Simonsen comandava mais de 40 empresas poderosas, entre elas a Comal e a Wasin S.A., que compravam e exportavam café para o mundo todo numa época em que o grão ainda correspondia a dois terços da pauta brasileira.
Ele tinha capital majoritário na influente TV Excelsior, um dos canais de televisão mais promissores da época.
O seu sócio, Celso da Rocha Miranda, do Rio de Janeiro, atuava principalmente no ramo de seguros, com firmas como a Companhia Internacional de Seguros e a Ajax Nacional de Seguros, as maiores do setor, que atendiam clientes como o Banco do Brasil e as Docas de Santos.
Ele também trabalhava com aerolevantamento, prospecção e com a indústria imobiliária.
Era estranho que, com esse grupo forte por trás, a Panair subitamente tivesse ido à bancarrota.
Mas justamente aí estava a raiz do problema.
Esses homens eram muito próximos ao ex-presidente Juscelino Kubitschek e pretendiam financiar sua candidatura nas eleições seguintes.
Legalistas, tinham ficado marcados pelos militares por causa do apoio à posse de João Goulart três anos antes.
Uma a uma, suas empresas passaram a sofrer intervenções ou sérias restrições de crédito.
Em menos de uma década, os dois fortes empresários beijaram a lona.
Apesar da violência, a Panair tem o seu lugar cativo na música brasileira: Milton Nascimento e Fernando Brant compuseram “Conversando no Bar”, que ficou conhecida, na voz de Elis Regina, como “Saudade dos aviões da Panair”: “A maior das maravilhas foi voando sobre o mundo nas asas da Panair” (...)
Sem os vôos regulares da Panair para Manaus, a ocupação do Hotel Amazonas caiu para menos de 10%.
Os turistas estrangeiros simplesmente desapareceram.
O futuro engenheiro eletricista Fernando Vasques em cena de nudez explicita
O filho mais velho do empresário, Fernando Vasques, abriu uma das primeiras empresas de instalações elétricas de Manaus, a Pecol, e foi cuidar da vida.
O advogado Jorge Vasques foi estudar na Filadélfia, nos Estados Unidos, onde fixou residência por dois anos.
Em 1968, Jorge Vasques foi chamado de volta pelo pai para assumir a direção do hotel e da Selvatur.
A implantação da Zona Franca de Manaus havia transformado a cidade no único centro de produtos importados do país.
Era hora de se concentrar no desenvolvimento do turismo doméstico.
Vasco Vasques resolveu ampliar o número de apartamentos de 48 para 90. Como o prédio só tinha cinco andares, ele decidiu construir mais três.
O Hotel Amazonas voltou a surfar uma nova onda de prosperidade e o Mandy’s Bar logo se converteu de novo em hot point dos descolados locais.
No início dos anos 70, Vasco Vasques percebeu que a maioria dos novos empresários do nascente Distrito Industrial se hospedava no seu hotel e resolveu ampliá-lo mais uma vez, na mesma época em que a Varig construía o Tropical Hotel, na praia da Ponta Negra.
Como não podia crescer no sentido vertical, o hotel ganhou mais 110 apartamentos abrangendo toda a extensão lateral.
A reforma atingiu, inclusive, a parte interna: o antigo zoológico foi transformado em piscina e o hotel ganhou novos e amplos salões, saunas e modernas acomodações para as reuniões, convenções e eventos particulares dos seus hóspedes.
O empresário Vasco Vasques faleceu em março de 1976, um ano depois de ver a reforma concluída.
Uma semana depois, foi inaugurado o Tropical Hotel e o Aeroporto Internacional Eduardo Gomes, por ironia, o mesmo brigadeiro responsável pela derrocada da Panair do Brasil.
Sob o comando de Jorge Vasques e Fernando Câmara, o Hotel Amazonas manteve o posto de melhor e mais charmoso hotel da cidade, chegando a ter cerca de 250 funcionários.
Além do tradicional happy hour de todos os dias no Mandy’s Bar, a famosa feijoada carioca servida aos sábados no restaurante Varanda Tropical era outro sinônimo de sucesso.
A partir de 1978, sambistas famosos, como Martinho da Vila, Benito Di Paula e João Nogueira começaram a se apresentar no hotel com certa frequência e, em pouco tempo, uma turma animada começou a improvisar uma roda de pagode nas tardes de sábado.
Entre esses jovens, estavam José Onetti, Ademar Brito, Teomário Pinto (um dos líderes do Mocidade Clube), Elias Benzecry, Roberto Carreira, Renato Simões, Humberto Amorim e os irmãos Fernando, Jorge e Carlinhos Vasques.
Em 1982, dois anos depois de o carnaval de rua de Manaus ter se transferido da avenida Eduardo Ribeiro para a avenida João Alfredo (atual Djalma Batista), os frequentadores do Mandy’s Bar resolveram criar uma banda carnavalesca para desfilar pelo centro velho da cidade no sábado gordo.
Participaram da reunião de fundação José Onetti, Ademar Brito, Antenor Amazonas, Jorge e Carlinhos Vasques.
O eterno folião carnavalesco Antenor Amazonas
O médico e artista plástico Ademar Brito sugeriu as cores verde e branca para simbolizar a floresta amazônica.
A banda iria ter uma pequena orquestra de sopros composta por músicos da banda da Polícia Militar especializados em velhas marchinhas de carnavais.
O cortejo sairia do Hotel Amazonas, subiria a Eduardo Ribeiro, pegaria a Saldanha Marinho a direita, depois a Rua Barroso, também a direita, a Sete de Setembro novamente a direita, e de novo a Eduardo Ribeiro, dessa vez a esquerda, retornando ao Hotel Amazonas.
Ficou combinado, também, que seria coroado um rei e uma rainha da banda, a ser escolhido no dia do desfile.
O horário do início do desfile seria às 17h.
No primeiro ano do desfile, cerca de 800 pessoas participaram da fuzarca, a maioria formada por nomes conhecidos do jet set local, incluindo empresários, colunistas, advogados, socialites, jornalistas, modelos e profissionais liberais.
Entre os foliões de primeira hora estavam Arlene Santos (escolhida 1ª rainha da banda), Marina Nunes, Charuff Nasser, Suely Moss, Leila Mattos, Cibele Johnson, Arlélia Gusmão, Lauro Rocha, Murilo Rayol, Deocleciano Souza, Wilson Brígido, Ricardo Pio, Humberto Amorim, Renato Simões, William Abrahim, Adalberto Bonfim, Manoel Dutra, Alberto Simonetti, Carlos Aguiar, Pedrinho Aguiar, Angélica Vieira, Regina Monjardin, Anete Brito, Letícia Barbosa, Amélia Loureiro, Ana Rita Antony, Dilson Pontes, Dirmenia Paracat, Sandra Salignac, Valdenyra Thomé, Ines Benzecry, Helena Moura, Theomario e Dulce Costa, Elaine Ramos, Hermengarda Junqueira, Tanamara Verçosa, Mazé Oliveira, Benedito Lyra, Ananias Góes, Lupercinio Nogueira, José Barbosa (dono da lendária loja Embalo’s Moda), Heraldo (juiz), José e Mazé Portela, Zeca Nascimento, Jaime Covas, Geraldo dos Anjos, Daniel Bizzi, Gil Barbosa, Kim Malheiros, Carlos Malheiros, Jorge Conceição, Guilherme e Jorge Pinheiro, Chico e Jorge Rodrigues, Lili Oliveira, Jésia Raiker, Rita Bernardino, Carlos, Fernando e Jorge Vasques, João Manoel Marques, Acram Isper, Elton Pio, Antenor Amazonas, Ademar Brito, José Onetti, Ronaldo Soares, Sergio Bichara, Eliane, Otávio e Heraldo Beleza da Câmara, Marly Fraiji, Belinha e Douglas Raiker, Antonio Barateiro, Amazonino Mendes, Helena e Gutemberg Fonseca, Ligia Fraxe, Monica, Hyssa, Mario e Wilson Abrahim, Norma Esteves, Paulo Lima e Fernando Pio de Souza.
No segundo ano, as candidatas do concurso Rainha do Carnaval Gay, promovido por Alonso e Bosco Fonseca no Bar Patrícia, fizeram uma aparição em grande estilo e deram o sinal verde para que dragqueens de todos os cantos da cidade começassem a participar do evento.
Durante os anos 80, a banda continuou saindo religiosamente no sábado gordo, arrastando uma multidão estimada em 5 mil foliões.
A partir de 1990, por motivos nunca esclarecidos, a Banda do Mandy’s Bar passou a sair no sábado magro, no mesmo dia da BICA, apesar de nunca as duas bandas terem se cruzado durante o desfile.
Uma explicação possível: os clubes tradicionais voltaram a investir nos bailes de carnavais realizados no sábado gordo e os foliões da banda preferiram brincar na rua no sábado magro e brincar nos clubes no sábado gordo.
Em 1991, por exemplo, Pedrinho Aguiar desfilou fantasiado de Cigana, em homenagem ao baile “Noite Cigana”, que o colunista César Seixas iria realizar no Rio Negro.
No mesmo ano, Neguinho da Beija Flor, que estava hospedado no hotel para fazer um show em um clube local, empolgou-se com a Banda do Mandy’s e deu uma canja cantando durante 30 minutos os mais famosos sambas enredos das escolas do Rio, de Janeiro, principalmente da sua escola.
A estonteante Leila Mattos, uma das bombshells da fuzarca
Além da grande quantidade de mulheres bonitas, a Banda do Mandy’s Bar possuía duas outras tradições.
As rainhas eleitas eram mulheres maduras e charmosas, elegantemente fantasiadas, que desfilavam no alto de uma caminhonete.
Travestido de mulher, o colunista Carlos Aguiar, com seus quase dois metros de altura, abria o desfile e se tornou o personagem mais aguardado pelo público.
“Em geral, chego atrasado de propósito!”, disse Carlos Aguiar, em entrevista concedida a jornalista Leyla Leong, do jornal A Crítica, em fevereiro de 1993, que naquele ano iria desfilar de “Tereza Collor em Miami”.
“Por causa da minha altura, eu chamo muita atenção, até mais do que a rainha. Ano passado gastei 10 batons, porque quando me pedem beijo eu beijo mesmo, deixo minha marca”, explicou.
Criador de seus personagens dentro de uma banda que não tinha enredo, Carlão já desfilara ao lado do mignon Pedrinho Aguiar como as irmãs Ísis e Luma de Oliveira, demitidas da tevê Globo pelo envolvimento de Ísis com a cantora Simone.
Em homenagem a questão ambiental, Carlos Aguiar também já havia desfilado como “Miss Ecologia”, portando um adereço de braço que “atrapalhava todo mundo”. Um figuraço!
Em 1991, o presidente Collor resolveu liberar as importações em todo o país e o comércio de importados da ZFM entrou em parafuso.
Centenas de importadoras fecharam as portas. Vários hotéis, pousadas e pensões do centro da cidade encerraram as atividades por falta de hóspedes.
Os turistas domésticos, ávidos por compras de produtos importados,viraram ficção científica.
Surgiu um novo tipo de turista, mais interessado em hotéis de selva, ecoturismo e turismo de aventuras.
O advogado Jorge Vasques em visita a terra natal de seu falecido pai, nas Ilhas Canárias
O Hotel Amazonas ainda resistiu bravamente até 1996, quando os sócios Jorge Vasques e Fernando Câmara, em comum acordo,decidiram vender o empreendimento por meio de leilão.
O hotel foi transformado em um condomínio de salas comerciais e residenciais.
A Banda do Mandy’s Bar desfilou pela última vez em fevereiro de 1997.
A morte de dois de seus organizadores – Carlinhos Vasques e Teomário Costa –, a falta de um local próprio para a concentração e o gigantismo que assolou a banda, bem diferente da proposta original de uma pequena confraternização entre amigos, foram determinantes para o encerramento da folia.
“Sinto saudades da época em que Manaus era mais amiga, mais íntima, onde as pessoas se cumprimentavam e se visitavam mais. Os primeiros organizadores da Banda do Mandy’s nutriam muito carinho e respeito mútuo entre si. Nós costumávamos curtir o carnaval de uma forma muito saudável. Não havia envolvimento com drogas e o carnaval de rua era mais alegre. As pessoas saíam de casa sem medo de que algo de ruim acontecesse”, relembra Jorge Vasques.
Fernando, Jorge, Zaira e Maria Angélica Vasques
“Um dos motivos para que terminássemos com a banda foi a ocorrência cada vez maior de assaltos e brigas, com o envolvimento de pessoas que não frequentavam o bar e não faziam parte do nosso círculo de amizade. Percebemos que aquilo já estava ficando fora de controle e resolvemos colocar um ponto final na esbórnia”, diz ele.
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