Ao longo da história, muitas empresas sempre demonstraram interesse em apoiar a cultura, independentemente de qualquer intervenção pública ou benefícios fiscais.
No entanto, no Brasil, esse interesse somente foi intensificado a partir de 1986, com a promulgação da Lei Federal 7.505 (Lei Sarney).
Os incentivos fiscais instituídos pela Lei Sarney financiavam grande parte dos custos dos projetos culturais, beneficiando com redução de impostos as empresas que investissem na cultura.
A Lei Sarney vigorou até 1990, quando o governo Collor suprimiu os incentivos fiscais. Em 1991, o mesmo Governo criou a Lei 8.313 (Lei Rouanet), que vem sendo aperfeiçoada desde então.
Envolvidos com o movimento de poesia alternativa (também chamada de “poesia marginal”) desde o final dos anos 70, eu, Arnaldo Garcez e Simão Pessoa, com a colaboração de Aníbal Beça, Narciso Lobo, Antonio Paulo Graça, Mário Adolfo, Manuel Galvão, Rui Sá Chaves, João Bosco Ladislau e Almir Graça, elaboramos os estatutos e fundamos, em 1987, o coletivo Gens da Selva, uma entidade cultural sem fins lucrativos, com sede provisória no Bar do Armando.
O nome do coletivo fazia uma brincadeira eufônica com o famoso Jim das Selvas, herói dos quadrinhos desenhado pelo badalado Alexandre (Alex) Raymond, o mesmo que lançou Flash Gordon. Ao mesmo tempo, trazia como pedra de toque o substantivo gens (“pessoas”, em francês), reafirmando nossas raízes caboclas e nosso cosmopolitismo cultural.
O Coeltivo Gens da Selva foi a primeira entidade cultural do Amazonas a receber do Ministério da Cultura o registro definitivo, que a habilitava a fazer captação de recursos junto à iniciativa privada com os benefícios da Lei Sarney (a segunda foi o Movimento Alma Negra – MOAN – do Nastor Nascimento).
Foi dessa forma que editamos o jornal Miratinga e vários livros de poesia, em 1988, e produzimos o primeiro disco do cantor Roberto Dibbo, em 1989.
Nos anos 90, o Coletivo Gens da Selva ficou mais focado na edição de livros de poesia, jornais, fanzines e recitais poéticos, deixando de lado a parte musical, mas sempre tendo como base logística o Bar do Armando.
Os shows musicais rolavam apenas durante as sessões de autógrafos de algum escritor que estivesse lançado um novo livro no pedaço.
A partir de 1999, por insistência dos biqueiros, o Coletivo Gens da Selva assumiu, definitivamente, as atividades musicais do Bar do Armando fora do período carnavalesco.
No início, as noitadas etílico-musicais foram batizadas de “Sextarmando”, porque sexta-feira era o dial mundial da “armação”.
Mais tarde ,quando os shows passaram a rolar na quinta-feira, o frege foi rebatizado de “ArmandoBrega” e, finalmente, a partir de 2001, quando a Secretaria Estadual de Cultura, por meio do secretário Robério Braga, passou a pagar um cachê simbólico para os músicos, se transformou no “Chorando na BICA”.
Há alguns anos, o jornalista Sílvio Essinger publicou um texto no site cliquemusic.uol.com.br dissecando esse famoso gênero musical chamado brega. Curtam.
A origem é discutida: há quem diga que o nome vem dos prostíbulos nordestinos em que esse tipo de música era usado para embalar os romances de aluguel. O fato é que, desde o começo da década de 80, a palavra brega vem sendo usada para designar a música de mau gosto, geralmente feita para as camadas populares, com exageros de dramaticidade e/ou letras de uma insuportável ingenuidade.
A origem desta ramificação indesejada da MPB, hoje alçada à condição de quase-gênero, pode ser encontrada nos anos 30, em Vicente Celestino e suas trágicas canções em forma de opereta: O Ébrio (música-tema do torturado filme estrelado por ele e dirigido por sua mulher, Gilda de Abreu) e Coração Materno (gravada por Caetano Veloso no auge da Tropicália, pouco tempo antes da morte de Vincente).
Nas décadas seguintes, o samba-canção e o bolero levariam adiante essa estética, principalmente quando cantados pelas vozes empostadas de artistas como Orlando Dias (viúvo que desafogava a emoção no palco, acenando com o lenço branco para o público), Silvinho (de Esta Noite Eu Queria Que o Mundo Acabasse e Mulher Governante), Nelson Gonçalves (A Volta do Boêmio), Anísio Silva, Altemar Dutra (abastecido pela dupla de compositores Jair Amorim e Evaldo Gouveia, de Que Queres Tu de Mim?), Waldick Soriano (Eu não Sou Cachorro Não), Adilson Ramos (Sonhar Contigo), Agnaldo Timóteo, Nelson Ned, Agnaldo Rayol e Lindomar Castilho.
Mesmo Teixeirinha, cantor e compositor dedicado à música tradicional gaúcha, obteve sua inscrição nesse clube ao gravar em 1960 a dramática Coração de Luto, uma narração da morte da sua progenitora, que acabou sendo popularmente rebatizada de Churrasquinho de Mãe.
A Jovem Guarda, inadvertidamente, abriu caminho para novas modalidades musicais que desafiaram os padrões de bom gosto da classe média brasileira. Inspirados pelas levadas de guitarra e as letras de romantismo primário, músicos de todo o país resolveram embarcar naquela onda.
Em Recife, apareceu Reginaldo Rossi, líder da banda The Silver Jets, com a qual chegou a participar de alguns programas da Jovem Guarda. Seu primeiro sucesso em carreira-solo foi O Pão, que abriu o caminho para uma série de outras músicas com estilo muito próprio, que o tornaram um dos artistas mais populares do Nordeste a partir do começo dos anos 70: Mon Amour Meu Bem, Ma Femme (que teve mais de 50 regravações), a A Raposa e as Uvas e O Rock Vai Voltar, entre outras.
Rossi tornou-se o contraponto nordestino para Roberto Carlos, apropriando-se do título do companheiro de movimento: Rei. No fim dos anos 90, sua Garçon, clássico da música de corno, transformou-o subitamente em sensação no Sudeste, ajudando a detonar uma onda de reavaliação do brega, com direito inclusive a um disco-tributo pela geração roqueira do mangue beat: ReiGinaldo Rossi (1999).
Junto com Reginaldo Rossi, outros cantores passaram a disputar a atenção do público de classes sociais menos abastadas no começo dos anos 70. Em especial, Odair José, de canções como Pare de Tomar a Pílula e Eu Vou Tirar Você Desse Lugar, que chegou a cantar em dueto com Caetano Veloso no festinal Phono 73.
Tematizando as alegrias e tragédias de uma população de migrantes nordestinos, outros artistas como Amado Batista (O Lixeiro e a Empregada, O Acidente), Fernando Mendes (Cadeira de Rodas), Evaldo Braga (Sorria, Sorria) e Almir Rogério (Fuscão Preto) também garantiram grandes vendagens de discos.
Uma versão mais moderna do que viria a ser considerada como brega daria as caras na segunda metade dos anos 70, capitaneada por Sidney Magal (de Sandra Rosa Madalena e O Meu Sangue Ferve por Você) e Gretchen (Melo de Piripipi, Conga La Conga).
No lugar do embalado da Jovem Guarda, entrou a influência da discoteque e do pop dançante em voga da época, com uma grande ênfase em danças e gestos sensuais (no limite do vulgar, diriam alguns). O romantismo e seus arroubos também seguiram em alta, em trabalhos como o da paraguaia Perla (que vertia para o português canções do grupo sueco Abba) e a dupla Jane & Herondi.
Nos anos 80, o pop brega foi representado por uma dupla de compositores, Michael Sullivan (ex-Fevers) e Paulo Massadas, que garantiu sucessos para nomes do mais respeitável time da MPB, como Gal Costa (Um Dia de Domingo), Tim Maia (Me Dê Motivo) e Fagner (Deslizes).
Por outro lado, jovens artistas do Sudeste, alguns até universitários, começaram a reavaliar aquela música batizada de brega e a usá-la em seus trabalhos como forma de contestar a alta cultura.
Essa vertente metabrega (que Raul Seixas inaugurou nos anos 70 nas músicas Sessão das Dez e Tu és o MDC da Minha Vida), teve como expoentes o cantor, compositor pianista e autor carioca Eduardo Dusek (que fez o disco Brega-chique em 1984) e a banda paulistana Língua de Trapo.
Esse movimento avançou pela década de 90, com bandas como a paulistana Vexame e a carioca Os Copacabanas, que se especializaram em recriar sucessos de Amado Batista e Reginal Rossi, de forma satírica, para as platéias intelectualizadas. Outra vertente foi a dos autores, como o cearense Falcão (de Holiday e Foi Muito e I’m Not Dog No, versão em inglês escalafobético de Eu Não Sou Cachorro Não) e os Mamonas Assassinas (filhos diletos do Língua de Trapo, com Vira Vira e Pelados em Santos).
Em 1999, a aceitação do brega chegou a tal ponto que a gravadora Universal lançou a caixa de seis CDs A Discoteca do Chacrinha (afinal, era o programa em que os artistas do gênero se encontravam), com Sidney Magal, Gretchen, Odair José, Almir Rogério, Amado Batista e tantos outros nomes de grande popularidade na década de 70 regravando seus sucessos.
Enquanto isso, o brega em sua forma mais autêntica tornava-se uma das principais forças musicas em Belém do Pará. Depois de Alípio Martins e Beto Barbosa (que ajudou a propagar o fenômeno da Lambada pelo país no fim dos 80), uma geração influenciada por Reginal Rossi tomou a cidade em bailes e festas, com uma série de músicas de sucesso que não ultrapassaram as barreiras regionais: caso da Melô do Papudinho de Roberto Villar e da Melô do Ladrão, de Wanderley Andrade.
Edílson Moreno, Roberta Rocha, Anormal do Brega, Adilsio Ribeiro, Cléo Soares, Kim Marques, Alberto Moreno, Cris Oliveira e mais centenas de replicantes eram os artistas que movimentavam a vida noturna de Belém no fim dos anos 90 com seu Brega Calipso.
É evidente que o texto do Silvio Essinger esclarece muitos assuntos pertinentes ao brega, mas o que levou nós, do Coletivo Gens da Selva, a introduzirmos esse tipo de música na sede da BICA foi um fato ocorrido na primeira quinzena de julho de 1999.
Um dia, Beto Balanço, representante local da Atração Fonográfica, que tinha seu escritório no edifício Palácio do Comércio, onde também ficava a sede do Gens da Selva, convidou o poeta Marco Gomes para conhecer um cantor paraense que estava em Manaus divulgando seu segundo disco, “O Ídolo do Brega”.
O release da gravadora dizia que José Wanderley Andrade Lopes nasceu em 6 de junho de 1964, em São Miguel do Jarí, distrito de Almerim, no Pará.
Filho de família humilde, aos 14 anos passa a cantar e viver com uma família de americanos, que é quando aprende fluentemente o inglês.
Aos 20 anos, passa a cantar em casas noturnas e vira intérprete em um hotel 5 estrelas, em Belém do Pará, onde aprende francês, italiano e espanhol.
Em 91 grava seu primeiro LP vinil, “A Maura”, e em 97 explode nas paradas com a música “Ladrão de Coração”, onde alcança a venda espetacular de 267 mil cópias.
Seu jeitão irreverente, extravagante e luxuoso, realçado por uma cabeleira colorida, fazem-no ser dono de um estilo único e inimitável.
Suas principais características são a simpatia e inteligência, aguçadas por um extraordinário senso de humor.
Marco Gomes conheceu o cantor no Hotel Imperial e a única coisa que lhe chamou a atenção, na ocasião, foi o jeito brega de ser do sujeito: jaqueta de couro, calça vermelha de vinil bem chamativa, botas de vaqueiro, jóias de ouro de cantor de pagode, óculos espelhados e outros balagandãs, enfim, o supra-sumo da cafonice pós-Falcão.
Ele explicou que era o criador, desenhista e idealizador de toda sua produção e figurino, e que sua inspiração vinha de personagens familiares da música mundial, como Elvis Presley, Nina Hagen, Raul Seixas, Pepeu Gomes e Sex Pistol. Marco Gomes e Beto Balanço fingimos acreditar.
O certo é que depois de algum papo, a dupla amazonense o convidou para fazer um show acústico no Bar do Armando. Ele topou na mesma hora.
Mais tarde, eles conversaram com a diretoria da BICA, que aprovou a idéia.
O show do Wanderley Andrade marcaria o lançamento do projeto “Universidade Livre do Armando”, que seria um mix de shows musicais, recitais poéticos, palestras e lançamentos de livros.
No dia combinado, Wanderley Andrade chegou ao bar no horário estabelecido, mas o Marco Gomes estava numa parada federal na Rua 13 da Colônia e não pôde recepcioná-lo.
O pré-show já havia começado, com o grupo Dente de Dragão, de Ari de Castro Filho, Rogelio Casado, Kleklé e Gilson das Candongas.
A cada dez minutos, Manuel Batera anunciava a atração-sensação vinda de Belém do Pará, mas como ninguém conhecia o cantor, nenhum biqueiro foi falar com ele.
Provavelmente pensavam que aquele sujeito de macacão de oncinha, botas de cano alto e cabelo multicolorido fosse alguma “estrela” gay da boate Jet Set, que funcionava ao lado do Teatro Amazonas.
Meio cabreiro com a fria recepção da BICA, Wanderley Andrade pediu um refrigerante em lata e ficou ali, de bobeira, assistindo a performance do grupo Dente de Dragão. Ninguém lhe dirigiu uma palavra.
Depois de meia hora, ele saiu do bar, andou um pouco entre as mesas do lado de fora e, como todo mundo continuou não dando a menor confiança para aquele sujeito fantasiado de figurante do “Rock Horror Show”, ficou puto da vida e voltou sozinho para o hotel.
Quando Marco Gomes voltou da parada e soube que o cantor havia “furado” o esquema, saiu do Bar do Armando e foi falar com ele, lá no Hotel Imperial, mas Wanderley Andrade não quis mais papo.
Puto da vida, ele esculhambou com a falta de profissionalismo dos biqueiros.
Argumentou que aquilo tinha sido uma desfeita, uma grande sacanagem, que ele era um ídolo reverenciado em Belém do Pará e merecia respeito, enfim, disse cobras e lagartos dos diretores da BICA.
No dia seguinte, Wanderley Andrade apareceu no bar como se nada tivesse acontecido, tomou umas cervejas, conversou com o português Armando, cantou uns fados da Amália Rodrigues e depois foi embora. No mesmo dia, embarcou pra Belém.
O problema é que aquela viadagem dele na noite anterior tinha ficado atravessada na garganta do poeta Marco Gomes.
Alguns dias depois, só para encrencar, Marco Gomes enviou uma carta furiosa para a gravadora Atração, denunciando o “estrelismo” do cantor, que, além de “mau-caráter” e “antiprofissional”, havia dado um prejuízo incalculável para o “bar mais famoso de Manaus”.
Por muito pouco, Wanderley Andrade não foi mandado embora da gravadora. O próprio Beto Balanço, que havia feito a ponte com o cantor, também quase foi detonado.
Quando Marco Gomes foi comentar o fato com os poetas Simão Pessoa e Carlos Araújo, eles não deixaram por menos.
– Porra, Marcoza, o que não falta em Manaus é cantor de brega. Pra que trazer cantores de Belém? Se tu estás a fim de encrenca, então vamos mudar o estilo musical do Bar do Armando. Em vez de Torrinho, Célio Cruz, Roberto Dibbo, Candinho & Inês, Carlos Castro, Pereira, Armando de Paula, Uézelis Maca e outros cantores de MPB, que já estão carecas de dar canja aqui, por que você não convida Nunes Filho, Abílio Farias, Teixeira de Manaus, Nino Gato e por aí afora? –, questionou Carlos Araújo.
– Se é pra avacalhar de vez, vamos avacalhar em grande estilo! –, sentenciou Simão Pessoa.
Na terceira quinta-feira do mês, dia 20 de julho de 1999, que passou a ser data oficial de inicio do rebuceteio, o cantor Nunes Filho entrava no Bar do Armando para fazer um show memorável.
Ele confessou que estava com medo da reação do público “porque o bar tem fama de ser reduto de intelectuais, de jornalistas e de poetas”. Nem acreditou quando, ao final do show, foi aplaudido de pé por mais de 200 biqueiros.
Ter descoberto que os “intelectuais” gostam de brega não foi apenas uma agradável surpresa para Nunes Filho: também foi uma agradável surpresa para o próprio Armando, que nunca havia vendido tantas cervejas e iscas de pernil no meio da semana, sem estar rolando algum ensaio da BICA.
O projeto “Universidade Livre do Armando” mudou de nome várias vezes, mas nunca parou de vez, apesar da má vontade de alguns editores de cultura dos jornais da cidade, que insistiam (e insistem até hoje) em não divulgar o evento.
No dia 19 de agosto de 1999, o poeta Simão Pessoa publicou a seguinte matéria no jornal Amazonas em Tempo:
No mês passado, durante o lançamento do projeto “Universidade Livre do Armando”, o cantor Nunes Filho incendiou a platéia, fazendo jus ao título de Príncipe do Brega.
Hoje, quem dá as cartas é o Rei do Brega, Abílio Farias, o Reginaldo Rossi do Amazonas. Ou será que o Reginaldo Rossi é que é o Abílio Farias de Pernambuco?
Essas e outras questões transcendentais serão respondidas, a partir das 20 horas, no Bar do Armando, quando Abílio começar os primeiros acordes de “Coração Dividido”, aquele hino de qualquer espada-matador, composto pelo saudoso Domingos Lima.
As atrações não param por aí. A companhia Vitória Régia vai apresentar um trecho da peça “O Casamento da Filha do Mapinguari”.
O bonequeiro Paulo Mamulengo, presidente da Associação Nacional dos Criadores de Mapinguari, vai falar a respeito desse pequeno animal, semelhante a um urso koala gigante e que se encontra perigosamente à beira da extinção.
A dançarina Giselle Souza vai fazer uma exibição de Dança do Ventre, enquanto este vosso escriba autografa o verdadeiro Manual do Espada, publicado pela Editora Valer.
Após a apresentação de Abílio Farias, o grupo Panavoeiros da Mata Virgem sobe ao palco para mostrar as canções do famoso show “Tangurupará”.
O palco do show foi um dos motivos que levaram Manuelzinho Batera a ser deletado da Comissão de Licitação da BICA.
Para um tablado de 2x2m, ele exigiu cinco quilos de pregos, três dúzias de tábuas corridas, 12 pernamancas, 20 folhas de compensado e 10 galões de tinta. Era material suficiente para construir um bangalô de dois quartos na Cidade de Deus.
Aproveitando a moda, o ex-presidente da BICA, Deocleciano Souza, pediu a abertura de uma CPI sobre o escândalo. Manuelzinho também será indiciado por “tráfico de influência”. Ele tentou vender uma vaga de diretor da banda para um corretor de imóveis conhecido por Darlan.
O fim do mundo pode não ter acontecido, mas o da BICA está para começar. Ao saber que o tema da banda para próximo ano é a venda de alvarás para traficantes, o presidente eleito José de Anchieta, membro do poder Judiciário, pediu o boné e foi substituído, interinamente, pelo vice, Julinho da Receita.
O problema é que Julinho tem menos de cinqüenta anos e já está aposentado, o que, no entender do presidente Fernando Henrique, é sinônimo de “vagabundagem”. Como, entre os diretores da banda, a palavra “vagabundo” é tabu, uma comissão de notáveis está estudando a delicada questão. Tudo indica que dona Lourdes, mulher do Armando, será a nova presidente da BICA, apesar do número de piadinhas de duplo sentido que o fato possa desencadear.
Mas, voltando à vaca fria. Assisti a um show do Abílio Farias, pela primeira vez, em 1978, no extinto lupanar “Saramandaia”.
Fui na companhia do saudoso bicheiro Ivan Chibata, irmão do “capo” Beto Boca Rica.
Até então, minhas incursões pelo circuito hardcore da cidade limitavam-se a uma ou duas visitas ao “Iracema” e ao “Piscina“, onde, aliás, fiz sexo pela primeira vez.
Vi, no palco, um Abílio que não ficava parado, sempre andando pra lá e pra cá, o tempo todo, como se estivesse em transe mediúnico.
Não bebia cerveja, entornava litros e litros de uísque vagabundo e tirava baforas de um join, capaz de matar Bob Marley de inveja. Também não enxugava o suor o rosto, apenas passava uma flanela amarela na testa e depois a jogava para a platéia.
Um saltimbanco de paquera, a coreografia do espada-matador. E, além de tudo, era um show interativo.
Abílio dividia a platéia em “gigolôs espertos com a carteira cheia de grana”, “coroas que não transam há mais de um ano”, “meninas do interior que perderam o botão de rosa com marinheiros”, “caras que estavam pulando a cerca pela primeira vez”, “marafonas em fim de linha”, “casais que vão dar uma depois do show” e então mandava uma música à altura de cada tribo. Era um delírio total.
Para mim, foi uma revelação, quase um alumbramento.
Esse amazonense de Manaus é mais que a trilha sonora de uma mulher de shortinho molhado, passando o rodo na cozinha. Sua dengosa sem-vergonhice tem um público grande e plural.
Seus boleros machistas, salsas desencanadas e sambinhas marotos seduzem os ouvidos femininos, levantam o moral de moças carentes e ensinam aos homens alguns truques para o “bom combate”.
Ele é o que muitos machos gostariam de ser e muitas mulheres de ter. Assistir a seu show é como penetrar no laboratório onde o Manual do Espada foi concebido. Eu recomendo.
Na quinta-feira, dia 9 de setembro de 1999, o poeta Simão Pessoa publicava a seguinte matéria no jornal Amazonas em Tempo:
As noitadas bregas comandadas pela BICA (Banda Independente Confraria do Armando), com apoio cultural do jornal Amazonas em Tempo, OAB-AM, Associação dos Magistrados, Sindicato dos Escritores e Federação Amazonense do Teatro Amador, deram uma parada estratégica.
Não que os biqueiros tenham se cansado das músicas de dor-de-corno. Pelo contrário: já tinha gente sugerindo ao interventor da banda, Julinho da Receita, a introdução de lâmpadas vermelhas no recinto, para melhor a ambiência, e um convênio com a boate Kilt’s, para incrementar a presença do público feminino.
O motivo da parada, acreditem se quiserem, é simplesmente o supra-sumo ao quadrado da breguice provinciana: a impossibilidade de dar novos títulos nobiliárquicos aos artistas do gênero.
Depois de Abílio Farias, o Rei do Brega, e Nunes Filho, o Príncipe do Brega, o cantor Nino Gato não aceitou ser chamado de Arquiduque do Brega. Nem de Embaixador do Brega, Primeiro-Ministro do Brega ou Eminência Parda do Brega.
Para ele, qualquer título que fosse inferior a Nino Gato, Rei dos Reis do Brega, ou Senhor dos Senhores Brega, ou ainda, Sua Majestade Imperial Dulcíssimo Leão Conquistador da Música Brega, seria uma falta de consideração.
A diretoria da BICA preferiu despachar o convidado e dar uma chance a Reinaldo Moreno, vocalista da Blue Birdes Band. A única exigência feita ao vocalista é que que não demore mais de dez minutos para gemer o “iô-iô-iô-iôôôôô”, com que pontua cada uma de suas canções. O show “Cantador Amazônida” começa às nove da noite.
Reinaldo da Souza Moraes nasceu em Belém do Pará e iniciou sua carreira musical como tenor do “Coral Uirapuru do Grão Pará”, tendo como professor o famoso maestro de balcanto Adelermo Matos, nascido na Vila do Palermo, perto de Belterra.
Um dia, quando tinha apenas dezesseis anos, Reinaldo saiu de casa para comprar o almoço de domingo (dois litros de açaí, um quilo de farinha de mandioca e meia dúzia de mangas) lá no mercado Ver-o-Peso, mas pegou o ônibus errado e foi parar no Pelourinho, em Salvador, onde permaneceu seis meses.
Sua formação musical é fruto dessa experiência traumática vivida na capital baiana, quando era obrigado a cantar até trinta e cinco músicas seguidas do Djavan em troca de dois acarajés e um caldinho de feijão.
Foi assim que ele aprendeu a fazer o “iô-iô-iôôô” em noventa por cento do seu repertório.
Na época, Reinaldo Moreno foi batizado pelos baianos de “Reinaldo Paroara”, que quer dizer “grande comedor de jacaré” em idioma araketu.
Reinaldo não gostou muito da Bahia porque a maior parte da população é negra (só escapa a palma da mão e a sola do pé) e a família que o recolheu das ruas o tratava como um escravo.
Assim que conseguiu se livrar das algemas, se mandou para Fortaleza “morcegando” um trio elétrico chamado “Cavalo de Aço” (na realidade, era um ônibus da Viação Cometa com duzentos vagabundos batucando na lataria, mas Reinaldo sempre foi uma pessoa simples, sem vaidades, que nunca deu importância a esses detalhes insignificantes).
Na capital cearense, ele recebeu o nome artístico de “Reinaldo Mocorongo”, que quer dizer “supremo comedor de jacaré” na linguagem de Lampião.
Depois de aperfeiçoar seu “iô-iô-iô-iôiôiô” fazendo backing vocal em rodas de maracatu, cateretê e martelo agalopado, o cantor saiu em busca do reggae de raízes e acabou em São Luís, capital da famosa Jamaica brasileira administrada pela família Sarney.
Reza a lenda que os primeiros escravos africanos que desembarcaram na ilha de Alcântara já traziam consigo a semente do reggae e da maconha.
Para o modismo chegar a São Luís, bastou a maré baixar um pouco. Foi nesse ambiente musical esfumaçado que Reinaldo passou os melhores anos de sua vida.
Sua rotina diária consistia em fazer a cabeça no terreiro da Casa de Fanti-Ashanti, jogar capoeira na praia do Esquisito, participar do Tambor de Choro na Casa de Nagô, ensinar berimbau e viola de gambá na Casa das Minas e se empapuçar de arroz de puçá com cuscuz de tapioca, para segurar a larica.
O cantor ficou conhecido como “Crocodilo Dundee”, nome de um famoso exu abatedor de jacarés, filho de Nana Buruquê com Xangô, na religião ioruba.
Reinaldo largou São Luís dois anos depois e aportou em Manaus, no início dos anos 90, para trabalhar como operário da Moto Honda.
Ele era o responsável pela análise micrométrica dos pistões das motocicletas que passavam pelo test drive e ganhou o apelido de “Reinaldo Moreno” porque só vivia sujo de graxa.
Reinaldo não durou muito no emprego porque o “iô-iô-iô-iôôôô” que fazia, enquanto executava os testes de fadiga nas máquinas, estava enlouquecendo os outros operários.
Ele então saiu da empresa e, já com o nome artístico de Reinaldo Moreno, iniciou sua vitoriosa carreira-solo pelo circuito dos bares da moda (Paulo’s Bar, Asa Delta, Consciente, Messejana).
Dizem que cada uma de suas apresentações era de fechar o bar. Realmente, todos acabaram fechando algumas semanas depois.
Claro que tudo isso que vocês leram até aqui não passa de ficção. Reinaldo Moreno é um dos melhores “showmen” da cidade, já tendo participado, sempre como convidado, da 5.º Musical do Teatro Amazonas, do Projeto Solo no Palácio Rio Negro, do Fecani, do FUM, do Festribal, do Fincata, da Festa do Guaraná, da Segundas no Palco, também no Teatro Amazonas, e em muitos outros eventos descolados.
Seu repertório alto-astral é garantia de diversão em qualquer lugar do planeta.
Ao lado de Cileno, Reinaldo Moreno é a maior expressão da legítima “black music” feita para sacolejar o esqueleto, porque possui suingue, uma batida de violão inconfundível e um laboratório de groovens matadores.
Quem perder seu show, na noite de hoje, merece arder no fogo eterno do inferno. Com meia dúzia de capetas ao lado entoando o “iô-iô-iô-iôôôô” do Djavan.
No dia 16 de dezembro de 1999, o poeta Simão Pessoa escreveu a seguinte matéria no jornal Amazonas em Tempo:
A última edição deste ano do projeto “Universidade Livra do Armando”, que rola hoje à noite no Bar do Armando, terá duas atrações de preso: o saxofonista Teixeira de Manaus, tocando seus maiores sucessos da últimas três décadas, e o poeta Zemaria Pinto, declamando poemas eróticos, satíricos e burlescos, que já entraram para a história da literatura mundial.
Depois de mostrar para fissurados em jazz que não toca apenas carimbo, numa noite em que também seduziu o guitarrista americano John Pizzarelli no Tropical Hotel, o sax-sex-simbol amazonense mostra hoje aos biqueiros e lambadeiros que o barranco é mais embaixo.
A festança etílica e lítero-musical começa às oito da noite e não tem hora para acabar.
Concebido e colocado em prática pelo poeta Marco Gomes, o projeto “ULA-Lá!” tem a audaciosa pretensão de transformar a sede da Banda Independente Confraria do Armando (BICA) em um fórum permanente de debates culturais, “onde a verdadeira cultura de raiz tenha oportunidade de se exibir”.
O diabo é que essa combinação de palestra-cabeça-música-brega-e-birita-até-de-madrugada está dando certo. O promoter Marquinho Gomes já teve seu contrato com a BICA renovado até julho do ano 2000 e seu celular Diga não pára de receber recados de artistas querendo participar do agito.
Realizado sempre na terceira quinta-feira do mês, por lá já se apresentaram os cantores Abílio Farias, Nunes Filho, Lucinha Cabral, Reinaldo Moreno, Aníbal Beça, banda Dente de Dragão, grupo de teatro Metamorfose, Paulo Mamulengo, Sérgio Bicudo, Maca e João Rodrigues, entre outros.
Na muvuca de hoje à noite, o Bar do Armando vai se converter em um gigantesco salão de baile e as mesas vão ficar apenas nas calçadas, daí a necessidade de “chegar cedo”, para quem pretende apenas assistir a performance da dupla.
Autor de Corpenigma e Fragmentos de Silêncio, o poeta, ensaísta e dramaturgo Zemaria Pinto é um dos nossos especialistas em poesia erótica, satírica e burlesca, tendo uma predileção confessa pelo boca-do-inferno Gregório de Matos, a gargalhada barroca que assustou as elites da Bahia na segunda metade do século 16.
Além de “Triste Bahia” (que Caetano Veloso musicou e gravou no LP “Transa”, durante seu exílio em Londres) e de outros clássicos do poeta baiano, Zemaria Pinto promete declamar “A Origem do Mênstruo” e “Elixir do Pajé”, duas pérolas do Bernardo Guimarães, que a moçada mais nova só deve conhecer como autor de “Escrava Isaura”.
Da turma mais nova, que também gosta de uma boa sacanagem poética, Zemaria vai declamar trabalhos de Glauco Mattoso, Paulo Leminski, Bráulio Tavares, Mano Mello, Caio Trindade e Eduardo Kac.
Nascido na Costa do Catalão, em 8 de dezembro de 1944, Rudeimar Soares Teixeira, o “Teixeira de Manaus” é o maior sax-sex-simbol do Estado. Basta dizer que seu instrumento de trabalho (no bom sentido é um saxofone totalmente niquelado, desses que deixam as mulheres totalmente fissuradas e completamente loucas para passar a mão.
Com trinta anos de estrada, Teixeira é o maior vendedor de discos do Amazonas: seus mais de 10 discos (entre vinil e CD) costumam ser relançados anualmente, com uma venda nunca inferior a 10 mil cópias. Isso significa dizer que Teixeira de Manaus já vendeu mais de 2 milhões de discos e que vende atualmente uma média de 100 mil discos anuais.
O instrumentista é um fenômeno completo. Se tivesse nascido em Memphis, No Tennessee, com certeza estaria hoje numa “blues hand” (potencial para isso ele tem) ou num combo de “drum’n’bass” (o “jazz free step” consumido em rodas, digamos assim, mais intelectuais).
Como nasceu na Costa do Catalão, seu sopro ficou mais próximo da salsa com percussão tribal que originou a lambada.
É impossível descrever no papel o que faz o sax do Teixeira de Manaus com nossa cabeça e, o que é melhor, com o nosso corpo. Apesar da limitação, vou tentar dar uma pálida idéia.
Durante o solo de sax, o som límpido, cristalino e sem frescuras no instrumento pega direto no plexo solar e só depois é que sobe para o coração e a cabeça. O “punch” é semelhante a levar uma porrada na boca do estômago.
A porrada desperta a energia dos genitais e, de repente, é como se uma corrente elétrica disparasse pelas pernas em direção ao calcanhar. Seu pé começa a bater no chão, acompanhando o ritmo, e seu desejo fica cada vez mais intenso.
O passo seguinte, claro, é pegar uma cabrocha pra dançar agarradinho, porque a energia libidinal está a mil por hora. Aí basta fechar os olhos para se sentir no sétimo céu.
Não é à toa que os bailes do Teixeira de Manaus são famosos pela quantidade de mulheres disponíveis ou simplesmente dançando com amigas no salão.
Sua música age como um poderoso viagra, incendiando, indistintamente, tanto a libido masculina quanto a feminina.
Quem quiser conferir, basta passar hoje à noite no Bar do Armando. É uma oportunidade única: nos próximos seis meses Teixeira vai encarar uma megaturnê pelos estados nordestinos e só deve voltar a tocar em Manaus em julho.
Ver esse excepcional artista em ação (e, ainda mais, de graça) é o presente de Natal da diretoria da BICA para os foliões amazonenses.
Post Scriptum
Na edição 1905, de 18 de maio de 2005, a revista Veja publicava uma matéria intitulada O fino do brega, do jornalista Sergio Martins, que trazia a seguinte retranca: Vem de Belém do Pará a nova praga musical que mistura carimbó, calipso e Odair José
Wanderley Andrade: avião de 110 000 dólares para se deslocar pelo norte e nordeste do país
• Discos vendidos: 1 milhão
• Média de shows: 15 a 20 por mês
• Faturamento em 2004: 2,5 milhões de reais
• Principal sucesso: Melô do Ladrão (“Eu quero logo ser julgado / E em seguida condenado a ficar / Preso no seu coração / Pois minha felicidade é ficar atrás das grades / Sem direito e sem perdão”)
Belém, a capital do Pará, tornou-se um centro de agitação musical. É de lá que vem o provável sucessor dos ritmos idiotizantes que de tempos em tempos afligem os brasileiros. O país já aturou o axé baiano, o pagode paulistano e o funk carioca. A praga paraense é o brega – em suas versões acústica e tecno.
Há cerca de uma década, artistas locais começaram a mesclar o popular romântico dos anos 70, tal como entoado por Odair José ou Fernando Mendes, com estilos caribenhos como o calipso e o merengue, populares na região pelo fato de tocarem em rádios das Guianas que são captadas ali.
A esse coquetel, acrescentaram-se ainda ritmos regionais amazônicos como o carimbó.
Mais recentemente, surgiu até um subgênero, o tecno-brega, no qual DJs produzem variações para pista de dança de sucessos do gênero e hits internacionais.
Os artistas mais conhecidos do brega paraense, a banda Calypso e o cantor Wanderley Andrade, criaram um negócio auto-sustentável.
Eles não têm uma grande gravadora por trás: lançam seus discos de forma independente e fazem a distribuição por meio de parcerias com selos de pequeno e médio porte.
Mesmo com divulgação restrita ao boca-a-boca, o faturamento da Calypso com shows e vendas de CDs foi de 10 milhões de reais no ano passado. É o mesmo que faturam artistas celebrados como Jota Quest e Bruno & Marrone.
Andrade movimentou menos, mas ainda assim uma quantia respeitável: 2,5 milhões de reais. Depois de se tornarem fenômenos locais, eles agora fazem sucesso além das fronteiras de Belém.
Formada pelo guitarrista e produtor Cledivan Almeida Farias, o Chimbinha, e por sua mulher, a dançarina e cantora Joelma, a Calypso já vendeu 4 milhões de cópias de seus seis discos.
O último lançamento, um DVD gravado no sambódromo de Manaus, está em mais de 300.000 unidades comercializadas.
Hoje, São Paulo é seu maior mercado de shows – a dupla faz 22 por mês, em média, para platéias acima de 5.000 pessoas.
Além disso, foi acolhida na programação da Rede Globo: apresentou-se duas vezes no programa Domingão do Faustão e tem outras aparições agendadas para as próximas semanas.
Andrade, que já vendeu mais de 1 milhão de discos, é a figura mais bizarra do brega.
Seus hits combinam dor-de-cotovelo com linguajar criminal – e tome atrocidades como Melô do Ladrão, Traficante do Amor, O Terrorista do Amor e O Detento Apaixonado.
Andrade inspirou-se em Nina Hagen, cantora alemã que ganhou notoriedade no Rock in Rio, nos anos 80, para compor sua cabeleira furta-cor e seus modelitos berrantes.
Banda Calypso
• Discos vendidos: 4 milhões
• Média de shows: 22 por mês
• Faturamento em 2004: 10 milhões de reais
• Principal sucesso: Dançando Calypso (“Quero que sinta toda essa emoção / Cavalo Manco agora eu vou te ensinar / Isso e muito mais e você só vai encontrar em Belém do Pará”)
Chimbinha criou a levada de guitarra característica do novo brega de Belém – um chacundum que remete à jovem guarda. Inventou-a em 1995, ao participar da gravação de um certo Melô do Papudinho, de outro artista local. A música estourou e, depois disso, ele repetiu a fórmula em mais de 300 discos de terceiros.
Há seis anos, cansado de criar sucessos para os outros, Chimbinha montou a banda Calypso ao lado da mulher. Artistas mais bem-sucedidos do brega paraense, eles enfrentam ressentimentos. Empresários de Belém acusam o casal de boicotar outros artistas da cidade.
Por sua ascendência sobre o marido, a dançarina Joelma – cujas coreografias lembram luta de caratê – foi até apelidada de Lady Macbeth do Brega, em referência à ambiciosa personagem de Shakespeare.
Chimbinha sai em defesa da mulher e de sua banda. “Em Belém, basta alguém fazer sucesso para os outros criticarem”, diz.
Por razões comerciais, hoje ele quer distância do brega. “O rótulo é preconceituoso e atrapalha na hora de vender meus shows”, afirma.
As estrelas do brega são emergentes sociais. Quando ainda engatinhava na carreira, Andrade chegou a ir de van de Belém a São Paulo, fazendo shows pelo interior. Agora, acaba de comprar um avião para se deslocar até localidades do Amazonas, Acre, Rondônia e Maranhão. Preço: 110.000 dólares.
“O avião facilita a vida e me livra de frias. Uma vez, um político me emprestou o helicóptero para eu viajar – e não é que o cara foi cassado?”, diz.
Junto com a mulher e dois filhos, Andrade vive num bairro de classe média alta de Belém.
A ascensão social de Chimbinha é ainda mais visível.
Nascido numa família pobre, ele possui um casarão em Belém e até ilha particular em Almeirim, na divisa com o estado do Amapá.
É dono de uma rádio FM no Piauí e pretende adquirir outras estações em sua terra natal. Também é proprietário de uma casa confortável no Recife, base de sua banda entre 2000 e o ano passado.
Em 2005, Chimbinha e Joelma estabeleceram-se num condomínio chique de São Paulo. “Sou vizinho do Zezé Di Camargo”, gaba-se. Bregas, mas felizes.
Pois bem. Depois de ter lido toda essa lambança a respeito do “Traficante do Amor”, o poeta Marco Gomes afirmou o seguinte:
– O Wanderley Andrade pode comprar um avião particular, aparecer no Fantástico todo domingo, gravar disco em chinês, vender 10 milhões de discos ou raspar a cabeleira multicolorida que não tem jeito: o cantor paraense vai levar para o túmulo o fato de ter sido solenemente ignorado no Bar do Armando e de não ter chorado na BICA!
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