Em janeiro de 1988, o economista Maílson da Nóbrega assumiu o Ministério da Fazenda propondo uma política econômica sem medidas drásticas. Sua receita era tentar conviver com a inflação fazendo ajustes localizados.
Essa política foi denominada de "feijão com arroz" e deveria evitar a hiperinflação. Porem, em dezembro de 1988, a inflação anual acumulada chegava a 933% e o governo Sarney resolveu lançar mais um plano econômico.
Em janeiro de 1989, o "Plano Verão" foi apresentado por Maílson da Nóbrega. O novo plano econômico cortou três zeros da moeda criando o "Cruzado Novo" e mais um congelamento de preços. A correção monetária foi extinta.
Na sequência, Mailson propôs a privatização de algumas estatais e cortes nos gastos públicos, com demissão imediata dos funcionários contratados nos últimos cinco anos. Os cortes não aconteceram, a privatização ficou só no papel e mais um plano econômico desastroso fez o povo dar com os burros n'água.
Em dezembro de 1989, a inflação mensal atingiu 53,55%. Pelos números o Brasil vivia tecnicamente uma hiperinflação. Segundo o economista Phillip Caganm, um país está em hiperinflação a partir do primeiro mês em que a taxa supera os 50%.
O índice resultou num reajuste de 62,9% para o salário mínimo, que passou a valer em janeiro NCR$ 1.283,95. O reajuste dos aluguéis chegou a 1.383,74%. A alta dos preços dos alimentos atingiu a marca de 120%.
Para se ter uma idéia da gravidade em que se encontrava a nossa combalida economia, de fevereiro de 1989 a fevereiro de 1990, a inflação atingiu a estratosférica marca de 2.751%.
Em 1987, o governador Amazonino Mendes recebeu da Construtora Comagi um relatório sobre a necessidade de uma restauração completa do Teatro Amazonas, fundamentada na valorização e preservação daquilo que o quase centenário teatro ostentava de mais expressivo em arquitetura e decoração.
As obras foram realizadas no período de novembro de 1987 a janeiro de 1990, com um longo trabalho de prospecção em todos os ambientes internos do teatro, bem como nas fachadas e muros.
Foram descobertas várias camadas de tinta e elementos decorativos, tais como vidrotil, embutidas nas cercaduras dos óculos das fachadas.
Vários itens em madeira sofreram tratamentos específicos para conservação, mas mesmo assim foram retirados 40m³ de madeira deteriorada pela ação dos cupins.
No palco, o piso em louro preto e jacareúba foi totalmente substituído por freijó, uma madeira de qualidade mais apropriada para palcos.
O prédio sofreu profundas reformas nas suas instalações elétricas e hidro-sanitárias.
Foi elaborado um projeto especial de iluminação das fachadas, que realçou e valorizou o monumento.
Todo o sistema de instalações de esgoto e água foi substituído. Além disso, foram instalados mais de 2.300m de novas tubulações.
Um reservatório com capacidade para 40 mil litros d'água foi construído exclusivamente para o sistema de combate a incêndio, que também era dotado de bombas e equipamentos de comando a distância, além de 26 hidrantes com mangueiras e extintores distribuídos em pontos estratégicos.
As descidas de águas pluviais que eram embutidas nas paredes externas passaram a ser interligadas à rede de esgotamento sanitário através de tubos de PVC rígido.
Na área do palco houve uma reformulação geral no sistema de som.
Foram restaurados mais de 270 projetores cênicos.
O sistema de refrigeração foi todo modificado, com a instalação de várias centrais em áreas determinadas, permitindo uma refrigeração eficiente em todo o prédio.
A área externa recebeu uma nova drenagem nos jardins e foram feitas as restaurações dos muros, que estavam descaracterizados com pinturas e enxerto de argamassa de cimento e areia imitando pedra.
Foram reimplantadas 74 mil peças no calçamento e escadaria da área externa, com as mesmas características das originais.
A festa de inauguração do teatro reformado, com a apresentação da ópera La Traviata, de Verdi, por uma companhia italiana de segunda categoria, foi feita com muita pompa e circunstância para um seleto grupo de 700 convidados do governador.
Uma multidão de populares ficou do lado de fora, apenas observando os elegantes socialites entrarem no teatro para se divertir, exatamente como ocorria há 100 anos, quando Manaus não passava de uma cidade provinciana.
A BICA não ia deixar barato aquela nova demonstração de boçalidade às custas do erário público.
No dia 28 de janeiro de 1990, em matéria publicada no caderno “Cultura em Dia”, do jornal Amazonas em Tempo, o poeta Simão Pessoa escreveu o seguinte:
Com as proximidades do reinado de Momo a cidade fica, literalmente, ensandecida. Nestas horas é impossível a um homem de bem permanecer sóbrio. Então, eu vou ao bar e bebo.
Na realidade, uma das poucas coisas que ainda cultivo com fervor religioso é encher a caveira.
Verdade seja dita, fazer exercícios na horizontal continua sendo meu hobby preferido, bem como escutar discos de reggae, ler coisas do Kropotkin e freqüentar o Sabaníbal. Fora isso...
Bom, o que quero dizer é que esse ano o povo deve fazer o melhor carnaval da história, em nome da democracia.
Depois de mostrar à opinião pública mundial que são capazes de escovar os dentes e escolher um presidente identificado com as causas populares (falar nisso, vocês já repararam como o Collor se parece com um amigo nosso de infância – aquele bundão que sempre levava a bola quando o colocávamos na grade?... Pois então reparem...), o Zé-povinho não vê a hora de colocar o bloco na rua. Eu acho é bom...
Longe de todas as histórias e em silêncio, a moçada que freqüenta o Bar do Armando já está trabalhando duro para fazer a banda passar.
Salvo engano, o desbunde que é a saída da BICA – Banda Independente Confraria do Armando – pelas ruas centrais da cidade já faz parte do calendário turístico da Emamtur.
Daí pra serem chamados a fazer “alvorada” nas casas dos políticos que estão aniversariando vai ser um passo. Queiramos Deus que eu esteja errado, mas esses sacanas, por grana, vendem até a própria mãe. E entregam.
Em conversa com o filósofo epicurista Amecy Souza (autor da máxima “o melhor dos suicídios ainda é morrer no bar”), um dos organizadores do evento, fui informado de que este ano o bacanal vai ter muito mais suruba do que no ano passado: foi contratada uma mini-orquestra com 98 membros, a Brahma doou cinco mil litros de chope, o Buffet Pereira vai fornecer 20 mil canapés, a Prefeitura Popular do Artur Neto já garantiu o palanque e o carro de som, o coronel Orleilson Guimarães vai trancar algumas ruas do Centro por 12 horas, enfim, todo o meio-campo já está acertado, sem contar que as vendas de “fantasias” estão a pleno vapor e se não forem reservadas, neguinho vai acabar tendo de pagar ágio.
O jornalista Deocleciano Souza, sempre exigente e criterioso (tanto que escolhe pessoalmente, a dedo, as mulatas da Ala Show), anda trabalhando como um condenado e até já conseguiu uma unheira no indicador.
Pelos meus cálculos, já passaram pelo crivo do seu olhar clínico e de seu nariz (e dedo) cínico perto de 400 beldades e continuam aparecendo candidatas.
Meu medo é que seu dedo infeccione antes de a BICA sair no próximo dia 17 de fevereiro – já que por razões estéticas ele se recusa a usar luva cirúrgica.
As alas da banda já estão devidamente organizadas e, a exemplo dos anos anteriores, caberá aos dirigentes de ala desenvolverem um tema específico e controlarem seus bêbados.
O professor Rosendo Lima vai chefiar a ala dos Ecologistas e seu tema será “SOS Tracajás”. Pessoal que for baixo, gordo e usar óculos com aros de tartaruga já sabe com quem tratar.
O jornalista Orlando Farias vai comandar a ala dos Comunistas e seu tema será “Minha Perestroika não levanta mais”, uma abordagem psicanalítica da brochice que grassa entre as esquerdas do Bananão, após a derrota inexplicável do Lulalá.
O vereador Serafim Corrêa vai comandar a ala dos Garimpeiros e o tema escolhido será “em obra de Paranapanema, tatu caminha dentro?”, uma sátira ao descontrutivismo e aos dez por cento nas concorrências públicas.
O líder negro Nestor Nascimento vai capitanear a ala Filhos de Gramsci (crioulos esquerdistas) e seu tema baseia-se num sincretismo religioso dos escravos núbios chamado “Da consciência negra a consciência de Krisnha – quando os upanishidas dançavam afoxé”. Nestor promete embolar o meio-campo.
Já o líder yanomami e professor universitário Ademir Ramos vai ficar na ala Filhos da Pluta (branquelos direitistas conhecidos como “missionários”) e o tema, a ser desenvolvido, será baseado na sua experiência pessoal entre os sertanistas da Funai intitulado “Como era verde, limpo e apertado o meu Xingu”.
O professor Aloísio Braga, da ala dos Reitoráveis, está pensando em desenvolver uma paródia sobre a Universidade do Amazonas, mas o tema “Me dá um dinheiro aí!” está tão manjado que não comove mais nem assistente social da Funabem.
Salignac e Salgado, que ano passado estavam na ala “Meu ioiô, meu iaiá, resolveram se divorciar e dividir o legado.
Salgado ficou com a ala das Escrotas e o tema surrealista “Por uma noite em Rashpur você me daria... seu lápis?”.
Salignac ficou com a ala das Piranhas e o tema dúbio “Adivinha o que a Maria ganhou na capoeira?”, ou seja, bimba, tapa e xêxo.
Os psiquiatras Manoel Galvão e Rogelio Casado é que estão com a maior dificuldade para organizar a ala do Inconsciente Coletivo.
Além dos brincantes passarem o tempo todo discutindo linguagem Cobol, poemas do Inácio Oliveira ou brincando com bosta, ainda não apareceu um compositor que conseguisse rimar “Adler” com “bugalhos”.
O samba “Freud nos froideu” corre o risco de ir para as ruas sem uma coerência interna. Aliás, como a própria psicanálise.
A maior dificuldade da BICA, entretanto, está em encontrar um substituto à altura do brejeiro Américo Madrugada, ex-puxador oficial do hino da banda.
Como todo mundo sabe, o Américo foi expulso do Bar do Armando por ter contraído o estranho hábito de levar taças para casa sem consultar o dono.
Nas primeiras duas caixas “surrupiadas”, o português não ligou muito achando que era mais uma nova excentricidade do conhecido boêmio, mas quando as taças “desaparecidas” alcançaram a astronômica cifra de 2.417 unidades, Armando resolveu estrilar e acabou expulsando o pagodeiro, num julgamento digno do Tribunal de Nuremberg.
Segundo Chicão Cruz, que nas horas vagas brinca de promotor público, há esperanças de que o português conceda um indulto natalino e conversações neste sentidos já foram iniciadas.
Chicão está defendendo Américo Madrugada baseado na Convenção de Genebra (da qual Portugal é signatário) e na Lei de Proteção às Espécies em Extinção, sancionada pela ONU.
Seus argumentos são irrefutáveis. Ele afirma que “privar um boêmio como o Américo de conviver no seu hábitat que é o Bar do Armando é tão degradante e cruel quanto assistir uma sessão na Assembléia Legislativa ou escutar o último disco do Carrapicho”.
Já o advogado Lino Chíxaro (que nas horas vagas fica coçando o saco num gabinete da Prefeitura e bolando maneiras de infernizar a vida dos contribuintes) está com a árdua missão de garantir os brincantes da BICA contra o assédio das mocréias, que costumam se infiltrar no desfile para terem suas fotos nos jornais e ficarem contando pelos botecos que tomaram um porre com o Dori Carvalho, que viram o Afonso Toscano vomitando, que o Cacá Bonates não consegue dar a segunda, que o Davi Lima fica muito agayzarado, enfim, essas coisas que maculam a reputação de qualquer espada profissional.
Estão confirmados como seguranças o poeta Aldisio Filgueiras (faixa preta do décimo dan em karatê, jiu-jitsu, boxe tailandês e entornamento da famosa água que passarinho não bebe e o Amazonino come com farinha) e o irrequieto transexual Dom Pinto das Candongas (faixa preta do décimo dan em kung-fu, tae-kwen-do, skindô e em tragação de cigarrinho que passarinho não fuma e o poeta Marco Gomes come com farinha).
O clima da BICA está tão alto-astral que até mesmo o filósofo José Ribamar Mitoso, que nunca foi muito chegado a essas manifestações públicas de euforia popular, já confirmou sua presença e deverá sair fantasiado de “Exibicionista Chinês” (um chapéu de Sherlock Holmes, óculos warefar, capa de chuva, bota sete léguas e um certo ar de enfado).
Afinal de contas, como disse um dos meus antepassados (um medíocre poeta do inicio do século e de quem vocês, com certeza, jamais ouviram falar) chamado Fernando Pessoa, “tudo vale a pena se a alma não é pequena”. Acho que é isso.
Armandinho Loureiro fazendo o estiloso bloco do “eu sozinho”
Na quinta-feira, 8 de fevereiro, o jornal Amazonas em Tempo publicou a seguinte matéria:
Consolidando sua liderança e pioneirismo nas bandas do carnaval amazonense, a banda da BICA, composta de jornalistas, advogados, médicos, bichas, trichas, e desocupados, já está realizando seus preparativos para a grande saída, que será realizada no dia 10 de fevereiro.
O mestre Salignac, coordenador da ala “Meu iaiá, meu ioiô”, convoca os participantes para uma reunião quando então serão entregues as fantasias e os adereços de mão. Por outro lado, a lista de contribuições continua aberta esperando novas adesões.
Para este ano, os componentes da banda da BICA prometem muita alegria e, mais do que nunca, muita irreverência.
A presidência da BICA, sob o comando do jornalista Deocleciano Souza, promete a realização de vários concursos durante o desfile do próximo dia 10, quando também serão homenageados os cronistas sócios da escrachada banda carnavalesca recebendo cada um o troféu “Pirarucu de Ouro”.
Entretanto, o que vem despertando a maior curiosidade dos participantes da banda da BICA é o superprêmio que será oferecido ao vencedor do concurso “Morta de Maravilhosa!”.
A banda da BICA sai no dia 10 de fevereiro no tradicional Bar do Armando, na Praça São Sebastião, acompanhada da “Super Banda do Canecão”, especialmente contratada pelos freqüentadores do mais lusitano de todos os bares.
O portuga Armando garante que no dia do desfile não faltará a cerveja estupidamente gelada nem seu tradicional pernil de porco para o tira-gosto.
Armando garante ainda que estará concedendo anistia plena e irrestrita a todos os freqüentadores que lhe aplicaram calote no ano de 1989, sob o argumento canalha de “anota aí que amanhã eu pago”.
Só mudam as moscas
Autores: Manoel Borges & Cancela
Médium: Afonso Toscano
Que merda é essa, ioiô?
Que merda é essa, iaiá?
Fazer teatro para o povo não entrar
Que merda é essa, ioiô?
Que merda é essa, iaiá?
Mais uma vez a nossa gente vai “dançar”
Surge o Armando, pois, pois
Um gajo na cultura regional
Deixou o fado na terrinha
E ficou rico na maior cara-de-pau
E disso tudo nasceu
O intercâmbio cultural, que legal
Sou jerico da Província
Como jaraqui ou bacalhau
Ainda existe liberdade cultural
No além Tejo e na terra varonil
Cruzado livre em Portugal
E o escudo português cá no Brasil
Ai, caboca, tu queres brincar na BICA?
Arrebita, arrebita, arrebita (bis)
Simão Pessoa, José Arruda, Lino Chíxaro, Antonio Paulo Graça e Ricardo Maia se preparando para o frege
Marlon, Inácio Oliveira, Simas Pessoa, Anibal Beça e Simão Pessoa, reforçando a Ala das Escrotas
Armando conferindo o troco antes de puxar o bonde na Ala das Escrotas
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