O presidente JK inaugurando a refinaria da Companhia de Petróleo da Amazônia (Copam)
O empresário Adalberto Ferreira do Valle nasceu em Belém (PA), em 1909, realizou os seus estudos secundários em Belém e Manaus, e obteve graduação na Faculdade de Direito de São Paulo, em 1931.
Homem dinâmico e empreendedor, Adalberto Valle fundou na capital paulista a empresa Prudência e Capitalização, que teve papel decisivo na revitalização da economia amazonense ao investir na implantação do Hotel Amazonas, da Brasiljuta e da Refinaria de Manaus.
Adalberto Valle morreu em São Paulo, em 6 de fevereiro de 1963, após encerrar o mandato de deputado federal pelo Amazonas (1959-1963).
O empresário Mario Guerreiro nasceu em Manaus, em 1920, e se formou em Direito pela Universidade do Amazonas em 1954.
Com apenas 20 anos, ele iniciou suas atividades como funcionário da Prudência e Capitalização, em São Paulo, chegando a assumir o cargo de gerente geral da empresa, mas logo foi convocado pelo Exército Brasileiro e embarcou para a Itália no primeiro escalão da Força Expedicionária Brasileira (FEB), onde serviu pelo período de um ano.
Os empresários Mariozinho Guerreiro, Mario Guerreiro e Zeca Nascimento
No período de 1947 a 1950, Mario Guerreiro assumiu a gerência da Prudência e Capitalização em Manaus, com a incumbência de iniciar construção do Hotel Amazonas, onde permaneceu até a sua inauguração.
Em seguida, ele exerceu as funções de diretor superintendente do referido hotel até a fundação da Companhia Brasileira de Fiação e Tecelagem de Juta (Brasiljuta), quando passou a acumular as funções de diretor superintendente do Hotel Amazonas, gerente da Prudência Capitalização e diretor comercial da Brasiljuta.
Os dois empreendimentos, Hotel Amazonas e Brasiljuta, foram inaugurados em 1951, com a presença do presidente Getúlio Vargas.
A Refinaria de Manaus, uma parceria da Prudência e Capitalização com o empresário Isaac Sabbá, foi inaugurada em 1957, com a presença do presidente Juscelino Kubistchek.
O prédio original do Hotel Amazonas possuía 48 apartamentos distribuídos em quatro andares, sendo que o quinto andar possuía uma única e luxuosa suíte, especialmente construída para receber presidentes, ministros e artistas de renome internacionais.
Entre outros mimos, a suíte presidencial era decorada com jardins tropicais assinados por Roberto Burle Marx e possuía banheiras de mármore de Carrara.
O imóvel chegou a hospedar figuras ilustres como os presidentes Getúlio Vargas, Castelo Branco e Garrastazu Médici, o senador Robert Kennedy, os cantores Roberto Carlos, Cauby Peixoto e Emilinha Borba, o grupo Menudo e o rei Pelé.
Roberto Burle Marx foi um dos maiores paisagistas do nosso século, distinguido e premiado internacionalmente. Artista de múltiplas artes, foi também, desenhista, pintor, tapeceiro, ceramista, escultor, pesquisador, cantor e criador de jóias, sensibilidades que conferiram características específicas a toda a sua obra
Todos os 48 apartamentos de alto luxo eram dotados de ar condicionado (uma novidade, na época!) e decorados com quadros do pintor e paisagista Roberto Burle Marx, retratando a fauna e a flora amazônica, pintados com exclusividade a pedido de Adalberto Valle.
No subsolo funcionavam os serviços de lavanderia e oficinas de manutenção elétrica, hidráulica e carpintaria.
Na época, Manaus enfrentava crises cíclicas de apagões elétricos.
Adalberto Valle adquiriu um prédio de dois andares na esquina das ruas dos Andradas com Rocha dos Santos, instalou três geradores de alta potência no local, fez um cabeamento subterrâneo por debaixo dos paralelepípedos das ruas e aquela sua central elétrica particular passou a atender o hotel.
No térreo do hotel funcionava um mini-zoológico e um jardim tropical, que encantavam os turistas, e um luxuoso restaurante chamado Varanda Tropical, capitaneado por um cozinheiro austríaco chamado Kurt Gluck Cervinka, recrutado pelo empresário em São Paulo.
Recém-chegado ao Brasil, o vienense Kurt ficou encantado com a idéia de ser chefe de cozinha de um hotel de luxo construído no meio da selva.
Ele assinou um contrato de 12 meses, mas acabou ficando por 43 anos, tendo trabalhado no hotel desde sua inauguração até o último dia de funcionamento.
No hotel, ele conheceu Albertina Caldas, com quem se casou e teve quatro filhos.
Um deles é o radialista da rádio A Crítica Carlos Caldas, meu brother de longa data.
Também no térreo funcionava um bar sofisticado chamado Mandy’s Bar.
O nome era uma homenagem ao peixe mandi, muito comum nos rios da Amazônia, já que Adalberto Valle era um eterno apaixonado pela cultura regional, mas alguém resolveu sofisticar a grafia.
Em anúncio publicado em fevereiro de 1952, o Hotel Amazonas informava que a boate do Mandy’s Bar já estava funcionando diariamente e que aos domingos seria oferecido um Sorvete Dançante para a juventude (precursor da “Papinha”, do Ideal Clube, e do “Mingau”, do Cheik Clube nos anos 60).
Em 1962, um incêndio consumiu o recém-inaugurado Hotel Brasília Palace, que rivalizava em esplendor e beleza com o Hotel Nacional, até então o melhor hotel da nova capital federal.
Como o Hotel Brasília Palace era a verdadeira jóia da coroa da Prudência e Capitalização, a empresa foi a nocaute e entrou em processo de concordata.
Para saldar as dívidas, Adalberto Valle vendeu a Brasiljuta para Mário Guerreiro e vendeu sua participação na Refinaria de Manaus para Nathan Albuquerque, que se tornou sócio de Isaac Sabbá e, mais tarde, o chairman da Moto Honda da Amazônia.
O Hotel Amazonas foi leiloado no ano seguinte e arrematado pelo empresário português Vasco Vasques, tendo o Banco do Estado do Amazonas como fiador.
Nascido na cidade de Las Palmas, nas Ilhas Canárias, na Espanha, em 1913, Vasco Vasques era filho do cônsul português Fernando Vasques e, de acordo com as leis de seu país, foi registrado com a nacionalidade portuguesa, da qual sempre se orgulhou.
Até 1939, ele viveu entre sua cidade natal e a cidade de Porto, em Portugal, onde estudou e se formou em Administração de Empresas.
Naquele ano, seu pai foi nomeado cônsul de Portugal em Belém (PA) e se mudou com a família para o Brasil.
Na capital paraense, Vasco Vasques se empregou na firma J. Dias Paes onde trabalhou até ser transferido para Manaus, em 1943, como gerente da mesma empresa.
No ano anterior, em 1942, os irmãos Samuel, Israel e Saul Benchimol haviam criado a empresa Benchimol, Irmãos & Cia Ltda. como uma firma de representações comerciais.
Nos primeiros anos de sua história, a empresa atuou comercializando medicamentos e posteriormente cereais, cimento e eletrodomésticos, ramo em que atua no presente.
Em 1945, Vasco Vasques se casou com a bonita Zaira Moreira, uma amazonense de Boca do Acre, com quem teve três filhos: Fernando, formado em Engenharia Elétrica, em Itajubá (MG), Jorge, formado em Direito, em Manaus, e Carlos, falecido precocemente em 1986, quando cursava a Faculdade de Administração, em Manaus.
Fernando e Jorge Vasques na primeira comunhão, promovida pelo Instituto Christus do Prof. Orígenes Martins
O casal tinha ainda uma filha adotiva, Maria Angélica, a melhor amiga de Zaira até os dias de hoje.
Vasco e Zaira Vasques moravam na rua Dr. Almino, 18, no centro, ao lado da casa de Alberto Simonetti Cabral e Maria Helena Cabral, de quem eram muitos amigos.
Alberto Cabral havia importado de Autazes uma cunhantan risonha de nome Zilda para trabalhar como babá de seu filho Alberto Simonetti Cabral Filho.
Ocorre que Zaira, gestante do primeiro filho, Fernando, caiu de amores pela adolescente e praticamente obrigou Alberto Cabral a lhe dar a guarda da menina.
A pequena Zilda foi morar na casa dos Vasques, onde se tornou uma espécie de irmã mais nova de Zaira, ajudando-a nas tarefas domésticas.
Aniversário de Jorge Vasques. A primeira é sua tia Irene Vasques, portuguesa, irmã de seu pai. Ao seu lado, Fernando Cesar Camara, filho do sócio de Vasco Vasques e alguns coleguinhas com suas mães e tias. A pequena Zilda é a terceira da esquerda pra direita
Em 1950, Vasco Vasques fundou a firma V. Vasques & Cia, passando a agenciar a Panair do Brasil em Manaus.
Em 1951, em uma das viagens de ônibus de Zilda ao escritório da Panair, em Educandos, ela conheceu o mecânico Zezinho de Jesus, proprietário dos ônibus Viajante e Imperial, que faziam a rota da Cidade Alta, e começaram a namorar.
Zezinho já era casado, mas Zilda não sabia. Resultado: ela acabou ficando gestante e, envergonhada, deixou a casa dos Vasques para morar sozinha.
Em dezembro daquele ano, nascia José Roberto Pinheiro (aka “Mestre Pinheiro”), que teve como padrinhos de batismo Vasco e Zaira Vasques.
Mestre Pinheiro e seu pai, Zezinho de Jesus, aos 90 anos
Já conhecido na cidade como “Vasco da Panair”, o comerciante adquiriu um balneário na Estrada do V8, localizado entre os balneários Guanabara e Mucuripe, que batizou de Las Palmas e o transformou em sede campestre de suas empresas.
Ele foi um dos primeiros empresários a ter esse tipo de preocupação social, ou seja, proporcionar diversão e lazer aos seus funcionários e familiares nos fins de semana.
As festas de São João e de Natal realizadas no balneário Las Palmas, com a participação de todos os funcionários da firma V. Vasques & Cia, ficaram famosas.
Zaira Vasques em foto autografada para o afilhado José Roberto Pinheiro
Em 1952, Vasco Vasques abriu a firma Bazar América Ltda., na Rua Guilherme Moreira, se tornando representante de marcas famosas de eletrodomésticos da linha branca, como Frigidaire e Dako, dos colchões Epeda, e de várias outros produtos, tendo como principais clientes as lojas Bemol.
Em parceria com outro amazônida visionário, Samuel Benchimol, Vasco Vasques criou a primeira empresa de distribuição de gás liquefeito de petróleo (Gás LP, o popular gás de cozinha) do Amazonas, a Gasônia Ltda, cujo depósito principal ficava no bairro da Cachoeirinha.
Em 1956, os irmãos Samuel, Israel e Saul Benchimol criaram a Fogás, que passou a ser concorrente direta da Gasônia.
Em 1963, com a compra do Hotel Amazonas, Vasco Vasques direcionou seu interesse para o ramo do turismo.
Ele criou a primeira agência de viagens do Amazonas, a Selvatur, desenvolvendo um trabalho pioneiro no atendimento aos poucos turistas que se aventuravam a conhecer de perto a exótica “Paris das selvas”, naqueles tempos fluviais.
Tendo o Hotel Amazonas como base operacional, ele montou uma estrutura com 18 barcos de turismo, 20 vans e criou o primeiro hotel de selva do estado, a Pousada Janaurylândia, dotada de restaurante, piscina e 24 apartamentos flutuantes, localizada no Lago de Janauary, ligado a um paraná do rio Solimões conhecido como furo do Paracuuba.
A Pousada Janaurylândia, marco pioneiro em hotéis de selva na Amazônia
Vasco Vasques também colocou em operação o navio Vitória dos Palmares, promovendo pela primeira vez na Amazônia viagens de turismo ecológico de padrão internacional.
Alberto e Maria Simonetti, Vasco e Zaira Vasques, Sebastião e Cleonice Bezerra (ele diretor do banco América do Sul) e Araken Soares, gerente do Banco Mineiro do Oeste, durante passeio no barco da Selvatur
Em pouco tempo, ele se transformou em representante exclusivo dos cartões internacionais Diners e American Express, da Agência Abreu, a maior agência de viagens de Portugal e a mais antiga do mundo, fundada na cidade do Porto em 1840, da argentina Polvani Tours, da americana Exprinter, da TAP (Transportes Aéreos Portugueses) e de várias outras companhias aéreas.
Em parceria com sua equipe de sócios, funcionários e amigos, como Fernando e Waldemar Câmara, Clóvis Vale, Amazonas Silva, Antonio Garcia, Carlos Pontilhão, Aldair Lucas, Julio Benarrós, Arlindo Porto, Sinval Gonçalves, Tibiriçá Pires, José Gonçalves e tantos outros, Vasco Vasques iniciou um incansável trabalho em prol do turismo amazonense.
Sinval Gonçalves, Douglas Souza Lima, Umberto Calderaro e o deputado estadual Chico Queiroz, durante a inauguração do Janaurylândia
Em 1964, cada vez mais empolgado com a potencialidade turística da região, o empresário vendeu a sua participação na Gasônia para a empresa Fogás e se preparou para investir pesado nos seu grande sonho, que era transformar Manaus em um destino turístico de fama mundial.
Foi quando seu mundo virou de ponta cabeça.
Em 10 de fevereiro de 1965, a Panair, em plena vitalidade, teve suas concessões de vôo cassadas sem aviso prévio pelo governo Castello Branco, a partir de recomendações expressas do brigadeiro Eduardo Gomes, na época ministro da Aeronáutica.
De uma hora para a outra, 5 mil funcionários, espalhados de Lima a Beirute, haviam instantaneamente perdido seu meio de subsistência e estavam em desespero.
Embasbacados com a brusquidão da medida, os representantes tentaram proteger a empresa com um pedido de concordata preventiva, que foi sumariamente transformado em falência em apenas três dias.
À época, alegou-se que a companhia, que não tinha sequer um título protestado, estava quebrada.
Os fatos mostravam outra coisa.
Dona da oficina Celma (hoje GE), da única infra-estrutura de telecomunicações aeronáuticas da América Latina e da maior parte dos aeroportos nas regiões Norte e Nordeste, a Panair pagou todas as indenizações trabalhistas de seus funcionários em dobro em apenas três anos e, os demais credores, em quatro.
Resultado: na hora de voltar às atividades, o governo baixou um decreto-lei para evitar a suspensão da falência por meio de concordata, mantendo a empresa no chão.
Essa lei estava em vigor até 2005, um dia antes de a Panair completar 40 anos fechada.
Com a referida lei, a Varig cresceu no vazio deixado pela Panair, mas depois acabou indo a bancarrota por incompetência administrativa de seus gestores.
O mais rocambolesco dessa história é que a Panair do Brasil havia crescido junto com o país.
De uma pequena empresa que operava a rota internacional Nova Iorque-Rio-Buenos Aires nos anos 30, expandiu-se incrivelmente em rotas nacionais e internacionais, abrindo agências no exterior, aeroportos e hangares no Brasil, além de empresas de manutenção e controle de tráfego aéreo e meteorologia, apoiada por sólidos empresários nacionais.
A empresa viveu o seu auge na era JK, quando o Brasil iria “crescer 50 anos em cinco”, conforme dizia o mais conhecido slogan de campanha do presidente bossa nova.
Um dos símbolos do nosso país, a Panair transportava artistas conhecidos, políticos consagrados, personalidades brasileiras e estrangeiras e até a seleção brasileira campeã mundial na Suécia e bi-campeã no Chile.
Também desenvolvia vários trabalhos comunitários, incluindo a campanha “Natal dos Índios”, transportando ajuda para as localidades mais distantes do país, principalmente na região amazônica, com seus famosos aviões anfíbios Catalinas, apelidados de “pata choca” (pelo formato) ou de “tracajá voador” (pela lentidão).
A Panair ajudava as missões salesianas, levando medicamentos, alimentos e roupas aos locais mais inacessíveis da floresta amazônica – um feito que nenhuma outra grande companhia aérea realizou até hoje.
Em Manaus, os aviões Catalinas desciam em frente ao Roadway e paravam em uma enseada existente entre os bairros de Educandos e Colônia Oliveira Machado.
O local ficou conhecido como Feira da Panair, porque servia como ponto de embarque e desembarque da empresa.
A rua da Panair ganhou esse nome porque a própria companhia abriu a rua e lá instalou um de seus escritórios.
Por ali circulavam os tripulantes da companhia, sempre elegantemente fardados, que se hospedavam no não menos elegante Hotel Amazonas.
Viajar pela Panair era um verdadeiro acontecimento social.
A lista de passageiros da aeronave Constelation, por exemplo, era até publicada nos jornais.
“Eu achava tudo muito bonito, muito elegante e ficava com vontade de entrar naquele avião”, recorda o cantor Milton Nascimento.
Ocorre que os donos da Panair, Mário Wallace Simonsen e Celso da Rocha Miranda, eram extremamente ricos, tinham boas relações com instituições financeiras e gozavam de grande prestígio e influência.
O paulista Simonsen comandava mais de 40 empresas poderosas, entre elas a Comal e a Wasin S.A., que compravam e exportavam café para o mundo todo numa época em que o grão ainda correspondia a dois terços da pauta brasileira.
Ele tinha capital majoritário na influente TV Excelsior, um dos canais de televisão mais promissores da época.
O seu sócio, Celso da Rocha Miranda, do Rio de Janeiro, atuava principalmente no ramo de seguros, com firmas como a Companhia Internacional de Seguros e a Ajax Nacional de Seguros, as maiores do setor, que atendiam clientes como o Banco do Brasil e as Docas de Santos.
Ele também trabalhava com aerolevantamento, prospecção e com a indústria imobiliária.
Era estranho que, com esse grupo forte por trás, a Panair subitamente tivesse ido à bancarrota.
Mas justamente aí estava a raiz do problema.
Esses homens eram muito próximos ao ex-presidente Juscelino Kubitschek e pretendiam financiar sua candidatura nas eleições seguintes.
Legalistas, tinham ficado marcados pelos militares por causa do apoio à posse de João Goulart três anos antes.
Uma a uma, suas empresas passaram a sofrer intervenções ou sérias restrições de crédito.
Em menos de uma década, os dois fortes empresários beijaram a lona.
Apesar da violência, a Panair tem o seu lugar cativo na música brasileira: Milton Nascimento e Fernando Brant compuseram “Conversando no Bar”, que ficou conhecida, na voz de Elis Regina, como “Saudade dos aviões da Panair”: “A maior das maravilhas foi voando sobre o mundo nas asas da Panair” (...)
Sem os vôos regulares da Panair para Manaus, a ocupação do Hotel Amazonas caiu para menos de 10%.
Os turistas estrangeiros simplesmente desapareceram.
O futuro engenheiro eletricista Fernando Vasques em cena de nudez explicita
O filho mais velho do empresário, Fernando Vasques, abriu uma das primeiras empresas de instalações elétricas de Manaus, a Pecol, e foi cuidar da vida.
O advogado Jorge Vasques foi estudar na Filadélfia, nos Estados Unidos, onde fixou residência por dois anos.
Em 1968, Jorge Vasques foi chamado de volta pelo pai para assumir a direção do hotel e da Selvatur.
A implantação da Zona Franca de Manaus havia transformado a cidade no único centro de produtos importados do país.
Era hora de se concentrar no desenvolvimento do turismo doméstico.
Vasco Vasques resolveu ampliar o número de apartamentos de 48 para 90. Como o prédio só tinha cinco andares, ele decidiu construir mais três.
O Hotel Amazonas voltou a surfar uma nova onda de prosperidade e o Mandy’s Bar logo se converteu de novo em hot point dos descolados locais.
No início dos anos 70, Vasco Vasques percebeu que a maioria dos novos empresários do nascente Distrito Industrial se hospedava no seu hotel e resolveu ampliá-lo mais uma vez, na mesma época em que a Varig construía o Tropical Hotel, na praia da Ponta Negra.
Como não podia crescer no sentido vertical, o hotel ganhou mais 110 apartamentos abrangendo toda a extensão lateral.
A reforma atingiu, inclusive, a parte interna: o antigo zoológico foi transformado em piscina e o hotel ganhou novos e amplos salões, saunas e modernas acomodações para as reuniões, convenções e eventos particulares dos seus hóspedes.
O empresário Vasco Vasques faleceu em março de 1976, um ano depois de ver a reforma concluída.
Uma semana depois, foi inaugurado o Tropical Hotel e o Aeroporto Internacional Eduardo Gomes, por ironia, o mesmo brigadeiro responsável pela derrocada da Panair do Brasil.
Sob o comando de Jorge Vasques e Fernando Câmara, o Hotel Amazonas manteve o posto de melhor e mais charmoso hotel da cidade, chegando a ter cerca de 250 funcionários.
Além do tradicional happy hour de todos os dias no Mandy’s Bar, a famosa feijoada carioca servida aos sábados no restaurante Varanda Tropical era outro sinônimo de sucesso.
A partir de 1978, sambistas famosos, como Martinho da Vila, Benito Di Paula e João Nogueira começaram a se apresentar no hotel com certa frequência e, em pouco tempo, uma turma animada começou a improvisar uma roda de pagode nas tardes de sábado.
Entre esses jovens, estavam José Onetti, Ademar Brito, Teomário Pinto (um dos líderes do Mocidade Clube), Elias Benzecry, Roberto Carreira, Renato Simões, Humberto Amorim e os irmãos Fernando, Jorge e Carlinhos Vasques.
Em 1982, dois anos depois de o carnaval de rua de Manaus ter se transferido da avenida Eduardo Ribeiro para a avenida João Alfredo (atual Djalma Batista), os frequentadores do Mandy’s Bar resolveram criar uma banda carnavalesca para desfilar pelo centro velho da cidade no sábado gordo.
Participaram da reunião de fundação José Onetti, Ademar Brito, Antenor Amazonas, Jorge e Carlinhos Vasques.
O eterno folião carnavalesco Antenor Amazonas
O médico e artista plástico Ademar Brito sugeriu as cores verde e branca para simbolizar a floresta amazônica.
A banda iria ter uma pequena orquestra de sopros composta por músicos da banda da Polícia Militar especializados em velhas marchinhas de carnavais.
O cortejo sairia do Hotel Amazonas, subiria a Eduardo Ribeiro, pegaria a Saldanha Marinho a direita, depois a Rua Barroso, também a direita, a Sete de Setembro novamente a direita, e de novo a Eduardo Ribeiro, dessa vez a esquerda, retornando ao Hotel Amazonas.
Ficou combinado, também, que seria coroado um rei e uma rainha da banda, a ser escolhido no dia do desfile.
O horário do início do desfile seria às 17h.
No primeiro ano do desfile, cerca de 800 pessoas participaram da fuzarca, a maioria formada por nomes conhecidos do jet set local, incluindo empresários, colunistas, advogados, socialites, jornalistas, modelos e profissionais liberais.
Entre os foliões de primeira hora estavam Arlene Santos (escolhida 1ª rainha da banda), Marina Nunes, Charuff Nasser, Suely Moss, Leila Mattos, Cibele Johnson, Arlélia Gusmão, Lauro Rocha, Murilo Rayol, Deocleciano Souza, Wilson Brígido, Ricardo Pio, Humberto Amorim, Renato Simões, William Abrahim, Adalberto Bonfim, Manoel Dutra, Alberto Simonetti, Carlos Aguiar, Pedrinho Aguiar, Angélica Vieira, Regina Monjardin, Anete Brito, Letícia Barbosa, Amélia Loureiro, Ana Rita Antony, Dilson Pontes, Dirmenia Paracat, Sandra Salignac, Valdenyra Thomé, Ines Benzecry, Helena Moura, Theomario e Dulce Costa, Elaine Ramos, Hermengarda Junqueira, Tanamara Verçosa, Mazé Oliveira, Benedito Lyra, Ananias Góes, Lupercinio Nogueira, José Barbosa (dono da lendária loja Embalo’s Moda), Heraldo (juiz), José e Mazé Portela, Zeca Nascimento, Jaime Covas, Geraldo dos Anjos, Daniel Bizzi, Gil Barbosa, Kim Malheiros, Carlos Malheiros, Jorge Conceição, Guilherme e Jorge Pinheiro, Chico e Jorge Rodrigues, Lili Oliveira, Jésia Raiker, Rita Bernardino, Carlos, Fernando e Jorge Vasques, João Manoel Marques, Acram Isper, Elton Pio, Antenor Amazonas, Ademar Brito, José Onetti, Ronaldo Soares, Sergio Bichara, Eliane, Otávio e Heraldo Beleza da Câmara, Marly Fraiji, Belinha e Douglas Raiker, Antonio Barateiro, Amazonino Mendes, Helena e Gutemberg Fonseca, Ligia Fraxe, Monica, Hyssa, Mario e Wilson Abrahim, Norma Esteves, Paulo Lima e Fernando Pio de Souza.
No segundo ano, as candidatas do concurso Rainha do Carnaval Gay, promovido por Alonso e Bosco Fonseca no Bar Patrícia, fizeram uma aparição em grande estilo e deram o sinal verde para que dragqueens de todos os cantos da cidade começassem a participar do evento.
Durante os anos 80, a banda continuou saindo religiosamente no sábado gordo, arrastando uma multidão estimada em 5 mil foliões.
A partir de 1990, por motivos nunca esclarecidos, a Banda do Mandy’s Bar passou a sair no sábado magro, no mesmo dia da BICA, apesar de nunca as duas bandas terem se cruzado durante o desfile.
Uma explicação possível: os clubes tradicionais voltaram a investir nos bailes de carnavais realizados no sábado gordo e os foliões da banda preferiram brincar na rua no sábado magro e brincar nos clubes no sábado gordo.
Em 1991, por exemplo, Pedrinho Aguiar desfilou fantasiado de Cigana, em homenagem ao baile “Noite Cigana”, que o colunista César Seixas iria realizar no Rio Negro.
No mesmo ano, Neguinho da Beija Flor, que estava hospedado no hotel para fazer um show em um clube local, empolgou-se com a Banda do Mandy’s e deu uma canja cantando durante 30 minutos os mais famosos sambas enredos das escolas do Rio, de Janeiro, principalmente da sua escola.
A estonteante Leila Mattos, uma das bombshells da fuzarca
Além da grande quantidade de mulheres bonitas, a Banda do Mandy’s Bar possuía duas outras tradições.
As rainhas eleitas eram mulheres maduras e charmosas, elegantemente fantasiadas, que desfilavam no alto de uma caminhonete.
Travestido de mulher, o colunista Carlos Aguiar, com seus quase dois metros de altura, abria o desfile e se tornou o personagem mais aguardado pelo público.
“Em geral, chego atrasado de propósito!”, disse Carlos Aguiar, em entrevista concedida a jornalista Leyla Leong, do jornal A Crítica, em fevereiro de 1993, que naquele ano iria desfilar de “Tereza Collor em Miami”.
“Por causa da minha altura, eu chamo muita atenção, até mais do que a rainha. Ano passado gastei 10 batons, porque quando me pedem beijo eu beijo mesmo, deixo minha marca”, explicou.
Criador de seus personagens dentro de uma banda que não tinha enredo, Carlão já desfilara ao lado do mignon Pedrinho Aguiar como as irmãs Ísis e Luma de Oliveira, demitidas da tevê Globo pelo envolvimento de Ísis com a cantora Simone.
Em homenagem a questão ambiental, Carlos Aguiar também já havia desfilado como “Miss Ecologia”, portando um adereço de braço que “atrapalhava todo mundo”. Um figuraço!
Em 1991, o presidente Collor resolveu liberar as importações em todo o país e o comércio de importados da ZFM entrou em parafuso.
Centenas de importadoras fecharam as portas. Vários hotéis, pousadas e pensões do centro da cidade encerraram as atividades por falta de hóspedes.
Os turistas domésticos, ávidos por compras de produtos importados,viraram ficção científica.
Surgiu um novo tipo de turista, mais interessado em hotéis de selva, ecoturismo e turismo de aventuras.
O advogado Jorge Vasques em visita a terra natal de seu falecido pai, nas Ilhas Canárias
O Hotel Amazonas ainda resistiu bravamente até 1996, quando os sócios Jorge Vasques e Fernando Câmara, em comum acordo,decidiram vender o empreendimento por meio de leilão.
O hotel foi transformado em um condomínio de salas comerciais e residenciais.
A Banda do Mandy’s Bar desfilou pela última vez em fevereiro de 1997.
A morte de dois de seus organizadores – Carlinhos Vasques e Teomário Costa –, a falta de um local próprio para a concentração e o gigantismo que assolou a banda, bem diferente da proposta original de uma pequena confraternização entre amigos, foram determinantes para o encerramento da folia.
“Sinto saudades da época em que Manaus era mais amiga, mais íntima, onde as pessoas se cumprimentavam e se visitavam mais. Os primeiros organizadores da Banda do Mandy’s nutriam muito carinho e respeito mútuo entre si. Nós costumávamos curtir o carnaval de uma forma muito saudável. Não havia envolvimento com drogas e o carnaval de rua era mais alegre. As pessoas saíam de casa sem medo de que algo de ruim acontecesse”, relembra Jorge Vasques.
Fernando, Jorge, Zaira e Maria Angélica Vasques
“Um dos motivos para que terminássemos com a banda foi a ocorrência cada vez maior de assaltos e brigas, com o envolvimento de pessoas que não frequentavam o bar e não faziam parte do nosso círculo de amizade. Percebemos que aquilo já estava ficando fora de controle e resolvemos colocar um ponto final na esbórnia”, diz ele.
Que belo registro histórico meu caro! Muito obrigado por escrever essas memórias tão preciosas.
ResponderExcluirKurt Gluck Cervinka faleceu a sexta feira 1 de fevereiro de 2013 , grande avô pai e cozinheiro deixou em nós sua família grande admiração e respeito.
ResponderExcluirSimão, parabéns. Adorei a matéria. Manaus precisa disso. Bjs.
ResponderExcluirAmei! Amo meus queridos de Manaus! Bjs, Ricardo Justen Moreira da Costa, filho do Betinho, irmão da minha amada e eterna Tia Zaíra!
ResponderExcluirMuito bom.
ResponderExcluirMe ajudou muito..
Lembro bem da Manaus antiga,no início da zona franca. Tínhamos lojas que vendiam motos importadas, lindas e maravilhosas. Uma loja alí na sete de setembro. Motos robustas e bonitas.Saudades.
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