Na sexta-feira, 2 de fevereiro de 1996, o poeta Simão Pessoa escreveu o seguinte texto no Amazonas em Tempo:
Depois de muito estica-e-puxa, os brincantes da BICA – Banda Independente Confraria do Armando – chegaram a um consenso sobre o enredo do carnaval para este ano: infernizar a vida de todo mundo que se envolveu em escândalos nos últimos doze meses.
Dessa vez, os incomodados não vão poder nem mesmo se queixar pro bispo: o próprio bispo Macedo está na letra do frefadango (segundo os autores, uma mistura de frevo, fado e tango).
Hoje à noite, durante o bingo para arrecadar dinheiro para a banda, a Ala de Compositores da BICA estará mostrando a marchinha.
Os organizadores estão convidando os foliões a se fazerem presente no Bar do Armando para assinar o Livro de Ouro, comprar as camisas e as mortalhas, saldar as contas atrasadas e óbvio, fazer uma prévia da esculhambação organizada, que promete incendiar o centro da cidade no sábado magro de carnaval.
Formada por profissionais liberais, escritores, políticos, malas-sem-alça, boiolas e demais freqüentadores do Bar do Armando, ali na Praça São Sebastião, a BICA tem se notabilizado pelas confusões que provoca no período carnavalesco.
No ano passado, por exemplo, depois de armar um barraco com o TRE, ela viu-se ameaçada de não desfilar em virtude de uma letra apócrifa ter circulado na cidade ironizando alguns membros daquele Poder Judiciário.
O secretário de Segurança Klinger Costa foi pessoalmente interpelar os responsáveis pela banda sobre o qüiproquó, mas depois de desfeito o equivoco a BICA pôde realizar o seu desfile em paz.
Neste ano, as confusões começaram muito antes da escolha do enredo.
A Ala dos Juristas, comandada por Francisco Cruz, Jorge Álvaro e Lino Chíxaro, num surto repentino de saudosismo, queria homenagear os antigos carnavais – as batalhas de confete que aconteciam na Eduardo Ribeiro e o desfile bem-humorado do Clube da Mocidade, capitaneado pelo jornalista Flaviano Limongi.
A ala mais anarquista e agnóstica, comandada por Rogelio Casado, Alberto Simonetti e Marco Gomes, preferia centrar fogo na quizumba do bispo Edir Macedo e sua Igreja Universal, partindo de uma premissa básica: carnaval vem de carne, e os prazeres da carne, segundo a ideologia judaico-cristã, estão associados ao Belzebu. Logo, por que não invocar o Capiroto como tema central da banda e realizar um desfile infernal?
A ala mais politizada e democrática, comandada por João Pedro, Lúcio Carril e Praciano, entretanto, cismou que tinha de ironizar a história do Terceiro Ciclo com um argumento realista: se ninguém fizer uma oposição crítica ao governo, o Estado se transformará numa ilha absolutista, impermeável a qualquer discussão. E, ao que consta, o governador nunca trabalhou com essa hipótese.
Resultado: depois de várias reuniões os biqueiros resolveram distribuir, equitativamente, as bordoadas.
A letra, que foi psicografada no terreiro do Pai Xisto das Sete Linhas, em São Francisco, contou com a colaboração do ectoplasma do Frei José dos Inocentes, e fala desde o caso Gilberto “Sivam” Miranda ao plantio de jererê no Apuí, das adivinhações de Madame Marúcia aos exorcismos do bispo Jodenir, do plim-plim da Globo ao Jesus-Sat da Assembléia de Deus.
A marchinha dá a nítida impressão de ter sido feita por um cover dos Mamonas Assassinas fazendo releitura de canto gregoriano num terreiro de candomblé.
O refrão é pontuado pela frase célebre do bispo Edir Macedo: “Ou dá ou desce!”
As top models Celeste, Kádia, Cleide, Jô e companhia, que costumam abrilhantar o desfile da BICA, vão conseguir pegar (no bom sentido) o espírito da coisa?
Eis ai mais pólvora para nova quizumba.
E não se esqueçam: quem não participar da arruaça de logo mais à noite é mulher de padre. Ou melhor, de bispo. Mexam-se.
Armando, novamente comandando a Ala das Escrotas, e o artista plástico Jorge Palheta
Na terça-feira, 6 de fevereiro, o Amazonas em Tempo publicava nova matéria sobre os preparativos para o desfile da banda:
A Banda Independente da Confraria do Armando (BICA) está em plenos preparativos para seu tradicional carnaval do Sábado Magro. O tema deste ano, “Inferno na BICA”, traz a marca da irreverência da banda, que desde a sua fundação não perde a chance de satirizar assuntos políticos.
A BICA é a única banda a ter marcha-enredo, ou seja, letra e música própria para puxar o carnaval. A letra, com muito humor, aborda a briga religiosa da Igreja Universal, o caso Sivam e o Terceiro Ciclo.
Este ano, a banda traz outra novidade: um segundo boneco retratando uma figura conhecida da Praça São Sebastião, para juntamente com o boneco do proprietário do bar, Armando Soares, comandar o carnaval de sábado.
Os diretores da BICA, promotor Francisco Cruz, poeta Simão Pessoa, músico Manuel Batera, jornalista Deocleciano Souza, juiz Jomar Fernandes, psiquiatra Rogelio Casado, presidente da OAB Alberto Simonetti, a relações-públicas da banda, Lourdes Soeiro, compositor Afonso Toscano e o advogado Ari de Castro Filho, asseguram que os preparativos estão a mil por hora.
Os ensaios para o aprendizado da letra ocorrem todos os dias no Bar do Armando, com a distribuição de impressos com a letra da marchinha. Para este ano, a diretoria decidiu inscrever a eterna rainha da BICA, Petronila, em um curso de frevo para deslanchar como porta-estandarte da banda.
O proprietário do bar, Armando Soares, decidiu este ano apresentar um show à parte. Ele mesmo vai dançar fado toda vez que o tema da banda for executado.
Na próxima sexta-feira, véspera da saída, os biqueiros vão fazer um ensaio geral a partir das 18 horas. Eles esperam, no mínimo, um público de 2 mil pessoas.
Rochinha, Nestor Nascimento, Ednardo e Salignac, e a faixa saudando o empresário Edson Ramos, falecido no ano anterior
Na quarta-feira, 7 de fevereiro, o Jornal do Norte publicava a seguinte matéria:
O nome é Mercearia Nossa Senhora de Nazaré, popularmente conhecido como Bar do Armando, referência ao proprietário, um português pra lá de bem-humorado. O xis-porco, sanduíche de pernil, é a especialidade da casa.
Mas nem só de cerveja e sanduíche vive o Bar do Armando. Ele é reduto de uma das mais animadas bandas do carnaval de rua de Manaus: a Banda Independente Confraria do Armando, a BICA, famosa pela irreverência e bom humor de seus personagens.
Este ano a concentração da BICA é no dia 10. O tema é uma sátira ao bispo Edir Macedo e sua Guerra Santa.
O jornalista Deocleciano Souza, um dos fundadores da BICA e freqüentador assíduo do bar, conta que a idéia nasceu no dia 17 janeiro de 1987, reunindo irreverência e escracho, mas principalmente proporcionando aos foliões um dos mais divertidos carnavais de rua da cidade.
Com tanta irreverência, a BICA andou encontrando algumas pedras no caminho.
Ano passado, o presidente do Tribunal Regional Eleitoral, Lafayette Vieira, quase impede a banda de sair.
Ele sentiu-se ofendido com a letra da música, que falava sobre fraudes nas eleições.
Segundo os organizadores, foi tudo um grande mal-entendido.
A letra que o presidente do TRE leu estava adulterada. Mas a confusão foi desfeita.
O patrono da BICA, Armando Soares, 59 anos, é um comerciante nato.
Só de olhar o freguês já percebe se ele se encaixa numa das três categorias dos boêmios: os que pagam à vista, os que pagam no final do mês e os que não pagam nunca.
Os da primeira categoria são raros. Os da segunda categoria são maioria. Os da última, ele garante que não têm coragem de freqüentar o bar.
Na sexta-feira, 9 de fevereiro, o jornal Amazonas em Tempo publicava uma matéria em que a BICA se envolvia em nova polêmica, desta vez com o famigerado ECAD:
Faltando só três dias para o seu carnaval, a banda da BICA foi surpreendida pela notificação do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD). A banda deve pagar taxas sobre direitos autorais, sob pena de não poder sair amanhã.
A notificação, assinada pelo inspetor do órgão, Edimar Ferreira, irritou os dirigentes e componentes da banda que se reuniram ontem à noite no Bar do Armando para resolver a questão.
– O ECAD é igual cinzeiro da motocicleta. Não serve pra porra nenhuma. Não tem nenhum utilidade –, disparou o diretor musical da BICA, compositor Afonso Toscano. “Este ECAD está mais manjado que nigeriano em aeroporto”, ironizou o compositor.
– Não tem como pagar direito autoral, porque a banda não tem fins lucrativos –, observou o advogado Lino Chíxaro, outro dirigente biqueiro.
Com certa irreverência, Chíxaro mandou um recado ao ECAD: cobrar direitos autorais somente depois que as músicas tocadas na BICA alcançarem sucesso.
A irritação atingiu também Jomar Fernandes, um dos dirigentes e fundadores da BICA. “A banda não vai pagar e vai sair no sábado”, garante.
A insatisfação tomou conta dos freqüentadores do Bar do Armando, localizado na rua 10 de Julho, praça São Sebastião.
– O ECAD não tem moral de cobrar direitos autorais da BICA pois não repassa aos artistas o direito autoral obtido através de taxas. Basta ver que foi até alvo de uma CPI em Brasília –, declarou Manuelzinho Batera, um dos fundadores da banda.
Em meio à polêmica com o ECAD, os preparativos para a saída da BICA no próximo sábado estão em ritmo acelerado.
Os dois novos bonecos retratando a rainha da banda, Petronila, e o Frei Fulgêncio estão praticamente prontos. Os bonecos estão sendo confeccionados pelo ventríloquo Paulo Mamulengo. Os dois bonecos vão se juntar ao do Armando feito no ano passado.
Para este sábado, os dirigentes da BICA prometem boas novidades. Ao invés de um trio elétrico, a banda vai contar com dois. “Uma vai acompanhar o pessoal durante o desfile e o outro permanece na concentração”, informou Francisco Cruz.
Este ano a BICA também vai recebeu uma visitante ilustre. A égua da Bhanda da Bhaixa da Hégua, de Educandos, vai deixar o seu reduto para brincar o carnaval com os biqueiros.
No sábado, 10 de fevereiro, no Amazonas em Tempo, o poeta Simão Pessoa fez uma homenagem aos biqueiros Petronila e Salignac:
As bandas carnavalescas de Manaus sempre tiveram suas rainhas escolhidas entre as folionas do pedaço que mais se destacavam. Seu papel, delas, rainhas, é comandar o carnaval durante o desfile da banda e incentivar os demais freqüentadores a caírem na folia. Os critérios de escolha variam de banda para banda, mas quase sempre é uma forma de homenagear alguma personalidade ligada à história das mesmas.
A única banda a fugir dessa regra é a Banda Independente Confraria do Armando. Ela não tem rainha, tem musa, e o posto é vitalício. É como ser nomeado Conselheiro do Tribunal de Contas do Município: podem gritar, espernear, extinguir o órgão, fazer o maior alarido, denunciar nepotismos, ter chiliques, que ninguém, mais ninguém mesmo, vai ser capaz de lhe tomar o osso, ou melhor, o posto. Virou musa da BICA, não tem mais pra ninguém.
A musa da BICA se chama Petronila, mas o sobrenome ela não diz nem se lhe arrancarem as unhas. Freqüentadora do Bar do Armando há mais de uma década, Petronila tem uma particularidade: é devota de Nossa Senhora Auxiliadora e diariamente freqüenta a missa das dezoito horas na Igreja de São Sebastião. Depois de orar, se comungar e entregar a alma a Deus, Petronila anda menos de vinte metros para cair no inferno chamado Bar do Armando, onde, religiosamente, enxuga duas cervejas geladas e um sanduíche de leitão.
Solteira convicta, Petronila mora com uma irmã mais velha, Lindalva, e não anda de ônibus “porque os homens gostam de se esfregar na gente”. Ela é capaz de ser vista andado próximo do terminal da Constantino Nery e meia hora depois estar cruzando a Tapajós, rumo à igreja e São Sebastião, sem resfolegar. Petronila deve ter uma capacidade respiratória de fundista queniano.
Vendo-a passar toda faceira no seu footing vespertino, nós, biriteiros profissionais e fumantes invertidos, digo, inveterados, incapazes de subir um lance de escada sem colocar os bofes pela boca, sentimos no peito uma pontada de inveja. Mas é bem capaz de ser apenas angina ou principio de infarto, já que inveja mata.
Desconfio que a Petronila faz esse programa diário de condicionamento físico (andar 70 km sob um sol de 40ºC à sombra, se existisse sombra) apenas para não dar vexame quando comanda o desfile da BICA no Sábado Magro. Já teve nego que saiu da concentração acompanhando o desfile e só conseguiu retornar depois que pegou um táxi. Por dúvidas da via, esse não a UTI móvel da OAB vai estar no local, conforme nos confidenciou Alberto Simonetti. Seguro morreu de velho.
Ninguém sabe quando a Petronila foi eleita musa da BICA, mas sabe-se que foi coisa do jornalista Deocleciano Souza. Até 87, quando a BICA desfilou pela primeira vez, a dona Lourdes proibia a entrada de mulheres no boteco. Ela achava que as miúdas iam ali pra paquerar o Armando e não pra ficarem embravecidas com a conversa mole de Deocleciano, Amecy, Rosendo Lima, Zeca Alfaia, Mário Adolfo, Sebastião Assante, Eduardo Gomes, Aldisio Filgueiras, Arnaldo Garcez, Marco Gomes, Afonso Toscano, Américo Madrugada e tanto outros.
Deocleciano não só levou a Petronila ao bar e integrou-a na roda da malandragem, como convenceu os presentes de que, plasticamente, seria melhor tê-la como musa do que o Zequinha da Capri, que todo mundo apontava como virtual candidato ao posto. Único juiz de Classe (classista é coisa de pobre) do pedaço, Zequinha ficou tiririca por ser preterido e acabou não aceitando sequer o posto de porta-estandarte (porta-bandeira é coisa de viado). Cláudio Salignac, que nesse dia estava tão porre que não conseguiu protestar, acabou assumindo a vaga. A dupla dinâmica estava formada.
Mas como tudo que é sólido desmancha no ar, a Petronila já escolheu sua sucessora: Celeste Pereira, mais conhecida como “Pathy Diphusa da baixa Cachoeirinha”. Pros ignorantes que estão boiando na história, Pathy Diphusa é um dos personagens mais engraçados já bolados pelo cineasta Pedro Almodóvar, e só comparável, em termos de agitação e presença de espírito, à genial Rê Bordosa, do cartunista Angeli.
Celeste pode ser vista rezando diariamente na Igreja do Pobre Diabo, ali perto do Hospital Militar, na Cachoeirinha, e depois enxugando sete cervejinhas no Bar do Carvalho, ali na curva da morte. A única diferença entre as duas musas é que Celeste prefere assistir a missa das seis horas da manhã pra começar a se encharcar mais cedo.
A verve festeira de Celeste Pereira foi descoberta em um concurso de talento promovido pelo extinto cine-teatro Guarany, quando ela fez imitação da vedete Mara Rúbia. De vez em quando, Maria Celeste Pereira trai os desígnios da Igreja Católica e bate tambor em um terreiro de macumba na Rua da Cachoeira, em São Jorge, quando incorpora Iansã pela direita e a Pomba-Gira pela esquerda. Cabeça feita no terreiro do Pai Palheta do Purupuru, herdeiro presuntivo de Salignac, Celeste vai sair de Madame Satã e promete balançar as cadeiras até o dia amanhecer. Evoé, Momo!
Uma das figuras mais queridas pelos biqueiros se chama Cláudio Leomar Salignac, que apesar de ser movido a TNT (nitroglicerina pura), acabou se aposentando como TTN (técnico do Tesouro Nacional). Pai de cinco filhos, Salignac meteu na cabeça que vai ser o novo Wando do Amazonas e há mais de cinco anos vive ensaiando a música “Você é luz”, para deleite dos freqüentadores do Bar do Armando. Só ainda não recebeu uma bala no meio da lata porque deve ter o corpo fechado.
Preocupado em ser Wando, o porta-estandarte da BICA ainda não aprendeu a marcha-enredo deste ano, motivo suficiente para que Charles Stones, o garçom que está terceirizando o Bar do Armando com o patrocínio da Antarctica, mova uma campanha subterrânea para que Salignac abandone de vez a posição atrás-do-balcão, que ele, Charles, tem direito de assumir. O porta-estandarte foi escolhido pelos mesmos critérios que apontaram Petronila a musa da banda, na base do meu passado me condena, mas eu prometo não mais errar. A fuzarca da BICA começa logo mais, ao meio-dia.
Inferno na BICA
Autor: Frei José dos Inocentes
Médiuns: Afonso Toscano e Simão Pessoa
Vem, vem, vem,
Vem, vem, Satanás,
Vem animar o carnaval da BICA
Que este ano vai ser bom demais
Ou dá ou desce
Ou dá ou desce
Macedo deu a dica
O Armando agradece (bis)
Madame Marúcia, Jodenir e Samuel
Estão vendendo vários lotes lá no céu
Bob Marinho tem pena de mim
CapetaSat só faz plim-plim
Miranda, eu sou seu fã
Me diz o teu cachê no projeto Sivam
Arroz de Humaitá, feijão de Apui
O Terceiro Circo taí
A Petronila vai passar a sacolinha
Pro Armando dar um giro em Portugal
Mas se o Charles ficar solto na parada
Tem templo novo da Igreja Universal.
Petronila e Frei Fulgêncio no comando do carnaval dos infernos
Quebrando uma tradição de nove anos, nesse sábado magro acabei não desfilando na BICA.
Minha mulher incorporou um Marcel Proust meio injuriado e teve uma das piores crises de asma da história.
Em dado momento tive a nítida impressão de que ela havia se engasgado com um balaio de gatos, tal a profusão de ruídos que emanavam de seu peito febril.
A solução foi ficar em casa revisando as provas finais do livro “Rock: a música que toca”, que pretendo lançar ainda esse ano.
Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás. Sorry.
O dado novo no nosso carnaval baré foi o ressurgimento com força total do carnaval de rua.
Nunca, em tempo algum, tantas pessoas participaram dos desfiles das bandas carnavalescas como nesse ano.
Antenado com as novidades, o nosso Em Tempo (leia-se Eduardo Gomes) deu um banho de cobertura sobre essa legítima manifestação popular.
Dizem que o desfile da BICA recebeu uma multidão estimada em dez mil pessoas.
A Bhaixa da Hégua recebeu um público semelhante. Idem a Banda do Mandy’s Bar, Cuiú Cuiú, Boulevard, Difusora, Lobão, Coração Blue et caterva. Ótimo.
A Polícia Militar realizou um trabalho perfeito, garantindo a tranquilidade e a segurança dos foliões.
Os patrocinadores oficiais das bandas também estão de parabéns, por terem ajudado a bancar a infraestrutura do desfile.
O destaque, e isso não é merchandising, vai pro Odilon Andrade, da cervejaria Antarctica.
Esperamos que no próximo ano as cervejarias Brahma, Schincariol e Cerpa mirem-se no exemplo e também façam a sua parte. Quem vai ganhar com isso será o carnaval de rua.
E não apareceu a Margarida
Mas como nem tudo são flores, o nosso prefeito Eduardo Braga acabou pisando na bola.
Claro, a culpa não é dele, mas como principal mandatário da cidade ele não poderia ter ficado omisso sobre um assunto de tal alcance social. Explico.
No dia 6 de janeiro, a BICA enviou um ofício à Prefeitura solicitando a colocação de Margaridas (Pipimóveis) na área de concentração da banda.
O ofício não obteve resposta, nem as Margaridas foram providenciadas e o resultado foi um verdadeiro vexame para a ala feminina, obrigada a satisfazer suas necessidades básicas sob o olhar de curiosos.
O único banheiro disponível, o do Bar do Armando, transformou-se numa verdadeira piscina e quem se aventurou a entrar no boteco e não morreu afogado já pode trabalhar como salva-vidas na Ponta Negra.
O mesmo problema ocorreu no desfile da Bhaixa da Hégua, com um agravante: as meninas tinham que entrar embaixo do carro de som para verter água e, na maioria das vezes, acabavam levando, literalmente, uma mijada dos foliões mais apressados.
Sim, porque em sendo homem – e devido a sua anatomia particular – o sujeito não se avexa e verte água em qualquer lugar.
Mas quando se trata de mulher, desculpem o trocadilho infame, o buraco é mais embaixo.
Esperamos que o futuro prefeito de Manaus leve em conta essa particularidade e preste a devida assistência às bandas.
Essa medida simples e simpática ao olhar de qualquer folião vai contribuir enormemente para que o carnaval de rua se torne cada vez melhor.
A invasão dos caras de pau
É verdade que a BICA não deseja se tornar exemplo pra ninguém, mas essa proliferação de políticos tentando se aproveitar dos foliões para angariar votos pode descaracterizar o caráter festivo da brincadeira.
No Bar do Armando se reúnem políticos de todas as facções possíveis, da extrema esquerda à direita raivosa. No problem.
Eles também participam ruidosamente do desfile da BICA. No problem.
O que a BICA não admite, e isso é uma questão de princípio, é que o sujeito suba no carro de som para deitar falação.
A última a tentar furar esse esquema de segurança máxima foi a odontóloga Lucia Antony, no carnaval passado, e quase foi assassinada pela dupla dinâmica Manuelzinho Batera – Claudio Salignac.
Nas outras bandas, com as honrosas exceções de praxe tipo Calçada Alta, Mandy’s Bar e mais uma meia dúzia, essa “despolitização do carnaval” não está acontecendo.
A Banda do Boulevard, por exemplo, só começa a tocar depois que acaba a siesta do ex-deputado federal Cláudio Chaves, lá pelas três da tarde.
Tudo bem que ele seja o principal patrocinador da banda, mas ninguém vai participar da folia achando que no meio da fuzarca pode rolar um comício.
Na Banda do Cuiú Cuiú, a cada duas músicas o som era interrompido para os discursos déjà vu do vereador Chico Preto, candidato a reeleição.
Na Bhaixa da Hégua, o carro de som levava o deputado estadual Nonato Lopes pedindo votos para seu filho, Marcos Lopes, supostamente candidato a vereador.
O mais trágico é que alguns desses políticos caem de pára-quedas nas bandas e acabam relegando ao ostracismo os próprios fundadores da banda.
Os meus amigos do grupo trecnopop Pró-Álcool (Mário Toledo, Ary de Castro Filho, Arnaldo Fimose, Mário da Mia, Cid Sete Cordas, Helinho do Parque, Onércio e Manuelzinho Batera), que sempre fizeram a marchinha bem-humorada da Bhaixa da Hégua, nesse último desfile sequer puderam mostrar suas composições.
Humilhados, ele e suas respectivas esposos, filhos, filhas, agregados e aderentes acabaram saindo no meio do desfile e rumando para a quadra da Aparecida, onde foram tratados a pão de ló.
O meu querido Renato Freitas, líder da Confraria do Renato, proprietário da Casa Ideal e fundador da banda, está me devendo essa.
Na terça-feira, 13 de fevereiro, uma matéria publicada no jornal Amazonas em Tempo anunciava que o boneco do Armando havia sido seqüestrado:
Os biqueiros estão revoltados com o seqüestro do boneco do Armando, um dos símbolos da BICA, ocorrido no último sábado. Ontem à noite, integrantes da banda saíram à caça do autor da façanha para resgatar o boneco. O grupo era formado por um juiz, um promotor de Justiça, um advogado da OAB e dois delegados.
– O que fizeram com o boneco do Armando é um crime hediondo –, protestou Cláudio Leomar Salignac, porta-estandarte da banda, uma das mais famosas da cidade.
Um dos diretores da BICA, Jomar Fernandes, foi mais longe. Anunciou que iria decretar a prisão preventiva do autor do seqüestro do boneco, já que é juiz de Direito.
– Nós não podemos permitir que um patrimônio do bar e da cidade seja roubado –, afirmou, revoltado, ao tomar conhecimento do fato.
Ontem à tarde Armando Soares recebeu dois telefonemas, onde uma pessoa teria afirmado estar de posse do boneco e cobrando resgate para devolvê-lo.
Ao tomarem conhecimento do pedido de pagamento do resgate, os biqueiros organizaram uma equipe para resgatar o boneco, feito pelo artista popular Paulo Mamulengo no ano passado e autor dos dois bonecos que estrearam este ano, o da musa da banda, Petronila, e o do Frei Fulgêncio.
Uma operação resgate foi montada ontem à noite. O juiz Jomar Fernandes, o promotor Francisco Cruz, o presidente da OAB Alberto Simonetti e os delegados Mariolino Brito e Dr. Trindade, que recentemente concluíram um curso de resgate na Swat, de Los Angeles (Estados Unidos) e no Mossad, o famoso serviço secreto israelense, saíram em campo para libertar o boneco e prender o seqüestradores.
No Sábado Gordo, dia 17 de fevereiro de 1996, o Amazonas em Tempo desvendava o famigerado seqüestro:
O motorista de praça Nelson Pereira de Lima, que nas horas vagas trabalha como detetive particular, desvendou o tal mistério do seqüestro do boneco da BICA, ocorrido no último sábado, logo após o desfile da banda.
Nelson, que é funcionário da Cachoeirinha Rádio Táxi, passou uma semana fazendo campana e estudando os livros de Conan Doyle até localizar o boneco, que havia sido “desovado” num terreno baldio do Crespo.
Eram precisamente 19h37 da quinta-feira quando Nelson estacionou seu Gol em frente à Confraria do Armando, bastante injuriado, mas ao mesmo tempo feliz da vida, por ter recuperado o boneco do Armando, símbolo maior da BICA, e o que é melhor, sem pagar o resgate exigido pelos seqüestradores.
O boneco foi recuperado por Nelson depois que este enfrentou os seqüestradores com golpes de capoeira de karatê, num terreno baldio onde funcionava uma mercenária, no antigo bairro do Crespo.
Segundo Nelson Pereira, ele já havia posto anúncio até na rádio Difusora oferecendo uma gratificação a quem soubesse dar qualquer informação sobre o paradeiro do boneco.
Na última quinta-feira, ele recebeu uma ligação anônima de uma possível admiradora da banda, que vira manifestações estranhas num deposito do Crespo, informando ainda que havia alguns bonecos expostos no lugar.
No mesmo instante, Nelson se dirigiu até o local com a cara e a coragem e, depois de muita conversa, conseguiu entrar no lugar, onde descobriu os seqüestradores ainda torturando o boneco com choques elétricos.
Possesso, Nelson teve de distribuir várias bandas-de-lua e cuteladas até conseguir colocar o que sobrou do boneco na mala do carro e rumar para o Bar do Armando, onde foi recebido com uma salva de palmas.
O boneco, mais uma vítima da violência que campeia na cidade, teve a cabeça degolada, um olho vazado, e perdeu um dos braços devido à senha assassina de seus raptores.
Nelson, que freqüenta a banda há mais de cinco anos, vai mostrar o lugar exato onde funcionou o cativeiro do boneco da presença dos delegados Mariolino e Trindade, e do juiz Jomar Fernandes, que prometeram colocar os seqüestradores na cadeia tendo em vista que tortura é um crime inafiançável.
Armando, que herdou a tradição lusitana de não pagar seqüestro mesmo que a vaca tussa, já convocou o bonequeiro Paulo Mamulengo para recuperar o boneco.
A Ala dos Fradinhos comandada por Arimar
Chicão Cruz dando um banho de talco no Dr. Santana
Jorge Palheta, Cezinaldo, Abidias, Salignac, Cão do Luso, Américo Madrugada, Antelki, Binga, Vicente Filizzola e Geraldinho
Os biqueiros se preparando para começar a infernizar a cidade
De cima da mercearia, o Cão do Luso não tira o olho do mamulengo Armando
Os fradinhos tomaram tanto goró que nem conseguiam abrir a boca para abençoar as mulheres rabudas presentes na folia
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