terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Carnaval 1998 - A BICA Comunistou


No sábado, 10 de janeiro de 1998, o poeta Simão Pessoa escreveu o seguinte texto no Amazonas em Tempo:

Na última quinta-feira, uma comissão de notáveis da Banda Independente Confraria do Armando (BICA) esteve reunida com a alta direção da cervejaria Antarctica e, depois de cinco horas de muita conversa, conseguiu um acordo sem precedentes na história do carnaval amazonense: a cervejaria vai financiar integralmente o desfile dos biqueiros no Sábado Magro, dia 14 de fevereiro.

A carta de intenções foi assinada pelo diretor de Marketing da empresa, Allan Kardec, e pelo presidente da OAB, Alberto Simonetti, representando a BICA.

Segundo o juiz Jomar Fernandes, da diretoria da banda, o acordo é vantajoso para ambas as partes.

– A Antarctica vai fornecer 5 mil grades de cervejas a preço de custo, que serão vendidas no Bar do Armando pelo preço praticado no mercado, e o lucro apurado será investido no nosso desfile, ou seja, na confecção de camisas, mortalhas, mamulengos, pagamento de músicos, aluguel de trios elétricos e por aí afora –, explicou.

O papel dos biqueiros será detonar essas 5 mil grades no menor tempo possível.

Os ensaios oficiais da banda começaram na mesma noite em que foi firmado o histórico acordo, com a presença de vários diretores da Antarctica.

A parte musical ficou por conta do grupo Sosiforsamba, do Morro da Liberdade, e da banda Metal Soldado, especializada em marchinhas carnavalescas.

Cerca de duzentas pessoas prestigiaram o evento consumindo, segundo cálculos extra-oficiais, perto de 50 grades de “louras”.

Pelas contas otimistas do promotor Francisco Cruz, presidente da BICA, estão faltando apenas 4.950 grades para serem detonadas.

Impossibilitado de dedilhar o violão (se acidentou com uma faca de cozinha e perdeu o movimento em três dedos da mão esquerda), o compositor oficial da banda, Afonso Toscano, suspendeu as chuteiras e entregou a tarefa ao músico Celito Chaves.

A troca de guardas acabou sobrando para o atual secretário de Interior e Justiça, Félix Valois.

Comunista desde o jardim da infância, a aproximação do mesmo com o governador Amazonino Mendes acabou gerando uma série de qüiproquós entre os biqueiros, radiografados na marchinha “A BICA Comunistou”.

– Eu era adversário político do governador, mas nunca escondi de ninguém a minha condição de seu amigo pessoal –, explicou Félix Valois. “O fato de ex-adversários políticos dele estarem fazendo parte do seu secretariado prova que o Amazonino quer o melhor para o nosso Estado e que suas teses convergem para a meritocracia, acercando-se de pessoas de reconhecido talento e competência. Quem fizer outra leitura desse quadro que não seja esse estará completamente equivocado”.

Outro que compartilha da mesma visão é o advogado Alberto Simonetti.

– O caboco está fazendo um governo de conciliação, de verdadeiro estadista. Quem é competente, está com ele. Quem não é, vai continuar chupando o dedo! –, ironiza. “Mas como a BICA não é uma banda chapa branca e só presta contas ao Rei Momo, a letra mexe com todo mundo. É assim que funciona a democracia carnavalesca”.

Os ensaios da banda vão acontecer todas as quintas-feiras, no Bar do Armando, a partir das 19h, sempre com várias participações especiais.

No próximo dia 15, além do Sosiforsamba e do Metal Soldado, o grupo Dente de Dragão dará uma canja especial.

No dia 22, será a vez dos grupos ProÁlcool, de Mário Toledo e Ary de Castro Filho, e Raízes do Samba, de Edu do Banjo, Caio do Cavaco, Casqueta, Pajé e companhia.

No dia 29, a bateria do GRES Andanças de Ciganos e Neguinho da Beija-Flor.

A programação do mês de fevereiro ainda não foi divulgada.


Chicão Cruz e Jomar Fernandes acertando os detalhes do desfile

No domingo, 8 de fevereiro, a coluna “Aduana”, do jornal A Crítica, editada pelo jornalista Rogério Pina, publicou as seguintes notas:

Memória da Folia

Pegando carona na temporada de folia, o Centro Cultural Palácio Rio Negro inaugura no próximo dia 17 a exposição Carnavália, com fotografias dos freges locais desde 1905 até a década de 80. A Banda da BICA e o Mocidade Clube ganharão homenagens especiais na mostra organizada por Abrahim Baze e que terá textos de Simão Pessoa. Para montar a exposição, foi imprescindível o apoio – através de seus acervos fotográficos – do IGHA, Atlético Rio Negro Clube e Nacional Futebol Clube.

High tech

Chiquérrima mesmo é a Banda da BICA.

Durante toda esta semana terá chamadas para a folia no painel eletrônico da Eletromídia, na Paraíba próximo à Efigênio Sales.


Edu do Banjo, Simão Pessoa, Felix Valois, Chicão Cruz e Deocleciano Souza

Na quinta-feira, dia 12 de fevereiro, a coluna “Sim & Não”, do jornal A Crítica, publicou a seguinte nota:

Racha

A banda da BICA vai unida, como sempre, ao seu ensaio final, mas o samba vai soar destoante. O tema oficial, “A BICA comunistou”, teria sido deturpado em sua execução, na tentativa de institucionalizar a rebeldia da banda. Por causa disso, o chamado Grupo da Resistência, integrada por militantes históricos da banda, vai desfilar com um samba de protesto: “Eu não me aliancei”.


Armando mostrando a camisa da chamada Ala da Resistência, também vendida no boteco

No sábado, 14 de fevereiro, a coluna “Sim & Não”, do jornal A Crítica publicou a seguinte nota:

A BICA

A festa carnavalesca de hoje na praça São Sebastião, promovida pela banda da BICA, deve reunir pelo menos 30 mil pessoas, conforme estimativa dos organizadores, baseados em números de outros anos. Levando em conta que hoje é dia também da festa de outras bandas, é possível que pelo menos 60 mil pessoas estejam com seus corações e mentes voltados para o carnaval de rua amazonense.


Manuel Batera, Jomar Fernandes, Edu do Banjo, Simão Pessoa e Durango Duarte

No sábado, 14 de fevereiro, o jornalista Orlando Farias, de A Crítica, escreveu o seguinte texto:

O Sábado Magro de carnaval coincide sempre, em Manaus, com uma emoção desopilante que se chama Banda Independente Confraria do Armando. Tendo como palco a histórica a Rua 10 de Julho (homenagem à libertação dos escravos), ao lado do charme do Teatro Amazonas e da soberana Praça São Sebastião (cenário de muitas lutas democráticas), a BICA pede passagem no dia de hoje para realizar mais um carnaval da irreverência.

Em 98, a BICA literalmente “comunistou”: o samba-enredo é uma ironia ao comunista Félix Valois Coelho, 54, adversário ferrenho do governador Amazonino Mendes até março do ano passado, quando se aliançou.

– Se uma pessoa não tem capacidade de suportar uma brincadeira de época carnavalesca, é porque não tem têmpera de democrata! –, diz Valois, que até admite ser chamado de velho comunista. “Não acredito que alguém possa me chamar é de comunista velho”, brinca.

Se é fácil saber que a BICA comunistou em 98, é mais palpável o fato de que ela ficou mais atraente. Afinal, hoje a banda terá dois camarotes especiais.

Um deles, ao lado do Bar do Armando, é uma homenagem à crença de que a Seleção Brasileira será pentacampeã da Copa do Mundo, em junho.

Haverá também um palco exclusivo para os artistas da banda e dois trios elétricos para tocar marchinhas variadas de carnaval.

Houve tanta preocupação em termos de planejamento da festa, segundo um dos seus coordenadores, o promotor publico Francisco Cruz, que está sendo impossível prever quantas grades de cerveja serão consumidas no dia de hoje.

– Deverão ser vendidas seis mil caixas de cerveja! –, diz Cruz, lembrando que isso é o dobro do ano passado.

Trata-se também da única banda que mantém a tradição de não cobrar absolutamente um tostão dos barraqueiros.

– A BICA é, de fato e de direito, um evento sem fins lucrativos! –, diz outro coordenador, o juiz-corregedor Jomar Fernandes. “O fim máximo da banda é realizar sempre um carnaval irreverente, com os traços culturalmente fisionômicos da cidade”, resume.

Para não fugir à regra, a polêmica mais marcante na trajetória da banda em 98 foi em torno do próprio samba-enredo, que uma ala considerou excessivamente “chapa branca” (institucionalizado), além de a camiseta oficial ter incluído a figura do governador Amazonino Mendes e o “A” estilizado da marca do governo.

Esse grupo, que se intitula “Resistência da BICA”, lançou uma camiseta alternativa, com um lema sugestivo: “Eu não me aliancei”.

Apesar da discordância, o samba-enredo emplacou, a julgar pelas milhares de fitas cassete distribuídas pela cidade. Quanto à camiseta, ela está fazendo tanto sucesso, segundo o patrono da banda, o comerciante Armando Soares, que até a policia foi acionada para prender pessoas envolvidas com a falsificação das mesmas.

E por falar na polícia, Davi Almeida, o diretor que cuidava ontem, junto com Simão Pessoa, da segurança dos biqueiros, garante que a BICA será novamente a banda mais policiada, no bom sentido.

– Nunca registramos uma briga e nem vamos registrar, porque todo biqueiro é um cara muito consciente da brincadeira em que está envolvido! –, decreta Davi.


A concentração de biqueiros ocupando toda a Praça São Sebastião

Também no sábado magro, dia 14 de fevereiro, o jornalista Mário Adolfo escreveu o texto “Anarquistas graças à BICA”, no Amazonas em Tempo:

O centro de Manaus viverá um sábado de agitação, bom humor e escracho a partir do meio-dia de hoje, quando a Banda Independente Confraria do Armando (BICA) – a mais tradicional e polêmica banda da cidade – ganhar as ruas para brincar o seu 11.º carnaval de rua.

Como é de praxe, os biqueiros trazem este ano um enredo que tem todos os ingredientes para polemizar a festa: um homem público, uma autoridade e um motivo político. “O Velho Comunista Se Aliançou”, título do tema, é uma sátira à inesperada aliança entre o governador Amazonino Mendes (PFL) e o advogado Félix Valois, comunista convicto, que até poucos meses era um dos ferrenhos opositores do governador.

A BICA foi a segunda banda criada em Manaus. A primeira foi a do Mandy’s Bar, do Hotel Amazonas. Como a primeirona aposentou o estandarte, a BICA ostenta hoje o título de pioneira da cidade.

Seus organizadores também vão exigir um registro no Guiness Book, o livro dos recordes, por manter em suas fileiras a mais velha porta-bandeira de todo o carnaval: Petronila, que aos 78 anos desfila ostentando o estandarte em forma de cueca, cebola e mortadela.

Embora os cardiologistas insistam para que a veneranda senhora brinque o carnaval no carro de som, ela prefere ir a pé e chega a se irritar quando alguém se preocupa com o longo percurso.

– Meu filho, no dia em que eu não puder mais entrar na BICA eu me aposento!

Pra variar, os ensaios da banda, realizados às quinta-feiras, foram marcados pela polêmica. A primeira delas envolveu uma rede de falsificadores que andaram pirateando as camisetas da BICA para vender no câmbio negro.

– Vamos acionar a Procuradoria-Geral da República porque violação de direitos autorais é crime federal! –, anunciou o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), secção Amazonas, Alberto Simonetti, que também faz parte da diretoria da BICA.

Mas não é só. No auge dos ensaios, a diretoria da BICA descobriu uma ala dissidente formada por antigos fundadores da banda que se recusam a colocar a camisa com a caricatura do governador Amazonino ao lado do Valois. “Se hay gobierno, yo soy contra!”, rebatem os xilitas, que mandaram confeccionar uma camisa exclusiva para eles com a cara de Mao Tsé-tung, Che Guevara e Lênin. No dia do ensaio geral, eles se recusaram a brindar com o velho comunista Valois.

Além dos ensaios, que só acabavam às 4h30 da madrugada, um terceiro problema tem tirado o sono da diretoria da BICA.

Obedecendo há 11 anos o percurso das ruas 10 de Julho, Getúlio Vargas, Sete de Setembro, Eduardo Ribeiro e novamente Rua 10 de Julho, a BICA está sendo obrigada, desde o ano passado, a evitar a Eduardo Ribeiro porque a Banda da Difusora resolveu transferir seu carnaval também para o sábado magro, no meio da Eduardo Ribeiro, fechando a passagem para o desfile da pioneira.

Este ano, uma comitiva da BICA vai tentar, através do diálogo, convencer os diretores da rádio, Josué Filho e Maria da Fé, a confraternizarem com a BICA num encontro histórico e abrir passagem para a anarquia passar.

– Será bem melhor para o bem da democracia e para a saúde de todos. A Rua Barroso tem uma ladeira que eu vou te contar! – suspira o publicitário e escritor Simão Pessoa.

Enquanto o qüiproquó não é resolvido, o juiz Jomar Fernandes e o promotor Francisco Cruz trabalham nos bastidores para tentar outorgar, pela Câmara Municipal, o título de Cidadão de Manaus para o português Armando Soares, que em 1970 armou seu boteco na Praça São Sebastião e de lá para cá vem aturando um bando de bêbados chatos:

– Se deram o título até para a Rosane Collor, porque não dão para o Armando, que é um pouquinho mais inteligente? – cobra Francisco Cruz.

O maior pepino para a diretoria da BICA resolver foi a questão da segurança. O item passou a preocupar o Poliburo biqueiro depois da onda de assaltos que assolou a Banda da Calçada Alta, onde até a coroa do rei Momo desapareceu misteriosamente.

O secretário Klinger Costa já havia prometido que não ia liberar policiamento para “festa de comunista”, mas quando soube que o único comunista era um secretário de Estado, resolveu atender às prerrogativas e montou um esquema com 380 policiais do Batalhão de Choque, 99 duplas de Cosme & Damião, 106 policiais femininas e 52 Manduquinhas.

– Podem brincar tranqüilos. O único assalto que vai ter aqui é no preço da cerveja do Armando! – tranqüilizou o jornalista Deocleciano Souza, o “general da banda”.

Os biqueiros prometem bater o recorde de público em bandas de carnavais, que já é da própria BICA.


O criador e a criatura: Paulo Mamulengo e o boneco do Armando

Fazendo uma espécie de box na matéria de Mário Adolfo, o poeta Simão Pessoa escreveu o texto “O profano e o sagrado”, abordando a história da banda:

Localizado na Praça São Sebastião, em uma casa que pertence aos Padres Capuchinhos, da Igreja de São Sebastião, o Bar do Armando é a tradução perfeita daqueles mistérios gozosos tacitamente equilibrados entre o sagrado e o profano.

De março a novembro, o bar se transforma em ponto de encontro permanente de boêmios, escritores, poetas, músicos e artistas plásticos, servindo como palco de manifestações culturais.

De novembro a fevereiro, ele se entrega às luxúrias implícitas do reinado de Momo, onde as marchinhas carnavalescas e as tentações da carne sepultam qualquer possibilidade de conversa mais ou menos séria.

Nesse sábado, 14, a partir das 17h, quando a BICA (Banda Independente Confraria do Armando) desfilar pelas ruas do centro da cidade pela 11ª vez, a transição do profano para o sagrado se concretiza, iniciando um novo ciclo de elucubrações filosófico-etílico-existencialistas, que deve atingir seu ponto máximo de ebulição no próximo dai 28, data de aniversário do Armando. Até lá, tudo pode acontecer.

A cervejaria Antarctica, que está financiando o desfile, vai construir dosi camarotes para seus convidados.

A BICA também vai ter um camarote exclusivo para a diretoria com direito a bufê regional, mâitre e garçons.

A banda foi fundada no início de 1987 e tinha como único objetivo reviver o autêntico carnaval de rua que, na época, estava confinado na avenida Djalma Batista (ex-João Alfredo), no Vieralves.

O único cordão carnavalesco a agitar as ruas do centro da cidade, no sábado gordo, era a Banda do Mandy’s Bar, fundada cinco anos antes pelos boêmios Antenor Amazonas e Ademar Brito.

Por ter como local de concentração o bar do Hotel Amazonas, ponto de encontro de socialites, colunistas e emergentes, em geral, a Banda do Mandy’s Bar nunca conseguiu se transformar em uma manifestação genuinamente popular.

Seus frequentadores eram quase todos oriundos das classes sociais mais abastadas e, mesmo no auge da popularidade, a banda não conseguia empolgar mais de 2 mil foliões.

A BICA surgiu, assim, para ocupar essa faixa mais popular da manifestação e hoje seus desfiles, sempre realizados no sábado magro, arrastam, em média, mais de 10 mil pessoas.

Na reunião histórica de fundação da BICA estavam presentes os compositores Celito Chaves e Afonso Toscano, a engenheira civil Heloísa Chaves, o jornalista Deocleciano Souza, o advogado Francisco Cruz, o professor Mário Jorge Buriti e o músico Manuelzinho Batera.

Depois, dramaticamente, dada a urgência de levantar grana para colocar o bloco na rua, os demais frequentadores do bar assinaram o Livro de Ouro na condição de fundadores, entre eles, Mário Adolfo, Eduardo Gomes, Carlos Dias, Inácio Oliveira, Orlando Farias, Isaac Amorim, Jorge palheta, Arnaldo Garcez, Aldisio Filgueiras, Marco Gomes, Simão Pessoa, Amecy Souza, Rosendo Lima, Rogelio Casado, Nestor nascimento, Ary de Castro Filho, Felix valois, Jorge Álvaro, Jomar Fernandes, Sérgio Litaiff, Lino Chíxaro, José de Anchieta, José Luiz Klein, Américo Madrugada, Anselmo Chíxaro, Guto Rodrigues e Torrinho.

A primeira marchinha da banda era bastante ingênua: “Na Banda Independente Confraria do Armando/ Tá todo mundo dando/ Tá todo mundo dando/Dano alegria para esse pessoal/ Qu quer fazer o verdadeiro carnaval/ Não tem Baile de Gala/ Não tem Baile da Chica/ Vem entrar na BICA/ Vem entrar na BICA”.

Como rainha da banda foi escolhida a septuagenária Petronila. O porta-estandarte ficou com o bancário aposentado Cancela. A fantasia era uma cueca samba-canção.

O desfile pelas ruas do centro, entretanto, não conseguiu mobilizar mais de quinhentas pessoas, mas os organizadores consideraram um verdadeiro sucesso.

No ano seguinte, a BICA assumiu aquilo que é a sua principal característica até hoje: letra de marcha-enredo impregnada de ironia cáustica e dessacralização dos acontecimentos políticos, numa postura agressiva e provocadora. Deu certo.

Seu segundo desfile atraiu mais de 5 mil pessoas e, graças a essa fórmula, a banda se transformou na mais conhecida de Manaus, servindo de exemplo para outras bandas se organizarem, como a Bhaixa da Hégua, Calçada Alta, Lobão, Cavalo de Aço, Cinco Estrelas, Cuião Roxo e Ciuu-Cuiú.

Em 1995, a BICA protagonizou um episódio elucidativo para a liberdade de expressão garantida, em tese, pela constituição federal.

Ao ironizar as fraudes supostamente ocorridas nas eleições para o Governo do Estado, em 1994, a banda teve sua saída embargada pelo então presidente do TRE, desembargador Lafayette Vieira.

A sociedade se mobilizou em torno da banda, a mídia explorou o assunto à exaustão e, graças a negociações conduzidas peal OAB, o desembargador voltou atrás, permitindo o desfile da BICA.

O episódio atraiu para o desfile mais de 10 mil foliões, verdadeiro recorde de público, e foi destaque nos principais jornais do país.

Entre as inovações que a BICA introduziu no carnaval de rua estão as figuras dos “bonecos mamulengos”, armações de quase três metros de altura, retratando personalidades ligadas ao Bar do Armando, todas confeccionadas pelo artesão Paulo Mamulengo.

A primeira figura homenageada, obviamente, foi o comerciante Armando Soares. Depois vieram os bonecos da Petronila, musa da banda, da Celeste Pereira, uma artista cênica precocemente falecida, e do Frei Fulgêncio, pároco da Igreja de São Sebastião.

Para o desfile deste ano estão previstos os bonecos do Secretário de Justiça Felix valois, que é o tema do carnaval, e de dona Lourdes, mulher do Armando.

O Velho Comunista se Aliançou

Autores: Anthístenes Pinto, padre Nonato Pinheiro e Silvério Tundis
Médium: Celito Chaves

Sem lari lari e nem com muita grana
Vendo meu voto pra esse teu papo aranha
Porque a Lourdes disse o Armando confirmou
Que o velho comunista se aliançou
E hoje vai brincar na BICA
Com quem sempre criticou

Ele é o demônio, parece o diabo,
Só está faltando a zagaia e o rabo!
Quem vai dar?... Quem vai dar?...
Uma zagaia e o rabo pro Valois (bis)

Manaus terra boa e hospitaleira
De dia falta água e a luz a noite inteira
A Eletrocorte é a culpada do balanço
Se de dia molho o bico e à noite afogo o ganso
É caso de policia e até de detenção
Mas a chave da cadeia está no bolso do Chicão

Mas pra isso mudar, ô seu Jomar,
O Simonetti apontou a solução
Pedindo à comissão que faz concurso pra juiz
Vetar apadrinhado de cola na mão.


Jomar Fernandes e Afonso Toscano regendo a banda Demônios da Tasmânia

No domingo, 15 de fevereiro, o jornal A Crítica publicou a seguinte matéria:

Sempre irreverente e destacando a sátira política em seus enredos, a Banda Independente Confraria do Armando, a BICA, explorou este ano a aliança do “velho comunista”, numa referência ao biqueiro histórico Félix Valois, militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) – hoje PPS –, que se “aliançou” ao governador Amazonino Mendes (PFL) ao aceitar o cargo de secretário estadual de Justiça e Cidadania.

Mas na avaliação de um dos organizadores da banda, o jornalista Orlando Farias, este ano a BICA acabou se institucionalizando e fazendo uma homenagem ao próprio governador.

– Por isso um grupo de biqueiros históricos criou um subtema negando a aliança como forma de resistência e para manter a tradição da banda que é ironizar os problemas da cidade e criticar com bom humor os políticos do Estado! –, explicou.

Por conta dessa dissidência, a banda saiu com duas camisas. Uma exibe o tema “A BICA comunistou”, com a charge mostrando Valois sendo cooptado pelo governo.

A outra, assinada pelo grupo da resistência, declara “Eu não me aliancei”.

Da BICA participam políticos como o ex-vereador Serafim Corrêa (PSB), que será candidato ao governo estadual pela Frente Ampla de Oposição.

O Bar do Armando também é freqüentado por jornalistas, advogados, artistas e boêmios.


Petronila recebe Felix Valois, o novo boneco da presepada

No mesmo domingo, 15 de fevereiro, a coluna “Aduana”, de A Crítica, publicou a seguinte nota, ou melhor, o seguinte puxão de orelha:

Impróprio:

A Banda da BICA pisou na bola no mesmo dia em que foi sancionada a lei ambiental brasileira – que inclui um importantíssimo artigo sobre poluição sonora. Na última quinta-feira, depois da pré-folia organizada na base da Praça São Sebastião, um trio elétrico percorreu várias ruas do centro antigo da cidade, incomodando meio mundo. O horário da atitude politicamente incorreta: 1h da manhã de sexta.


Dr. Santana, Rui de Carvalho, Conceição, Celito, Heloísa Chaves, Simão Pessoa, Flávio Lauria, Humberto Amorim e Felix Valois

Na terça-feira, 17 de fevereiro, o jornalista Mário Adolfo publicou no Amazonas em Tempo a seguinte matéria:

Um carnaval bem-humorado, democrático, sem violência e que reuniu perto de 35 mil pessoas. Esta poderia ser a síntese do desfile da Banda Independente Confraria do Armando (BICA), realizado sábado passado na Praça São Sebastião, reduto dos boêmios do Bar do Armando, que há 11 anos fundaram a banda mais irreverente de Manaus. O desfile estava programado para as 18h30, mas a partir do meio-dia o movimento já era intenso.

A fórmula de sucesso da BICA foi repetida mais uma vez. Polemizar para atrair a curiosidade dos foliões. Esta foi a idéia ao lançar o enredo “O Velho Comunista se Aliançou”, uma sátira à decisão do advogado Félix Valois de se aliar ao governador Amazonino Mendes, a quem fez oposição ferrenha através de artigos de jornais e nos palanques da política baré.

O próprio Valois, freqüentador do Bar do Armando, aderiu ao espírito despojado da BICA e participou da festa no palanque da diretoria, construído na frente de uma residência ao lado do bar. O advogado estava de camisa pólo vermelha com a inscrição BICA 98 bordada em amarelo.

Como Valois é secretário de Justiça e Cidadania, que controla o presídio estadual, a diretoria da BICA mandou confeccionar roupas de presidiários com o número 171 (artigo sobre estelionato, segundo o Código Penal), com direito à touca de meliante e tudo mais.

Os convidados só tinham acesso ao camarote se estivessem com a camisa vermelha com a inscrição “convidado”, nas costas, e o símbolo do Partido Comunista no peito, uma referência ao partido do advogado Valois, comunista convicto desde criancinha.

O camarote, que tinha até tapete e segurança na porta, deu o que falar:

– Elitizaram a BICA! – protestavam antigos fundadores que também não concordaram com um enredo que incluísse o governador e mandaram confeccionar uma camisa onde se lia “Eu não me aliancei”.

O carnaval da BICA mais parecia um grande teatro de comédia.

Dentro do bar, era impossível se chegar ao balcão, já que centenas de foliões dançavam a marchinha ao som da banda Metal Soldado.

No Largo de São Sebastião, os brincantes não sabiam se dançavam ao som de sambas de enredo, puxados pela bateria do GRES Sem Compromisso, ou aderiam ao axé-music que saía do som de um trio elétrico.

– Mas isso é para todo mundo ficar doido mais rápido! – ironizou o presidente da banda, Jomar Fernandes.

Também não faltaram os tradicionais banhos de talco e maisena, prática dos antigos carnavais revivida pela BICA.

Em torno do desfile da banda, um arsenal de vendedores ambulantes fez a sua festa, demonstrando que a economia informal é a grande saída como solução para o desemprego.

Vendia-se de “churrasquinho de gato” ao prato de sopa, passando pela cerveja, caipirinha, refrigerantes e aluguel de banheiros. Um xixizinho estava custando R$ 0,50 nos bares da redondeza.

O momento de maior trabalheira aconteceu na saída da banda, quando o trio elétrico que comandaria a folia estacionou na descida da Rua 10 de Julho enquanto dezenas de biqueiros corriam atrás do presidente, Jomar Fernandes, e do autor da marcha-enredo, compositor Celito Chaves, que desapareceram da área. O carro só começou a se movimentar depois que os dois apareceram.

A noite caía rápido e o céu começava a fechar, anunciando pancadas de chuva, quando a BICA, comandada pela banda Metal Soldado, começou a desfilar, sendo seguida por parte da multidão, enquanto que o restante ficou brincando em frente ao bar.

O único trecho da marcha que o povão decorou foi o refrão: “Quem vai dar/ Quem vai dar/ Uma zagaia e o rabo pro Valois?”

Nos desencontros da saída, a diretoria se esqueceu de dar os comandos para os bonecos gigantes – que se tornou uma tradição da banda –, se posicionarem na frente do desfile.

O resultado é que, pela primeira vez na história da BICA, as figuras cômicas representando o dono do bar, Armando, o homenageado Félix Valois e a rainha, Petronila, de 85 anos, ficaram fora do desfile.

Uma pena porque a boneca de dona Lourdes, mulher do Armando, foi uma das grandes novidades da festa.


Afonso Toscano marcando de perto o percussionista Tião da Praia

No dia 18 de fevereiro, a coluna “Sim & Não”, de A Crítica, publicava a seguinte nota:

Eletronorte

Objeto de crítica no samba-enredo da BICA, a Eletronorte brindou essa banda da cidade, na festa no sábado último, com um estranho blecaute, exatamente quando maior era a concentração de público, no inicio da noite. Com a escuridão, grande parte dos foliões retirou-se da Praça São Sebastião. Por causa disso, a BICA realiza um novo carnaval na sexta-feira, como protesto contra a empresa.

Também no dia 18 de fevereiro, a coluna “Aduana” de A Crítica, publicou a seguinte nota:

Cisão

Foi “inaugurada”, no último sábado, a primeira dissidência da Banda da BICA. No comando, Lúcio Carril, o jornalista Orlando Farias e o juiz Jomar Fernandes. Slogan: Eu não me aliancei.


Uma multidão foi conferir a aliança de Felix Valois com o mau menino


Edu do Banjo e Manuel Batera no palco principal


O empresário Arnaldo Botelho colocando um enfeite em Davi Almeida


Mário Adolfo e o historiador Luiz Maximino Corrêa tomando todas







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