terça-feira, 19 de abril de 2011

Folclore dos Meninos do Morro (11)


As poderosas tias baianas do Morro

Em 1989, o barracão da Reino Unido, localizado na rua Duque de Caxias, estava passando por uma maré de azar incrível.

O carnavalesco Shangai, trazido a peso de ouro da Beija-Flor, de Nilópolis, estava quase entrando em surto psicótico: nenhum carro alegórico conseguia ser completado pela sua equipe.

Sempre alguma coisa quebrava na hora do teste.

Os diretores da escola – Adib Mamede, João Thomé, Zé Picanço e Bosco Saraiva – fizeram uma reunião de emergência.

Se o enredo “Axé Mãe Preta” prestava uma homenagem aos orixás, por que diabos eles não estavam colaborando?

Uma das baianas da escola, dona Apia, mãe do Mestre Calama e mãe-de-santo poderosa, matou a charada.

Alguns diretores estavam muito “carregados” e “amarrados”, por conta das “más companhias”, e precisavam urgentemente tomar um banho de “descarrego”, para desfazer a “amarração”.

As suspeitas recaíam sobre Adib Mamede (que todo sábado costumava colocar 25 ninfetas peladas na piscina de sua casa na Vila da Prata enquanto decidia qual ia abater primeiro) e João Thomé (que por ser deputado federal era obrigado a atender trambiqueiros de vários calibres).

Os outros dois aceitaram participar da cerimônia por solidariedade.

Dona Apia era uma devota mãe-de-santo de Umbanda, da linha de Ogum.

As práticas existentes dentro dos terreiros de Umbanda variam muito.

Alguns demonstram uma ligação mais forte com o Espiritismo, outros se aproximam mais do Candomblé.

Em comum, têm a força dos rituais, denominados “giras”, santo entoam cânticos e dançam ao som dos atabaques.

As cerimônias geralmente ocorrem à noite e se estendem madrugada adentro.

Os espíritos que “descem” incorporam-se nos fiéis que estão participando da “gira”.

Aqueles que “recebem” os espíritos são chamados de “cavalos”.

Durante a incorporação, o “cavalo” permanece inconsciente, e quem fala por meio dele é seu “guia”, ou seja, a entidade espiritual a ele associada.

Para auxiliar os cavalos, existem os cambonos, que ocupam papel relevante na hierarquia do terreiro.

Mas a posição mais elevada cabe à mãe ou ao pai-de-santo, que é a pessoa responsável pelos trabalhos espirituais.

No dia combinado para a cerimônia, dona Apia incorporou um Preto Velho da falange de Ogum Beira-Mar (a linha de Ogum Beira-Mar é o cruzamente da linha de Ogum com a de Iemanjá), que foi logo obrigando os quatro diretores a ficarem pelados.

Apesar de ser uma cerimônia fechada e só estarem eles e a mãe-de-santo no local, foi um constrangimento geral.

Mas era passar por aquilo ou perder o carnaval daquele ano.

Nus em pelo, cada um deles foi posicionado em um círculo de pólvora e recebeu uma pequena cabaça contendo, além de sangue de um bode recém-sacrificado, duas doses de cachaça Velho Barreiro.

Foram instruídos a ingerir a mistura sem vomitar, para não desagradar o Exu Tranca Ruas, responsável por “desfazer” o trabalho.

O Preto Velho fez uma bênção nos rapazes com folhas de arruda, orou na cabeça de cada um deles e se despediu.

O Exu Tranca Ruas incorporou na mãe-de-santo para continuar a cerimônia.

Depois de ingerirem a mistura de sangue de bode com cachaça, cada um deles recebeu um alguidar contendo água de cheiro e ervas medicinais.

Assim que o círculo de pólvora começasse a arder, deveriam derramar o “banho” sobre a cabeça e esfregar o corpo com as ervas, para ficarem “limpos”.

Dito isso, Exu acendeu os círculos de pólvora. Foi uma explosão medonha.

Terminada a parte mais complicada da cerimônia, Exu se despediu e fio substituído de novo pelo Preto Velho.

Ele parabenizou cada um “zifio” e se preparou para fazer o “alongamento dos orixás”, a cerimônia final para dar boa sorte ao grupo.

A coisa era simples.

O Preto Velho ficaria costa a costa com cada um deles, com ambos os braços entrelaçados.

O discípulo então se curvaria para a frente, como se estivesse cumprimentando o Orixá, suspendendo o Preto Velho sobre as próprias costas.

Depois, voltaria à posição inicial e o procedimento seria repetido pelo Preto Velho.

Com Adib Mamede, João Thomé e Zé Picanço, que eram magrinhos, não houve problemas, mas quando chegou a vez do Bosco Saraiva, que estava visivelmente acima do peso, a coisa complicou.

Bosco fez a saudação numa boa, levantando Dona Apia sobre suas costas na maior tranquilidade.

Quando chegou a vez do Preto Velho fazer o mesmo, o orixá não suportou o peso descomunal de Bosco sobre suas costas e os dois desabaram no chão.

Foi um corre-corre infernal.

Dona Apia quebrou um dos braços em duas partes e sofreu ferimentos graves nas duas pernas.

Bosco sofreu luxação da munheca e uma raladura nos dedos da mão direita, de aparecer os ossos.

Na queda, os dois derrubaram a garrafa de Velho Barreiro, que derramou o líquido e atingiu o círculo de pólvora, levantando uma língua de fogo avermelhada que começou a queimar o congar, um altar profusamente enfeitado com flores, velas acesas e colares de contas coloridas, que simbolizam os diferentes santos e orixás.

Imediatamente, Zé Picanço levou os dois para o hospital, dirigindo só de cueca, enquanto Adib Mamede e João Thomé apagavam o princípio de incêndio no terreiro.

O sacrifício não foi em vão.

Naquele mesmo ano a Reino Unido conquistou o título de campeã do carnaval amazonense recebendo nota dez em todos os quesitos.

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