domingo, 3 de abril de 2011

GRES Reino Unido da Liberdade - Carnaval 2006


Enredo: Meu Riacho... Se vida era, vida será!

Ao longo dos últimos trinta anos, a bacia hídrica de Manaus, no seu perímetro urbano, foi profundamente afetada por um intenso processo de ocupação desordenada de palafitas, decorrente do processo migratório do interior e de outros estados brasileiros desencadeado pela implantação da Zona Franca de Manaus.

Como conseqüência, igarapés e cursos d’água foram poluídos, assoreados e obstruídos tanto pela derrubada da vegetação ciliar quanto pela grande quantidade de lixo descartada em seus leitos.

Em 1980, a população de Manaus atingiu 635 mil habitantes (crescimento populacional de 8% ao ano) – tendo como impulsionadores do desenvolvimento um parque industrial moderno e um comércio especializado em produtos de alto consumo.

O acelerado processo de ocupação do solo resultou na desarticulação da malha viária urbana, na ocupação imprópria dos igarapés, na especulação imobiliária e na deficiência dos serviços e equipamentos sociais básicos.

Em 1990, Manaus passou a contar com 1 milhão e 100 mil habitantes com um incremento populacional de 6% ao ano. A média de crescimento demográfico caiu em relação a cada ano de 80 em decorrência da retração econômica imposta pelo Governo Federal.


As invasões e as ocupações das margens dos igarapés se intensifocaram, agravando a situação existente na Zona Sul, exatamente na área de contribuição da bacia de Educandos, formada pelos igarapés do Quarenta, da Cachoeirinha e do Mestre Chico.

Em todo o município, a extensão dos igarapés principais alcança aproximadamente 70 km, sem qualquer saneamento básico abrigando, em razão do significativo déficit social, cerca de 400 mil habitantes.

Manaus, hoje, tem cerca de 1,9 milhões de habitantes e necessita, para obras infra-estruturais e equipamentos urbanos, recursos da ordem de 500 milhões de dólares – um projeto com horizonte de 12 anos.

Os danos ambientais provocados por tal situação não se restringem aos aspectos qualitativos dos recursos naturais de água e da saúde orgânica da população.


A ocupação inadequada das margens dos igarapés favorece a instalação de processos erosivos, que colocam em risco a integridade física dos habitantes destas áreas e propiciam alterações no regime de escoamento da água, culminando com a geração de áreas alagadas, que agravam as condições ambientais e sociais, a devastação ambiental e causa o efeito da pobreza ou exclusão social.

Um detalhado estudo feito pelo governo do Estado mostrou que a pior situação estava localizada na bacia de Educandos, onde se agrava a densidade populacional e a degradação ambiental.

Do ponto de vista dos interesses das famílias, a concentração e crescimento populacional às margens dos igarapés se justificam pela facilidade de acesso ao transporte coletivo, trabalho, escola, comércio e outros indicadores sócio-ambientais.


Por iniciativa do ex-vereador Bosco Saraiva, na época Secretário Estadual de Infra-estrutura, a bacia de Educandos foi escolhida como projeto-piloto do Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus (Prosamim), que prevê a recuperação das margens e nascentes dos mananciais, redução dos efeitos das enchentes a partir da drenagem e desobstrução dos igarapés, e urbanização das margens e entorno, com a implantação de áreas verdes e estruturas de recreação de lazer.


Localizado no olho do furacão (o Morro da Liberdade está separado do bairro da Cachoeirinha pelo igarapé do Quarenta), o GRES Reino Unido resolveu contar na avenida a história desse importante processo de revitalização de nossos cursos d’água naturais, a partir do enredo “Meu riacho... Se vida era, vida será!”, sugestão do presidente Jairo Beira-mar, que foi acatada por todos.

– A recuperação dos igarapés de Manaus sempre foi minha bandeira de luta na vida pública –, explica Bosco Saraiva, presidente de honra da escola. “E, depois de lutar tanto, perceber que a luta valeu a pena, que o sonho está começando a se transformar em realidade, sinceramente, é algo que me emociona”.

Coube ao carnavalesco Hélerson Maia dar forma a esse sonho de renascimento, com fantasias criativas e de intenso colorido, nas cores verde, branco e amarelo.

Com uma equipe de 16 profissionais, entre costureiras, aderecistas e bordadeiras, trabalhando em seu ateliê, o carnavalesco foi buscar inspiração nos afrescos da Capela Sistina, no Vaticano, para elaborar o desfile da escola.


– Eu estava folheando um livro de artes quando vi a reprodução do afresco “A Criação de Adão”, pintado por Michelangelo Buonarroti por volta de 1511, que figura no teto da Capela Sistina –, relembra Maia. “A cena representa um episódio do Livro do Gênesis no qual Deus cria o primeiro homem, Adão. Aí deu um click: fazer uma metáfora da história do igarapé do Quarenta, a partir do início da criação!”

Com as idéias fervilhando, Hélerson Maia desenhou os cincos carros alegóricos que seriam o esqueleto do enredo: o primeiro, simbolizando o poder da criação, para representar o nascimento do igarapé do Quarenta.


O segundo, simbolizando o Jardim do Éden, resgatava os primeiros anos da comunidade do Morro da Liberdade, que florescia às margens do igarapé.

O terceiro, denunciaria a degradação ambiental que vitimou o riacho.

O quarto mostraria o processo de revitalização do igarapé iniciado pelo Prosamim.


E, finalmente, o último, seria uma apoteose do programa “Belo Morro”, que ficaria ainda mais belo com o renascimento do igarapé.

Com a idéia central esboçada, o carnavalesco não teve muita dificuldade para desenhar as fantasias das 28 alas, como “Aves do Riacho”, “Chico Bolseiro”, “Guerreiras Divinas”, “Assombração”, “A Serpente” e “O Milagre”, entre outras.

Em comum, o acabamento minucioso e uma beleza plástica de causar arrebatamento. “Foi-me dada total liberdade de criação e recursos suficientes para realizar o melhor carnaval de nossa história”, garantia Maia.

Depois de quatro eliminatórias e concorrendo com cobras criadas como Ivan Mendonça, Mauricio, J. Varela, Fábio Soldado, Iomar (“Japonês”), Aldo Nery, Otacílio Neto, Jéferson Santos (“Polegar”), Pierre, China, Magno, Caby, Marcondes, Miguel Zamba, Márcio Ruy e Flavinho, o engenheiro e compositor Carlos Alberto, o “Carlão”, foi o vencedor do samba-enredo.

Samba-enredo: Meu riacho... se vida era, vida será!

Autor: Carlão

Intérprete: Wilsinho de Cima

Clareou... Riscou o céu a estrela guia.
Anunciou a mão divina, um novo dia.
O criador toca o chão
As águas em formação
A fauna e flora em sintonia
De uma nascente a fluir...
Vi meu caminho surgir
Na terra do guerreiro bem-te-vi
E luta o bem contra o mal.
Medo de assombração...
De suas lenas e mistérios, eu fiz canção...
Igarapé... Meu lugar
Sou trovador... Teu luar
Nas pedras do quarenta me encantar
Oh! Meu riacho...
Que sustenta nossa gente.
Foi meu brinquedo,
E ainda te guardo na mente.
A evolução trouxe o mal
Palafita é a chama da degradação
E o tal progresso fez chorar o meu riacho
Com lágrimas escuras da poluição
E então... Sob o som da batucada
No morro uma tribo cresceu... Abençoada
Avante meninos... Gigantes divinos...
Na arte de lutar... E vem pra avenida
Pra dizer que seu riacho...
Se vida era... Vida será.
Muito feliz estou...
A vida renasceu do amor.
O Reino Unido respira
O vento verde da vida.
Salve os meninos
Que o Morro criou...


A escola de samba realizou uma série de ensaios técnicos pelas ruas do bairro para se preparar para o grande dia.

Os brincantes estavam cada vez mais convencidos de que naquele ano não ia ter pra ninguém.

A Reino Unido foi a terceira escola do Grupo Especial a desfilar, entrando no Sambódromo às 23h30 de sábado.

Com 4 mil brincantes, distribuídos em 28 alas, 5 carros alegóricos, 300 ritmistas e 79 destaques, a escola já entrou arrepiando, com o puxador Wilsinho de Cima fazendo valer seu apelido de “gogó de ouro”.

A beleza, a criatividade e a qualidade no acabamento das alegorias e fantasias fizeram justiça à tradição da agremiação, que voltava com força total para se reposicionar entre as principais escolas de samba do carnaval amazonense.

Pouco antes do desfile começar, o presidente de honra, Bosco Saraiva, estava um pouco apreensivo, mas confiante:

– Os últimos dois anos foram terríveis para nossa escola. Foram os piores anos da história da nossa querida Reino Unido, em todos os sentidos. Destruíram tudo, tudo. Só não acabaram com o nome porque a Reino Unido é uma jóia da cidade de Manaus! –, desabafou. “Aí, o Jairo venceu a eleição, juntamente com o pessoal que tem amor de verdade pela escola de samba e pelo Morro. Estamos reconstruindo tudo, do zero. Primeiro foi a quadra de ensaios, que ficou linda. Depois, o crédito, o conceito, o samba do sábado, a restauração da alegria. Agora, virá um grande carnaval, feito por gente séria e profissional, pois o enredo sobre o igarapé do Quarenta e nossa luta para salvá-lo são maravilhosos. Se houver justiça no julgamento, a Reino Unido será campeã!”

A Comissão de Frente da Reino Unido, exibindo uma espetacular coreografia, representava a origem do mundo, das raças, das culturas e das estações do ano.


Logo em seguida, vinha o casal de Mestre-sala e Porta-bandeira que, aliás, foi protagonista de um episódio lamentável no belíssimo desfile da escola: bem na frente de um dos jurados, a Porta-bandeira perdeu o equilíbrio e caiu.

Ágil, ela levantou-se rapidamente e continuou a bailar, como se nada tivesse acontecido.

O imponente carro abre-alas “Mão divina... poder da criação” trazia esculpida uma reprodução da obra “A Criação de Adão”, de Michelangelo, em que Deus toca com o dedo indicador em Adão.

O que também chamava atenção no carro eram as cadeias de DNA, feitas em néon, que giravam alucinadamente, provocando um efeito deslumbrante.

O segundo carro, bastante colorido, trazia borboletas, garças e araras, representando a fauna e a flora existente no entorno do antigo igarapé. Na parte superior do carro, estavam quatro cabeças giratórias representando as quatro raças (o branco, o negro, o índio e o amarelo).

Uma ala sincronizada, com lavadeiras estilizadas, lembrava o uso que costumávamos fazer de nossos igarapés.

O terceiro carro, representando a poluição e a degradação ambiental, trazia chaminés de fábricas e uma legião de abutres (isso mesmo: não eram urubus, eram abutres!).

O quarto carro tinha um Teatro Amazonas estilizado, para simbolizar o renascimento do igarapé do Quarenta como uma conquista cultural, e o quinto carro, intitulado “Belo Morro”, fazia alusão à iniciativa da escola de pintar de verde e branco as casas das proximidades de sua quadra.


Trocando em miúdos, a Reino Unido exibiu um lindo desfile, consagrando o carnavalesco Hélerson Maia.

Mas nessa noite, a bruxa estava solta no Sambódromo.

Por volta das 2h40 de domingo, quando o GRES A Grande Família se preparava para desfilar, a Vitória Régia começou a retirar seus carros alegóricos do barracão para posicionar na área de concentração, atrás dos carros da Aparecida.

Infelizmente, o último carro da escola se chocou com um fio de alta tensão, provocando a morte instantânea de José Roberto Matos Piedade, 41, diretor de Harmonia, e ferimentos em outras três pessoas, mas sem gravidade.

O acidente provocou a queda de energia em todo o Sambódromo, deixando no escuro um público de mais de 250 mil pessoas, segundo estimativas da Polícia Militar.

O trágico acidente não causou apenas desconforto à Grande Família, que desfilou no escuro, mas provocou muitas lágrimas e dores nos brincantes da Vitória Régia, principalmente no presidente Darlan Braga, que chorou copiosamente pela morte do amigo.

Numa atitude corajosa e de profundo respeito pelo público presente ao Sambódromo, a Vitória Régia resolveu desfilar, apesar da fatalidade, como uma forma de homenagear pela última vez o diretor de Harmonia vitimado.

“Ele, com certeza, está torcendo pela gente, e gostaria que a gente desfilasse”, dizia Darlan, entre lágrimas.

A energia elétrica só voltou a iluminar o Sambódromo quando a Aparecida começou a desfilar.

Por causa do acidente fatal, sete dos oitos presidentes das escolas do Grupo Especial decidiram não abrir os envelopes com as notas dadas pelos jurados oficiais – já que A Grande Família tinha sido a grande prejudicada – e declarar todas as escolas campeãs.


O presidente da Reino Unido, Jairo Beira-mar foi o único que votou contra, exigindo que a apuração das notas fosse realizada, mas foi voto vencido.

A Associação dos Moradores do Morro da Liberdade entrou com um mandado de segurança contra a decisão da Ageesma e o caso foi parar na Justiça.

Duas semanas depois do desfile, foi encontrada uma solução salomônica: o GRES A Grande Família seria considerado campeão “hors concours” (“fora de competição”) e as demais escolas teriam suas notas apuradas.

Numa disputa eletrizante, item por item, a Aparecida sagrou-se campeã, com 179,6 pontos, ficando a Reino Unido em segundo lugar, com 179,3. Em terceiro, ficou a Vitória Régia com 175 pontos.


A derrota por apenas três décimos calou fundo no peito dos meninos do Morro. Mas eles resolveram dar a volta por cima.

Em junho, a Reino Unido fez uma festa especial na quadra da escola para comemorar os dez anos do Pagode da Resistência.


A festa foi animada pelo grupo da casa, Resistência do Samba, e teve como grande atração o cantor Reinaldo, considerado o “Príncipe do Pagode”, que foi acompanhado pela bateria da escola.

Os shows de abertura ficaram a cargo dos grupos Embalasamba e Kisamba.

O Pagode da Resistência, que acontece todos os sábados, sempre a partir das 19h, é considerado pelos sambistas da cidade como o ponto de encontro dos bambas de Manaus.

Sua fama já extrapolou as fronteiras locais, sendo conhecido por muitos artistas do eixo Rio-São Paulo, que, em suas apresentações na cidade, aproveitaram para conhecer o local.

A escolha do cantor Reinaldo para abrilhantar uma década de sucesso da roda de samba não ocorreu por acaso.


Reinaldo nasceu na zona norte carioca, no bairro de Cavalcante, filho caçula de Oscar e Olinda Zacarias, participantes ativos da comunidade local, onde dividiam seu tempo entre a criação dos três filhos, a luta pelo ganha pão e a direção da escola de samba “Em Cima da Hora”, escola na qual Reinaldo deu seus primeiros passos no mundo do samba.

Sua história musical começou com a criação do grupo “O samba nosso de cada dia”, formado para alegrar festinhas familiares no bairro, mas que logo tomou um contexto mais profissional, pois passou a acompanhar artistas renomados do mundo do samba como Dona Ivone Lara, João Nogueira e Roberto Ribeiro, entre outros.

Além de Reinaldo, o grupo revelou também o excelente baterista Ademir Batera, do grupo Fundo de Quintal.

Assíduo freqüentador das rodas de sambas cariocas, como o Pagode do Arlindo, Pagode da Beira Rio, Pagode da Tia Doca, Pagode do Renan e o grande berço de sambistas que foi o Pagode do Cacique de Ramos, Reinaldo foi a cada dia apurando seu gosto musical e lapidando sua voz rouca e aveludada, voz essa que somada a sua maneira de interpretar, lhe concedeu destaque e respeito dentre seus amigos e colegas do mundo do samba.

Por indicação de Neoci, um dos fundadores do Fundo de Quintal, ele foi contratado pela gravadora Continental.

Seu primeiro álbum,“Retrato cantado de um amor”, levou o artista ao reconhecimento nacional e lhe rendeu o título de “Príncipe do Pagode”.

Ele foi o primeiro de uma série de álbuns, que têm como prioridade a presença de grandes músicos, excelentes compositores, produtores e arranjadores, além de participações especiais que já entraram para a história da música popular brasileira.


Além de Reinaldo, outros artistas renomados já visitaram o Pagode da Resistência, entre eles Jorge Aragão, Paulo César Pinheiro e músicos do Fundo de Quintal, que, inclusive, lembram do Morro da Liberdade na faixa “Quantos Morros Já Subi”, gravado pelo Cacique de Ramos.

Atualmente, o Pagode da Resistência é freqüentado por mais de seis mil sambistas e deixou de ser somente entretenimento musical.

O evento representa um importante fator de inclusão social para a comunidade do Morro por meio da geração de emprego e renda para mais de 60 profissionais, entre músicos, cinegrafistas, operadores de telões, operador de som, operador de iluminação, seguranças e pessoal de apoio.

O pagode também gera oportunidade de trabalho para mais de 40 vendedores ambulantes.

No primeiro sábado de cada mês, a diretora do Reino Unido da Liberdade sorteia um rancho no valor de um salário mínimo aos trabalhadores ambulantes do local.

2 comentários:

  1. Olá!
    Onde posso conseguir essa música?
    Gostaria de um arquivo para baixar ou ouvir online
    Obrigada

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  2. Parabéns pelo blog! Muito informativa a sua matéria sobre essa grande escola de samba que é a Reino, :)

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