terça-feira, 5 de abril de 2011

GRES Reino Unido da Liberdade - Carnaval 1993


Enredo: Doce Vida

Em setembro de 1992 produziu-se neste país um dos mais surpreendentes desfechos para uma crise política que tudo indicava se encaminhar, como de costume, ou para mais uma ruptura da institucionalidade, ou, menos dramaticamente, para a manutenção no poder, até seu termo legal, de um governo em decomposição, sem credibilidade e, portanto, impotente, diante de dificuldades que já se interpretavam como igualmente crônicas e insolúveis.

Quando, em 29 de setembro daquele já distante ano de 1992, sem golpe, sem interferência militar, os brasileiros acompanharam via tevê e rádio, ao vivo, a deposição legal do presidente Fernando Collor de Mello, em sessão extraordinária do Congresso Nacional, encerrava-se de modo inusitado o primeiro governo civil e diretamente eleito após o Regime Militar, ao mesmo tempo em que se abria uma nova era para a política brasileira, da qual ainda hoje mal podemos visualizar e caracterizar os traços principais.

Como foi possível? Como, em pouco mais de dois anos, se viu um país mobilizar-se pela eleição de um candidato e dele se livrar sem qualquer alteração nas regras do jogo democrático?

Não é possível se compreender a queda de Collor e sua deposição sem fazer referência ao modo com que ascendeu meteoricamente ao poder.

Prefeito nomeado de Maceió, nos anos finais do regime militar, deputado federal pela legenda do Partido Democrático Social (PDS), Fernando Collor de Mello descende de rica e poderosa família de políticos e empresários, sendo filho de Arnon de Mello, governador e senador por Alagoas nas décadas de 1950 a 1960, e neto de Lindolfo Collor, primeiro ministro do Trabalho do Governo Provisório instalado após a Revolução de 1930.

Eleito governador de Alagoas, em 1986, pela legenda do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), o jovem político implantou desde a posse um estilo de governo marcado pela polêmica e pela produção de fatos de interesse jornalístico que lhe permitiram, em pouco tempo, tornar-se conhecido e admirado em todo o território nacional, a despeito da diminuta importância política de seu estado.


Meses após o início de seu mandato em Alagoas, Collor já era matéria de capa nos principais jornais e revistas de circulação nacional - e em breve também na tevê - encarnando a personagem do “caçador de marajás”, cuja bandeira política principal era o saneamento e a moralização da administração pública.

Rompido - espetacularmente - com o PMDB por força da transigência com que este partido, majoritário na Assembléia Nacional Constituinte, cedera às pressões do então presidente José Sarney para a fixação na Carta de 1988 do mandato de cinco anos para a presidência da República, Collor lançou-se candidato ao cargo na primeira eleição direta, pós-regime militar, pela legenda do obscuro Partido da Juventude (PJ), logo rebatizado de Partido da Reconstrução Nacional (PRN).

Ao iniciar-se a campanha de 1989, o candidato do PRN coligou-se a outras legendas desconhecidas, utilizando habilmente, porém, os programas eleitorais destas agremiações para tornar famosa em todo o país a sua jovial e decidida figura de combatente da moralidade.

Assumindo a liderança das pesquisas de intenção de voto em abril daquele ano, Collor transformou-se num fenômeno eleitoral e venceu a disputa, derrotando no segundo turno o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), Luís Inácio Lula da Silva.

Ao assumir, o “caçador de marajás” pôs em funcionamento um ousado e polêmico plano de estabilização, o Plano Collor I, voltado ao combate imediato de uma inflação que atingia então a cifra de 80% ao mês.

A despeito do impacto do Plano – que entre outras medidas, confiscou a poupança dos brasileiros e limitou os saques aos bancos –, Collor obteve grande apoio junto à sociedade e ao Congresso Nacional para implementar sua política econômica, que envolvia ainda toda uma agenda de reforma administrativa e privatizações.

O entusiasmo inicial com que se recebeu tanto o vigoroso presidente – flagrado quase que diariamente, nas primeiras semanas depois da posse, em atividades esportivas e espetaculares –, quanto o seu programa de governo – calcado num receituário neoliberal que, a rigor, vinha sendo divulgado sistematicamente pela mídia há pelo menos um ano –, refluiu em pouco tempo, uma vez que não apenas a inflação não se deixou abater, como a profunda e desorganizada intervenção do governo jogou a economia na recessão e confundiu a administração.


O começo do fim da Era Collor, porém, deu-se rapidamente, justamente na marca dos primeiros cem dias de governo, quando surgiu a primeira denúncia de tráfico de influências envolvendo Paulo César Farias, o PC, tesoureiro da campanha de Collor à presidência.

A denúncia inicial comprovou ser apenas a ponta de um iceberg que foi se tornando paulatinamente visível, semana a semana, numa série praticamente ininterrupta de revelações que não apenas minaram por completo a já de origem frágil base de apoio parlamentar do presidente, mas acima de tudo corroeram a imagem de campeão da moralidade que conduzira Collor ao poder.

O ápice desse processo de corrosão se deu em maio de 1992 – pouco mais de dois anos após a posse –, quando o próprio irmão do presidente, Pedro Collor, deu entrevista à revista Veja acusando PC de comandar um esquema de grande corrupção, com a conivência do primeiro mandatário da República.

Seguiu-se então um processo de investigação em que o Congresso, de um lado, através de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, a chamada CPI do PC, e de outro, de modo tão ou mais decisivo, a mídia, mobilizaram a opinião pública nacional em prol da apuração completa dos fatos e responsabilidades.


Comprovado o esquema de corrupção e o envolvimento do presidente, a CPI apresentou seu relatório ao país e entidades da sociedade civil – lideradas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI) – deram entrada no pedido de impeachment do presidente, o que levou a Câmara dos Deputados a afastar Collor do poder, em 29 de setembro.

Três meses depois, antes de ser julgado e impedido definitivamente pelo Senado Federal, Collor renunciou. Mesmo assim teve seus direitos políticos cassados por oito anos. O vice-presidente Itamar Franco assumiu em definitivo o cargo e completou o mandato restante.

Enquanto Collor deixava o Palácio da Alvorada, em Brasília, pelas portas do fundo e viajava para Maceió, onde teria todo o tempo do mundo para lamber as feridas, aqui em Manaus a bruxa também estava solta.

Alegando motivos particulares, o presidente Luiz Carlos Haddad e sua diretoria entregavam uma carta coletiva de renúncia em caráter irrevogável e se afastavam da escola.

Em regime de urgência urgentíssima, o sócio-proprietário Ismar Machado assume a Presidência da Reino Unido, para um mandato-tampão até a próxima eleição, e com a difícil incumbência de realizar o próximo carnaval.

Movido pelo imenso amor que tinha pela Reino Unido, o presidente interino assume o desafio com o propósito de resgatar o lado social da escola, tentando viabilizar vários projetos sociais e injetar mais otimismo nas atividades da agremiação.

Em meio ao vendaval político, que anunciava um quadro social e econômico realmente amargo, os meninos do Morro decidem se mover na direção contrária e apresentam seu enredo para o carnaval de 1993.

O tema escolhido, “Doce Vida”, foi sugerido por Bosco Saraiva, que acabara de se eleger vereador de Manaus pelo PSB.

A idéia central do tema era fazer uma viagem pelas ilusões de um povo, que apesar de sua doce passividade diante dos amargos problemas enfrentados diariamente, nutria a esperança nunca abandonada de viver melhores dias.

Nesta viagem imaginária, cujo itinerário possível seria decifrado pela poesia, o doce toma acento e nos transporta para a celebração da própria vida. Se a vaca estava indo mesmo para o brejo, não custava lambuzar de mel a danada.

O carnavalesco Chico Cardoso foi encarregado de desenvolver o enredo.


O compositor Paulo Onça e Zé Picanço

Tendo como carro-chefe um vibrante samba, de autoria de Chocolate e Paulo Onça, gravado no Rio de Janeiro pelo inesquecível puxador carioca Carlinhos de Pilares, que inclusive cantou o samba na avenida, tendo sido ajudado nos vocais de apoio pelos puxadores oficiais da Reino Unido, Tati do Reino, Rock, Almerom, Belel e Arnoldo Cabral, o GRES Reino Unido estava preparado, mais uma vez, para brilhar na avenida e levantar a torcida nas arquibancadas.

Samba-enredo: Doce Vida

Compositores: Chocolate e Paulo Onça

Intérprete: Carlinhos de Pilares

Amor, meu amor
A minha vida hoje eu adocei
E um Morro bem docinho
É um presente que te entregarei
Hoje, o rei mandou
Que a água doce deslizasse por aqui
E que o açúcar refinado
Fosse ao samba, mel misturado
Anjinho açucarado, Oh! que sabor,
Ah! como é doce um beijo de amor
Olha tem doce de côco
Doce de leite, tem bom-bom que vem do mel
A casa é doce lar
E como é doce amar
Na sinfonia de um doce cantar
Linda morena dos lábios de mel
Seu beijo é doce, me levou ao céu
Espelho, espelho meu
Será que existe alguém mais belo do que eu?
Espelho, espelho meu
Há nesse mundo um Reino mais doce que o meu?

O compositor Jorge Halen explicou que o enredo da escola não pretendia demonstrar ironicamente o lado amargo da vida, mas celebrar o doce em toda a sua essência.

O carnavalesco Chico Cardoso desenvolveu o tema em três fases: a criação do próprio doce a partir da cana de açúcar, a parte abstrata associada ao doce e à questão dos alimentos dietéticos.

“O sentimento representado pelo carinho, por exemplo, estava contido no lado abstrato, enquanto a concepção de uma vida sadia, onde o açúcar se apresenta como um inimigo nocivo, seria desenvolvido no lado diet do enredo”, disse Chocolate.

O incansável Nicéias Magalhães, mais uma vez, elogiou a participação da comunidade na confecção das fantasias e alegorias.

O trabalho em conjunto e com um grande número de voluntários, segundo ele, viabilizou a redução de custos para a escola.

A diretoria da Reino Unido calculou que foram gastos cerca de Cr$ 900 milhões para colocar a escola no Sambódromo, que ainda não estava pronto.

Agora, além da ferradura, havia dois novos lances de arquibancada.

As arquibancadas de madeira, anteriormente utilizadas na avenida Djalma Batista, foram de novos improvisadas no lugar, criando um novo problema para os carnavalescos.

Enquanto as arquibancadas de concreto possuíam 30m de altura, as de madeira possuíam apenas 5m.

O desnível entre as duas arquibancadas poderia prejudicar o desfile.


A Reino Unido foi a quarta escola a desfilar, levando 3.600 brincantes, distribuídos em 21 alas, e cinco carros alegóricos.

As primeiras alas lembravam o cultivo da cana de açúcar e os engenhos, onde se fabricavam o mel, a cachaça e o açúcar.

Em seguida vinham as alas que aludiam ao fato de o Amazonas possuir o maior manancial de água doce do planeta.

O desenvolvimento do enredo prosseguia mostrando a doçura dos sentimentos que envolvem as relações entre as pessoas.

Na seqüência, vinham as guloseimas que fazem a alegria de crianças e adultos nas festas tradicionais: doces, brigadeiros, pudins, bolos, quindins, “baba-de-moça”, e assim por diante.

Do doce servido nas festas, o enredo chegava mais uma vez ao sentimento humano, expresso pelo famoso “lar doce lar” existente nas casa das pessoas de bem.

O enredo também fazia uma alusão ao clássico filme “La Dolce Vita”, de Fellini.

A Reino Unido foi buscar na natureza amazônica uma outra parte desenvolvida no enredo, representada pelo doce cantar de nossos pássaros, como uirapuru, curió, gola, bigode, sanhaçu, pepira, bem-te-vi e tantos outros.

O encerramento do desfile apresentava os produtos diets disponíveis nas gôndolas de supermercados, sendo que o último carro alegórico era o “Carro do Espelho”, numa alegoria bem-humorada do lado estético e da vaidade do ser humano. Foi um desfile docemente exuberante.

Infelizmente, mais uma vez a Aparecida conquistou o título, obtendo dos jurados 99 pontos.

A Reino Unido e a Vitória Régia dividiram o vice-campeonato, empatadas com 94 pontos.


O compositor Chico da Silva sendo entrevistado por Ivan de Oliveira

Logo após o carnaval, a escola se organiza para uma nova eleição.

A escolha da nova diretoria ocorre em maio de 1993, numa bela manhã de domingo, quando concorrem duas chapas, uma da situação, encabeçada por Ivan de Oliveira e Nicéias Magalhães, e a outra de oposição.

No final daquela tarde, com a apuração dos votos, a chapa da situação é declarada vencedora.

E a Reino Unido começa a entrar em uma nova era de muitas conquistas e realizações.

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