terça-feira, 5 de abril de 2011

GRES Reino Unido da Liberdade - Carnaval 1992


Enredo: A Festa Continua

No começo de 1991, a Reino Unido escolhe a sua nova diretoria e o músico Luiz Carlos Haddad é aclamado como presidente da escola.

Os agitos na quadra de ensaios recomeçam a todo vapor.

Luiz Carlos lança o projeto “Sexta Musical”, que se transforma em sinônimo de quadra lotada.

O compositor e cantor Carlão é o primeiro artista a se apresentar no projeto, com um repertório calcado em MPB.

Depois dele, outros cantores também mostraram seu talento no novo espaço.

Os “Banhos de Samba”, que aconteciam na quadra nas tardes de domingo, são repaginados e se transformam no novo point dos sambistas da cidade.

Além dos puxadores de samba da escola, vários sambistas locais começam a marcar presença na quadra – Chico da Silva, Junior Rodrigues, do grupo Ases do Pagode, Paulo Onça, Mário Toledo e Cid Cabeça de Poeta, do grupo Pró-Álcool, Mestre Pinheiro, Edu do Banjo, Caio do Cavaco, Américo Madrugada e muitos outros.


Mário Toledo e Cid Cabeça de Poeta

Agora, os moradores do Morro da Liberdade tinham duas opções: curtir música popular brasileira nas sextas-feiras ou participar das rodas de samba e pagode no domingo.

Com o sucesso garantido na quadra, a diretoria inicia suas reuniões quase diárias com a comissão de carnaval, que era então presidida pelo empresário José das Graças Picanço, conhecido popularmente como “Zé Picanço”, visando a escolha do enredo.

Depois de analisarem um sem-número de sugestões, fica aprovada a proposta de Bosco Saraiva para contarem na avenida a história das festas mais tradicionais do país.

Surge o enredo “A Festa Continua”, capaz de traduzir a rica diversidade cultural de nosso povo.

A escolha do enredo foi bastante acertada.

Em geral, tanto as festas de massa como as de grupos menores são festas procissionais (feitas em regime de procissão), em que os valores, religiosos ou profanos, tornados signos e símbolos, desfilam pelas avenidas das cidades, na forma de andores, berlindas, alegorias, carros de som, seguidos pelos que festejam.


As procissões do Círio de Nazaré e do Divino Espírito Santo, o desfile das mães de santo na lavação da Igreja do Bonfim, os folguedos juninos de Caruaru, os desfiles de escolas de samba, afoxés, maracatus, caboclinhos e tantos outros que colocam a cultura nas ruas, revivendo a história do povo representada pelo próprio povo, são recorrentes nas festas brasileiras.

Além disso, das maiores às menores, todas as festas não apenas atualizam mitos, como revivem e colocam em cena a história do povo, contada sob seu ponto de vista.

Ela é, desde os primeiros tempos da colonização, um dos lugares ocupados pelo povo na história brasileira, talvez uma de suas primeiras conquistas reais, e nela o povo se vê e se representa em papéis ativos.

Desfilando pelas ruas a riqueza de suas relações com outros grupos, o privilégio de suas relações com todas as divindades que ouvem suas preces e lhe operam milagres, ele se reconhece e reafirma sua identidade cultural.


Da Bandeira do Divino, com seu imperador e súditos desfilando pelas ruas das pequenas cidades do Nordeste, ao monumental arrastão dos devotos segurando a corda presa no andor durante o Círio de Nazaré, em Belém, do colorido cortejo dos gigantescos mamulengos no carnaval de Olinda às procissões fluviais pelos rios da Amazônia em louvor a São Cristovão, o que está em cena é a vida do povo, sua história e seus anseios encenados na forma de alegorias, máscaras e fantasias.

Não é à toa que se diz que “no Brasil tudo acaba em festa”. Isto é compreensível, já que a festa pode comemorar acontecimentos, reviver tradições, criar novas formas de expressão, afirmar identidades, preencher espaços na vida dos grupos, dramatizar situações e afirmações populares.

Também pode ser o espaço de protestos (as passeatas e manifestações pelo impeachment do presidente Collor de Mello, nesse mesmo ano, eram imensas festas, com música, dança e companheirismo) ou da construção de uma cidadania “paralela”, de resistência à opressão cultural, social e econômica.

Além disso, sendo capaz de mediar diferentes valores, termos e sentidos, numa sociedade multicultural como a brasileira, a festa se revela como poderoso instrumento de interação, compreensão, expressão da diversidade, englobando-as e permitindo a todos se reconhecerem nela como um povo único.


Todas estas dimensões fazem, portanto, da festa brasileira, uma festa especial.

Não porque seja exclusiva do povo brasileiro, mas porque, no Brasil, adquire significados sociais, culturais e políticos específicos, sendo inegável a disposição permanente dos brasileiros para a festa.

Isto é percebido tanto pelos estrangeiros como pelos próprios brasileiros, conformando uma imagem social e uma auto-imagem em que a disposição para a festa constitui um traço marcante da identidade nacional. Era isso que o GRES Reino Unido estava disposto a mostrar na avenida.

A dupla formada Gilson Poeta e Almeron, dessa vez reforçada pelo músico Edu do Banjo, foi a vencedora na disputa do samba-enredo.


Edu do Banjo e Mestre Pinheiro

O celebrado Dominguinhos do Estácio gravou a música em um estúdio no Rio de Janeiro e, em pouco tempo, o samba começou a ser um dos mais executados nas rádios amazonenses.

Samba-enredo: A festa continua

Compositores: Gilson, Almeron e Edu do Banjo

Foram dias de escuridão
Os cavaleiros apagaram o sol e a lua
Terríveis pesadelos, gritos, pragas
E mesmo assim a festa continua
No meu Brasil
As flores vão bordando meu chão
É primavera, um violeiro entoa uma canção
Para um menino que é divino
Vem ouvir o meu cantar
Eu sou mais um peregrino
Vou soltando versos pelo ar
Grandes carnavais,
Meu povo brinca para esquecer a dor
Blocos e salões serpentinados
Pra lembrar do meu antigo amor
Tem mandinga no terreiro
Tem magia, tem axé
A quermesse na Bahia é a expressão de fé
Vou ao mar
Bom Senhor dos Navegantes
Oferecer meus sonhos
E embalar em maracatus galantes
Em Belém...
Eu, hoje não posso chorar
Só quero te ver sorrir
O Círio é a festa da Senhora Padroeira
A minha alegria está aqui
Meu norte, este povo tão sofrido
O folclore é a arte
A inspiração é a Reino Unido
Sêo Doutor me esqueceu
Na sua democracia
Olha o futuro sou eu
Sou a paz, sou a alegria!


O carnavalesco Shangai desenvolveu um belo enredo, em que mostrava a real história das forças da criação na arte popular, que, através dos tempos, vinham interferindo na formação da sociedade.

– Dentre todas as pesquisas e achados históricos, nos deparamos sempre com festejos, cantos, músicas e danças como formas de expressão popular e intercâmbio cultural entre conquistadores e conquistados, reunidos sob um mesmo padrão – explicava. “Nós, os brasileiros, conseguimos acolher, abraçar e mesmo absorver as mais variadas culturas, sagradas e profanas, que chegaram ao nosso país”.

Shangai acrescenta que o folclore se desenvolve de maneira aleatória no seio da sociedade, entre brancos, negros, índios e mestiços, influenciando todas as camadas, mesmo as mais eruditas, interpenetrando nas letras, nas artes, na cultura em geral e aproximando até regiões geograficamente distantes.

– Na música clássica, o nosso maestro maior, Heitor Vila-Lobos, soube conduzir com técnica, sentimento, sedução e originalidade as cirandas, bailados indígenas, danças e cantos negros e modinhas sertanejas. Djanira, Carybé, Genaro e tantos outros se celebrizaram nas artes plásticas apresentando motivos nativos do nordeste. Antonio Conselheiro, Mestre Vitalino, Padre Cícero são outras formas representativas desta expressão popular – enunciava.

E concluía: “Por este motivo é que agora estamos tecendo esse painel com cores vivas de nossa terra, esta aquarela folclórica a qual chamamos de ‘A Festa Continua’”.

O desfile foi realizado no Sambódromo, que ainda não estava concluído (apenas a ferradura estava pronta). As arquibancadas utilizadas na avenida Djalma Batista foram improvisadas no local.

Para evitar imprevistos de última hora, o diretor de adereços, Vai-Vai, esteve no Sambódromo diversas vezes para checar a iluminação, já que a Reino Unido ia desfilar de madrugada.

“A iluminação é muito boa e os jurados vão perceber cada detalhe dos carros alegóricos e alegorias”, explicou ele. “Esse fato vai requerer um acabamento impecável e quem não se preocupar com isso vai passar vergonha”.

A escola desfilou com 6 mil brincantes, 45 alas, 400 destaques e cinco carros alegóricos.

Um deles mostrava uma autêntica favela carioca, com todos os seus problemas e necessidades urgentes, mas também com uma comunidade alegre, solidária e disposta a lutar pela sua inclusão social.

Outros dois carros que também chamaram bastante atenção pela suntuosidade e brilho foram o que mostrava o Apocalipse e o alusivo à Festa do Divino.

Como já era tradição na execução de seus enredos, Shangai dividiu o desfile em dez setores: “Apocalipse – O Caos inicial”, “A Festa da Primavera”, “Festa do Divino”, “A maior festa de um povo”, “Negras raízes”, “Bom Jesus dos Navegantes”, “Leão do Norte”, “Círio de Nazaré”, “Amazonas, folclore e carnaval” e “Reino do Amanhã”.

As fantasias de todas as alas, sem exceção, eram de apurado bom gosto e adequadas para os brincantes evoluírem sem sobressaltos.

Apesar de ter feito um desfile técnico dentro do script, demonstrando muita garra e emoção, a Reino Unido acabou em terceiro lugar.

A Aparecida conquistou o título daquele ano, com a Vitória Régia sendo vice-campeã.

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