terça-feira, 19 de abril de 2011

Folclore dos Meninos do Morro (14)


Gilsinho, Zé Picanço e o saudoso Carioca do Pandeiro

A mãe do poeta Gilsinho Nogueira ficou encarregada de fazer as roupas dos puxadores de samba da Reino Unido, no ano em que a escola andava numa pindaíba de dar dó.

Para impressionar o cantor Gera da Portela, que ia defender o samba da Reino Unido na avenida, os diretores optaram por um blazer e uma calça de seda branca, com uma discreta camisa verde por baixo do blazer.

A costureira aceitou a encomenda, sem cobrar nada nem pelos tecidos, somente para ajudar a escola.

Ao todo seriam seis ternos estilosos: o do puxador (Gera da Portela), os dos vocais de apoio (Almeron, Roque, Erasmo e Renato) e o do diretor de bateria (Mestre Arnoldo).

O restante da turma (diretores de alas, diretores de harmonia, pessoal de apoio etc.) teriam de se contentar com aquela furrecas camisas de meia fio 24 e calças de brim coreanas compradas no Sukatão. A maré não tava pra peixe.

A costureira só conseguiu terminar a encomenda no dia do desfile, perto das sete da noite.

Como a escola só iria desfilar por volta das duas da madrugada, havia tempo suficiente.

Gilsinho acondicionou as fantasias em duas sacolas de plástico, pendurou num poste perto da mesa de dominó que funcionava no Bar Kipapo’s, de um de seus irmãos, e avisou:

– Se alguém for lá pras bandas do Morro é para entregar essas duas sacolas pro Niceias Magalhães, que ele já sabe o que fazer...

Dito isso, ele foi jantar na casa de sua mãe, que ficava atrás do boteco.

Quando retornou, duas horas depois, o poeta não encontrou as sacolas no lugar.

Gilsinho percebeu que os jogadores de dominó e os pinguços do boteco ainda eram os mesmos.

Se ninguém tinha saído dali pra ir ao Morro, como foi que as sacolas desapareceram?

Pergunta daqui, pergunta dali e nada.

Ninguém tinha a menor ideia do que poderia ter acontecido com as sacolas.

Um dos pinguços disse que a única coisa anormal que tinha passado por ali era o carro de coleta de lixo.

O carro costumava passar de madrugada, mas naquele sábado de carnaval havia passado mais cedo.

Gilsinho matou a charada: os lixeiros confundiram os sacos pendurados no poste com sacos de lixo e os colocaram no carro coletor.

Ele e seu irmão Gilberto, dono do Kipapo’s, entraram num fusquinha e saíram na captura do carro do lixo.

Viraram a Praça 14 e o centro da cidade de cabeça pra baixo, e nada.

Agora era uma corrida contra o tempo.

Por volta da meia-noite, encontraram o carro coletor na Sete de Setembro, em frente do Palácio Rio Negro.

Gilberto trancou o carro de lixo com seu fusquinha, sacou um três-oitão e obrigou o motorista a descarregar o lixo no meio da rua.

Percebendo que Gilberto estava cada vez mais nervoso e disposto a atirar para matar, o motorista obedeceu.

Um mau cheiro disgramado tomou conta do quarteirão.

No meio do monturo, Gilsinho conseguiu localizar as duas sacolas, cheias de chorume.

Para sorte deles, elas ainda não haviam passado pelo triturador.

Tapando o nariz e segurando as sacolas penduradas para fora da janela, os dois retornaram à casa da mãe, enquanto os lixeiros dirigiam toda espécie de palavrões aos dois sambistas, putos da vida pela trabalheira da moléstia de recolocar o lixo de volta no carro coletor.

A mãe de Gilsinho, com a mesma abnegação de sempre, lavou as roupas com sal grosso, detergente e amoníaco.

Com uma perícia extraordinária, secou as roupas no ferro elétrico.

O mau cheiro dos ternos, entretanto, continuava insuportável.

Maria, uma das irmãs do poeta, entrou na briga.

Pegou sua coleção de perfumes franceses, ou melhor, de “Eau de Toilette” da marca Versace, linha V/S Versus, que usava com parcimônia e somente em ocasiões pra lá de especiais – e, quase chorando, fez o que precisava ser feito: encharcou as roupas de perfume.

Oito vidros foram gastos na brincadeira. A briga entre o Versace e o chorume prometia.

Por volta de uma e meia da madrugada, Gilsinho conseguiu entregar os ternos aos verdadeiros donos.

Cheios do “goró”, nenhum deles percebeu nada de extraordinário nas roupas.

E com exceção de Gera da Portela, que no dia seguinte amanheceu com um inexplicável “caminho de cobra” no meio das costas, ninguém se queixou de nada.

Naquele ano, a Reino Unido desfilou o tema “Vem a mais de mil”.

Aliás, era essa importância que tinha custado cada vidro de perfume da Maria...

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