quarta-feira, 6 de abril de 2011

GRES Reino Unido da Liberdade - Carnaval 1991


Enredo: A paz vem do Futuro

No dia 2 de agosto de 1990, o Iraque invade o Kwait e Saddam Hussein declara o país invadido como a 19ª província iraquiana.

A ONU declara boicote econômico ao país agressor.

Militares das forças aliadas, capitaneados pelos EUA, começam a deslocar-se para a Arábia Saudita, constituindo o maior exército já reunido desde a 2ª Guerra Mundial.

No dia 29 de novembro, a ONU faz um ultimato ao Iraque.

Se não se retirar do Kwait até o dia 15 de janeiro de 1991, as nações aliadas estarão autorizadas a atacar alvos iraquianos.

Saddam Hussein faz ouvidos de mercador e diz estar preparado para a “Mãe de Todas as Batalhas”.

Disposta a conquistar o tri-campeonato, a diretoria do GRES Reino Unido escolhe como tema “A paz vem do futuro”, para protestar contra a guerra que se avizinhava no Oriente Médio.

O fio condutor do enredo era mostrar que em Manaus havia uma comunidade pacifista, que desejava um mundo melhor de se viver, onde todos pudessem conviver em harmonia, tendo como lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, herança do Século das Luzes e da Revolução Francesa.

– A paz é anseio irreprimível presente no coração de cada pessoa, independentemente das suas identidades culturais específicas –, explicava Bosco Saraiva, agora entronizado como presidente de honra da escola. “Por isso mesmo, cada um deve colocar-se ao serviço de um bem tão precioso, trabalhando para que não se insinue qualquer forma de falsidade que venha contaminar a convivência”.

A verdade é que todos os homens pertencem a uma única e mesma família – a raça humana –, só que a excessiva exaltação das próprias diferenças contrasta com esta verdade cristalina.

É preciso recuperar a consciência de estarmos irmanados num mesmo e, em última análise, transcendente destino, para se poder valorizar da melhor forma as próprias diferenças históricas e culturais sem as contrapor, mas, antes, harmonizando-as com os que pertencem a outras culturas.

São estas verdades simples que tornam possível a paz.

E são facilmente compreensíveis quando se escuta o próprio coração com pureza de intenção.

A paz apresenta-se então de um modo novo: não como simples ausência de guerra, mas como convivência dos diversos cidadãos numa sociedade governada pela justiça, na qual se realiza também, na medida do possível, o bem de cada um deles.

A verdade da paz chama todos os humanos a cultivarem relações fecundas e sinceras, e, simultaneamente, estimula a procurarem e a percorrerem os caminhos do perdão e da reconciliação, a serem transparentes nas conversações e fiéis à palavra dada. Simples assim.


Hoje em dia, a verdade da paz continua a ser comprometida e negada, de maneira dramática, pelo terrorismo que, com as suas ameaças e ações criminosas, é capaz de manter o mundo em estado permanente de ansiedade e insegurança.

Os papas Paulo VI e João Paulo II intervieram diversas vezes para denunciar a tremenda responsabilidade dos terroristas e para condenar a insensatez dos seus desígnios de morte.

De fato, tais desígnios estão inspirados por um niilismo trágico e desconcertante, que o Papa João Paulo II descrevia com estas palavras: “Quem mata, com atos terroristas, cultiva sentimentos de desprezo pela humanidade, manifestando desespero pela vida e pelo futuro: nesta perspectiva, tudo pode ser odiado e destruído”.

Mas não é só o niilismo: também o fanatismo religioso, hoje frequentemente denominado fundamentalismo, pode inspirar e alimentar propósitos e gestos terroristas.

Intuindo, desde o início, o perigo dilacerante que representa o fundamentalismo fanático, João Paulo II estigmatizou-o duramente, acautelando contra a pretensão de impor com a violência, em vez de propor à livre aceitação dos outros, a própria convicção acerca da verdade.

Assim escrevia ele: “Pretender impor aos outros, com violência, aquela que se presume ser a verdade, significa violar a dignidade do ser humano e, em última instância, ultrajar a Deus, de quem ele é imagem”.


Bem vistas as coisas, o niilismo e o fundamentalismo relacionam-se de forma errada com a verdade: os niilistas negam a existência de qualquer verdade, enquanto os fundamentalistas avançam a pretensão de poder impô-la com a força.

Mesmo tendo origens diversas e sendo manifestações que se inserem em contextos culturais distintos, o niilismo e o fundamentalismo têm em comum um perigoso desprezo pelo homem e sua vida e, em última análise, pelo próprio Deus.

Com efeito, na base deste trágico recurso está, em definitivo, a falsificação da verdade plena de Deus: o niilismo nega a sua existência e providencial presença na história, ao passo que o fundamentalismo fanático desfigura a sua face amorosa e misericordiosa.

Ao analisar as causas do fenômeno contemporâneo do terrorismo, é desejável que, além das razões de caráter político e social, se tenham em conta também as mais profundas motivações culturais, religiosas e ideológicas.

Mais uma vez a Reino Unido abordava um tema que estava na ordem do dia para mostrar que era possível sim, edificar uma sociedade melhor e mais justa.

Na disputa de samba-enredo na quadra da escola, o compositor Jorge Halen, o “Chocolate”, saiu-se vencedor, apresentando um samba fácil de cantar e bastante animado, que traduzia perfeitamente o sentimento dos brincantes.

De quebra, Chocolate acabou com a hegemonia da dupla Gilsinho e Almeron, que havia feito os três últimos sambas-enredos da escola.



Samba-enredo: A paz vem do futuro

Compositor: Chocolate

Hoje o mundo se vestiu de branco
Com mais flores, mais encanto,
É nova era que vamos anunciar
Meu Reino proclamou a liberdade
Decretou nova amizade
Só restam cinzas desta tal de nuclear
É um novo sol, aquecendo seu povo,
Que suspira de novo
E o negro voltou a sonhar
Oh, índio, tu que amas a terra
Mostra ao mundo a mais bela canção de paz
Oh, branco, não aperte o vermelho sem razão
Assim o Morro perde a inspiração
Essa fartura satisfaz os meus desejos
Vivendo assim o homem já não tem mais medo
A benção, Terra Mãe,
Que o amanhã será um hoje bem melhor
Uma criança tem um lar para dormir
Todos os muros hoje deixam de existir
Vou despertar sem mágoas
Que o mundo nos dá razão para sorrir
Com branca páscoa do nosso rio Negro
Igualdade e sutileza
Sob um manto nas asas da natureza


Gilberto Mestrinho e o ator Kid Mahal, um dos destaques da Reino Unido

O GRES Reino Unido já estava se preparando para o carnaval, com a moçada do Barracão se esmerando na confecção dos carros alegóricos e fantasias, quando o governador recém-empossado, Gilberto Mestrinho, anunciou que não haveria desfile das escolas de samba em Manaus, naquele ano, porque o estado estava falido e não haveria como ele ajudar financeiramente as agremiações.

Em compensação, assim que fizesse o ajuste fiscal necessário, ele construiria um Sambódromo melhor que o do Rio de Janeiro, ao lado da Vila Olímpica.

Choveram protestos de todos os lados, mas o boto navegador se manteve irredutível.

Não houve desfile na avenida Djalma Batista.

Os meninos do Morro, entretanto, estavam convencidos de que a Reino Unido não poderia deixar de mostrar este libelo a favor da paz mundial.

Em uma decisão pioneira e inusitada, eles resolveram fazer seu desfile pelas ruas do Morro da Liberdade, com a participação maciça da comunidade.

O grito de “é tricampeã!” foi adiado, temporariamente, mas a apresentação do GRES Reino Unido, revivendo o verdadeiro carnaval de rua, foi um sucesso estrondoso.

Como se estivesse participando realmente de um desfile oficial na avenida Djalma Batista, a escola se armou em traje de gala, com Comissão de Frente, Mestre-Sala e Porta-Bandeira, Ala de Baianas, Ala Show, carros alegóricos, fantasias e alegorias, e saiu de sua quadra, com mais de 5 mil pessoas participando do cortejo.

O desfile durou mais de cinco horas, percorrendo as principais ruas do bairro sob aplausos dos moradores e com toda a imprensa cobrindo o evento.

Um desfile que entrou para a história do carnaval amazonense e nunca mais foi repetido por outra escola de samba de Manaus.

Os meninos do Morro são danados.

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