segunda-feira, 4 de abril de 2011

GRES Reino Unido da Liberdade - Carnaval 1999


Enredo: Armando Brasileiro

No decorrer do ano de 1998, quando se iniciavam os preparativos para o carnaval do ano seguinte, surgiram muitas desavenças entre a Associação do Grupo Especial de Escolas de Samba de Manaus (Ageesma) e o Governo do Estado, colocando em risco a realização do último carnaval do milênio.

Graças à pronta intervenção da Rede Calderaro de Comunicação, que assumiu o compromisso de realizar o carnaval, o impasse foi solucionado.

Para a Reino Unido, o último carnaval do milênio seria realizado em um ano muito especial, pois ela comemoraria os 10 anos do primeiro título conquistado como Escola de Samba do Grupo Especial e queria confirmar o título de campeã da década de 90, que disputava com a Aparecida, ambas com quatro títulos conquistados (em 91, como já foi dito, não houve desfile).

A escola também estava empenhada em gravar um CD independente, com todos os sambas dos enredos campeões, para serem doados aos moradores do Morro da Liberdade.

Como, em 2000, o Brasil comemoraria os 500 anos de seu descobrimento, os meninos do Morro, que já estavam em uma festa permanente, resolveram antecipar as homenagens.

O problema é que a situação do país não era muito propícia para comemorações.

A política recessiva adotada pelo governo havia gerado grande preocupação na população brasileira, pois o desemprego tendia a aumentar ainda mais e os principais cortes orçamentários recaiam sobre as áreas de saúde e educação, incluindo diretamente as universidades federais e indiretamente as demais.

Profundos críticos do modelo econômico neoliberal então em vigor, que privilegiava os ricos e condenava uma parte cada vez maior da população a uma vida miserável, os meninos do Morro se viram à frente de outro impasse.

Cabral descobriu o que? Efetivamente nada.


Após mais de 80 anos de navegação, os portugueses desconfiavam da existência de terras a oeste da Ilha de Cabo Verde, confirmada pela viagem de Colombo, e por isso não aceitaram a Bula Inter Coetera do Papa Alexandre VI - espanhol - ameaçando os castelhanos e exigindo um novo acordo.

Esse novo acordo foi assinado no ano seguinte (1494) na cidade de Tordesilhas, satisfazendo D. João II, pois garantia à Portugal o domínio sobre o litoral do Brasil e, principalmente, o controle sobre o Atlântico, fundamental para o cumprimento do principal objetivo lusitano: a conquista das Índias.

Os estudos mais atuais trazem novos conhecimentos sobre esse período, especialmente sobre a viagem de Duarte Pacheco ao Brasil em 1498, dois anos antes de Cabral.

Essa viagem secreta foi planejada pelo governo português e mantida em segredo, dada a grande rivalidade com a Espanha e ao não interesse imediato de Portugal sobre o novo território.

Em 1494, o litoral do Brasil já pertence à Portugal. Em 1498, os primeiros portugueses chegam ao Brasil. É evidente que Cabral não havia “descoberto” coisa nenhuma.


Porém se o termo descobrimento está sendo gradativamente eliminado dos livros didáticos, ele vem sendo substituído por qual?

Alguns autores passaram a empregar chegada dos portugueses, pretendendo assim uma pseudo neutralidade no que toca aos interesses econômicos e às relações travadas com os povos nativos a partir de então.

Outros passam a utilizar o termo conquista, possibilitando uma maior reflexão sobre os interesses que estão em jogo, a intenção nítida de Portugal sobre o Brasil, no quadro da política mercantilista.

Existem alguns que se utilizam da expressão inicio da exploração portuguesa, pois, apesar de não haver uma ocupação efetiva da terra nas primeiras décadas, a madeira já era explorada e o mercado resguardado, com o objetivo futuro definido.

Para fugir dessas armadilhas teóricas, os meninos do Morro resolveram homenagear o comerciante português Armando Soares, proprietário do famoso Bar do Armando, ponto de encontro de boêmios, jornalistas e profissionais liberais, e sede informal da escrachada BICA (Banda Independente Confraria do Armando), uma das responsáveis pela revitalização do carnaval de rua em Manaus.

– Homenageando o Armando, nós estávamos, ao mesmo tempo, homenageando toda a colônia portuguesa residente no Amazonas e reconhecendo a importância da BICA no nosso carnaval! –, explicou Bosco Saraiva, responsável pela sugestão do enredo.


A Banda Independente Confraria do Armando (BICA) havia sido fundada no início de 87, pelos freqüentadores habituais do Bar do Armando, localizado na Praça São Sebastião, nas proximidades do Teatro Amazonas, tendo como musa inspiradora Petronilia de Carvalho, uma devota de São Sebastião, que, na época, estava na flor dos seus 65 anos.

Há 20 anos, ela desfila na banda, carregando o glorioso estandarte da BICA.

A arquiteta Heloísa Cardoso, os músicos Celito, Manuel Batera e Afonso Toscano, e o professor de Educação Física Mário Buriti foram responsáveis pela elaboração dos estatutos da banda. O nome foi sugerido pelo advogado Sérgio Litaiff.

O irreverente jornalista Eduardo Gomes, o “Gonzaguinha”, teve a brilhante idéia de usar como fantasia aqueles dois itens exclusivos do vestuário do Armando – a risível camiseta sem manga, que ele usava sob o jaleco, e a bisonha cueca samba-canção, que o comerciante lavava a cada quinze dias.

Como a história da BICA já foi contada em detalhes aqui neste mocó (basta consultar as postagens de janeiro e fevereiro), vamos nos ater ao enredo do GRES Reino Unido da Liberdade.


Hiel Levy, Chocolate e Simão Pessoa, durante o lançamento do livro Folclore Político do Amazonas, no Bar do Armando

Na disputa de samba-enredo na quadra da escola, sagrou-se vencedor o compositor Jorge Halen, o “Chocolate”, com uma letra que, entre outras coisas, também homenageava poeticamente dois “biqueiros” que haviam falecido recentemente: a ativista cultural Celeste Pereira e o escritor e professor universitário Antonio Paulo Graça.

O samba-enredo da Reino Unido também foi adotado como tema da BICA no desfile daquele ano, aprofundando ainda mais os laços entres as duas agremiações.

O refrão “Bota a BICA pra zuar / Celestiou em teu olhar / Com Graça e louvação / Sou do Morro, sou boêmio / Salve, São Sebastião!” virou grito de guerra dos escrachados “biqueiros”.



Samba-enredo: Armando Brasileiro

Compositor: Chocolate

Intérprete: Ulisses do Reino

Meu Reino
Soletrando seus versos
De braços abertos
Vê o céu beijando o mar
Vento forte, navegando rumo a sorte
Terra à vista, enfim, aportei
Pau-brasil, teu nome reluz
Ilha de Vera Cruz
Um solo que espelhava riquezas
Atraía a Coroa em Portugal
Girar, girei, no giro da Coroa me encantei
Minha escola é soberana sem igual,
Quando o tema é carnaval
Pra festejar os seus 500 anos
Nesta terra, portugueses dão as mãos,
Sua história, costumes, tradições,
Trouxeram o progresso,
Pioneirismo e evolução
Quanta saudade do patrício Zé Pereira
Armando Brasileiro, figura popular,
Eu sou mais um biqueiro e vou bicar
A irreverência é linguagem nua e crua
Manaus vai ver a banda passar
É o meu sonho, é o carnaval de rua.
Bota a BICA pra “zuar”
“Celestiou” em teu olhar
Com “Graça” e louvação
Sou do Morro, sou boêmio,
Salve, São Sebastião!

Na voz de Ulisses do Reino, o samba-enredo ganhou uma nova dimensão.

O trabalho foi gravado no Studio Espelho da Lua, com produção do Maestro Claudinho e arranjos de bateria de Mestre Iron, que estava de volta à escola depois de um longo tempo afastado.

Pela primeira vez, a Reino Unido gravava um CD com seus próprios ritmistas, além de contar com a participação especial de Gordinho e Leonardo, entre outros.

Com o trabalho pronto, a ótima qualidade do samba-enredo caiu nas graças do povo e ele se tornou um dos mais executados nas rádios amazonenses.

Basta dizer que foi cantado delirantemente por mais de 30 mil pessoas, durante o desfile da BICA, pelas ruas do centro histórico de Manaus, no sábado magro de carnaval.

A escola evitou o gigantismo do ano anterior e desfilou com um carro abre-alas, cinco carros alegóricos e apenas 3.500 brincantes, distribuídos em 12 alas: “Viajantes do Mar”, “Terra à vista”, “Solo de riquezas”, “Índios”, “Portugueses”, “Baianas”, “Abertura dos portos”, “Biqueiros”, “Garçons”, “Petronilia”, “Bar do Armando” e “Banda da BICA”.

As fantasias de apurado bom gosto e extremamente coloridas provocavam um visual exuberante.

A escola estava linda, leve e solta.

Havia um sentimento comum de que a Reino Unido iria levantar o caneco no último carnaval do milênio.

Faltavam poucos minutos para as 2h de domingo quando o presidente de honra da escola, vereador Bosco Saraiva, anunciou que a Reino Unido ia cruzar a linha de entrada na pista do desfile.


Visivelmente emocionado, ele fez uma pequena homenagem ao cantor Casagrande, um dos puxadores da Reino Unido, que havia morrido em dezembro de 1998, por complicações pós-operatórias durante uma cirurgia na garganta.

– Vamos dançar e desfilar bonito para o Casagrande, menino do Reino, que nos deixou de maneira tão inesperada, mas que na noite de hoje canta e dança conosco lá do alto!

Muitos brincantes não conseguiram esconder as lágrimas.

Assim que a explosão de fogos de artifício terminou, a Reino Unido entrou no Sambódromo para falar da chegada dos portugueses ao Brasil, louvar os 500 anos de descobrimento e homenagear uma das mais tradicionais figuras da cidade, o português Armando Soares, 64 anos de vida e 46 de Brasil.

A comissão de frente era formada por Bobos da Corte estilizados, representando os artistas que divertiam os nobres portugueses na Idade Média, com ditos espirituosos, irreverência e bom humor.


O comerciante português vinha no imponente carro abre-alas intitulado “Corte Portuguesa”, que representava o salão nobre do Palácio Nacional de Sintra, onde Dom João II, Dom Manuel I e os principais membros da Corte se reuniam para autorizar as viagens exploratórias ao Novo Mundo.

Ele estava acompanhado de sua esposa, Lourdes Soeiro, e das duas filhas do casal, Ana Lúcia e Ana Cláudia. Muitos diretores da BICA também estavam no abre-alas.

Armando era só felicidade. Mesmo antes de entrar no Sambódromo, ele já não conseguia esconder a alegria que explodiu na passarela.

“Eu nunca tinha vindo aqui e entrar para desfilar em carro alegórico está sendo uma emoção muito grande”, garantiu.

Dona Lourdes também estava bastante emocionada. “É muito bom ser homenageado dessa maneira, muito bom mesmo. Os meninos do Morro nunca mais vão sair do meu coração”, dizia.

Vestidos elegantemente de verde e branco, as cores da escola, os dois não pararam de dançar enquanto a Reino Unido desfilou pela avenida.

Quando as notas foram abertas, a expectativa dos meninos do Morro se confirmou: a Reino Unido era a campeã do último carnaval do milênio e, de quebra, a campeã incontestável da década de 90, com cinco títulos conquistados.

A Aparecida teve que se conformar com o vice-campeonato nas duas categorias.


Em julho, o diretor de Comunicação da Reino Unido, radialista Ivan Oliveira, implantou o projeto Poesia Solta na Rua, em que, semanalmente, poetas e músicos amazonenses se apresentavam em frente à quadra da escola para recitar seus poemas, mostrar suas canções e conversar com os presentes.

Cada participante recebia um diploma de Honra ao Mérito e um pequeno troféu criado pela diretoria do GRES Reino Unido.

“Foi a maneira que encontramos para fazer a comunidade conhecer de perto, ao vivo e a cores, os melhores representantes do mundo intelectual do nosso estado”, explicou Ivan Oliveira.

Participaram do fuzuê, entre outros, Anibal Beça, Simão Pessoa, Zemaria Pinto, Marcos Figueira, Alcides Werk, João Rodrigues, Candinho, Thiago de Mello, Célio Cruz, Elson Farias, Dori Carvalho, Guto Rodrigues, Celestino Neto, Aldisio Filgueiras, Torrinho, Celdo Braga, Eliberto Barroncas, Anísio Mello, Marcos Gomes, Gersey Nazareno e Luiz Bacellar.


Simão Pessoa e Ivan de Oliveira


Aldisio Filgueiras


Marcos Figueira e Candinho


Zemaria Pinto


Simão Pessoa, Anibal Beça, João Rodrigues e Celestino Neto


Célio Cruz


Guto Rodrigues e Alcides Werck


Carlos Castro


Célio Cruz e Candinho


Ina e Guto Rodrigues


Simão Pessoa lendo o clássico Brinca Comeu Brinco

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